O bumba meu boi é uma das expressões mais famosas da cultura popular brasileira. Originalmente, é uma dança típica das regiões Norte e Nordeste, mas hoje é possível encontrá-la em todas as partes do Brasil, inclusive no Distrito Federal. O Boi de Seu Teodoro reúne as tradições do Maranhão na capital do país e representa um dos grupos de cultura popular mais antigos do DF, com 58 anos de atuação. O último 30 de junho ficou reconhecido como o Dia Nacional do Bumba Meu Boi e, para celebrar, o Correio conversou com os filhos do Mestre Teodoro Freire, o maranhense responsável pela criação de uma parte importante da cultura popular da capital.
“Considero meu pai um homem muito corajoso e de muita sabedoria”, diz Tamatatíua Freire, conhecida como Tamá, filha de Seu Teodoro. Ele nasceu em 9 de novembro de 1920 na área rural de São Vicente Ferrer, no interior do Maranhão. Desde criança, carregava a paixão pelo bumba meu boi e enganava a mãe para comparecer aos ensaios da dança na cidade. Mais tarde, se mudou para o Rio de Janeiro e, em 1956, Teodoro criou um Boi e realizou apresentações na região carioca até 1960. “Foi exatamente esse trabalho que o trouxe a Brasília, para se apresentar no primeiro ano da capital, na Rodoviária, a convite do professor Darcy Ribeiro e do poeta Ferreira Gullar, intermediado pelo sociólogo Edison Carneiro”, conta Tamá.
Assim, Teodoro Freire se estabeleceu na capital e começou a trabalhar na Universidade de Brasília (UnB), em 1962, onde ficou por 28 anos. Em 23 de junho de 1963, o Boi de Seu Teodoro saiu pela primeira vez em Brasília, com apresentações na UnB, no Clube Caça e Pesca, no Cota Mil e na Rodoviária. “O Boi se tornou patrimônio cultural de natureza imaterial, e esse legado se deve muito à UnB”, explica Guarapiranga Freire, filho do Mestre Teodoro, pois o pai contou com o apoio de muitos professores e alunos da universidade para sustentar as atividades do Boi.
Situado em Sobradinho, atualmente o Boi de Seu Teodoro é comandado por Guarapiranga, também conhecido como Guará. Ele assumiu o posto após a morte de Teodoro Freire, em 15 de janeiro de 2012. “Meu pai deu a vida dele por esse Boi, mas colaborou muito para a evolução da cultura no DF em diferentes áreas. Na verdade, essa foi a forma dele de retribuir toda a ajuda que recebeu para prosseguir com o trabalho do Boi”, pontua Tamá Freire, que hoje é a diretora artística do projeto Bumba Maria Meu Boi, criado com a ideia de fazer a brincadeira do Boi somente com mulheres.
Riqueza nacional
No Brasil, o bumba meu boi possui diversas variantes que inovam a tradição, como o cavalo marinho, uma brincadeira da zona da mata de Pernambuco, que apresenta diversos personagens fantásticos do interior do estado, e o boi de mamão, tradição folclórica de Santa Catarina, que exibe uma espécie de teatro gestual em tom cômico de uma corrida de touros em arenas. Assim, são diversas as possibilidades de brincadeiras e danças com o Boi, que se manifestam de acordo com os aspectos culturais específicos de cada lugar em que se encontra.
“É uma manifestação cultural muito rica, que envolve música, dança, teatro e trabalhos manuais como o bordado. É uma forma de ‘brincadeira’, mas também de devoção. Está diretamente relacionado às festas de São João, São Pedro e São Marçal, com várias referências ao catolicismo popular, ao mesmo tempo em que agrega elementos de religiões afro-brasileiras e indígenas. É uma festa inclusiva, que representa a diversidade brasileira”, explica a professora da UnB Juliana Braz Dias, que tem como linhas de pesquisa a teoria antropológica, antropologia da África e cultura popular.
Além disso, existem outras danças famosas na cultura popular brasileira, como o tambor de crioula, manifestação forte no Maranhão de origem africana praticada por descendentes de escravos africanos, o samba de roda e o maculelê, ambos da Bahia. “A partir do momento em que a gente gosta da nossa atividade cultural, temos de respeitar as atividades das outras pessoas. O tambor de crioula aqui no DF vem numa crescente, eu já vi uns dois ou três grupos se formando aqui, isso é muito importante pra nós, não só para a cultura do DF, mas para a cultura brasileira. Apesar de ter ainda muito preconceito, a gente vai quebrando barreiras no dia a dia”, declara Guará.
Temporada
No caso do Boi de Seu Teodoro, ele é definido como uma expressão das tradições maranhenses. “Não queremos jamais fugir da cultura que é de lá, porque o que a gente faz aqui em Brasília é a cultura que tá no Maranhão. É isso que a gente quer mostrar, não só quando a gente tá aqui na capital, mas também quando estamos em outros estados”, explica Guará Freire. A temporada de ensaios do Boi de Seu Teodoro começa sempre no Sábado de Aleluia, depois da Semana Santa, e se estende até o sábado que antecede o Dia de São João, que é o batizado do Boi, momento em que se troca o couro e as roupas dos brincantes. Depois, o Boi pode realizar brincadeiras a qualquer momento, até a chegada do ritual da morte do Boi, que geralmente ocorre entre setembro e novembro, e a festa dura, no mínimo, dois dias.
Em um contexto de pandemia, as atividades do Bumba Meu Boi tiveram que ser modificadas para garantir a proteção de todos os envolvidos. “As festas tradicionais do Boi têm uma profunda ligação com o sagrado. Então, fizemos os festejos reduzidos aos integrantes para cumprir a fé. Para dividir com a comunidade, optamos pelas serenatas nas janelas dos prédios de Brasília”, detalha Stéffanie Oliveira, presidente do Instituto Rosa dos Ventos, circuito brasiliense de culturas populares que trabalha com o Boi há 15 anos com o objetivo de lutar pela manutenção da tradição. “O impacto da pandemia em relação ao Boi foi muito forte, mas eu acredito que a gente tem uma vantagem, porque o Boi, independentemente de ter recurso ou não, brinca. É uma coisa de que a gente gosta e que está no coração”, completa Guará Freire.
Além disso, durante a pandemia, o Boi de Seu Teodoro ganhou a gravação do disco O legado do sonho de uma criança, primeiro registro fonográfico do grupo, produzido por Larissa Umaytá, neta de Seu Teodoro, com a parceria do Mestre Gilvan do Vale. Tamá Freire também apresentou a web série documental Vídeo-rodas, recebendo personalidades da cultura popular para um ciclo de bate-papos. O registro audiovisual está disponível no YouTube, e o álbum se encontra nas plataformas digitais.
“Lutar pela manutenção do Bumba Meu Boi é lutar pela valorização e preservação de um conjunto de conhecimentos, habilidades, práticas e expressões de uma parcela da população brasileira historicamente marginalizada. É dar espaço e condições de existência para uma herança cultural que continua viva, pulsante”, afirma a professora Juliana Braz Dias.
*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira
“O Boi se tornou patrimônio cultural de natureza imaterial, e esse legado se deve muito à UnB”
Explica Guarapiranga Freire, filho do Mestre Teodoro
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