“Quando me masturbo, penso em mim mesma”, é um relato comum de quem se declara autossexual, ou seja, quem sente atração sexual e afetiva por si próprio. Como toda expressão da sexualidade, essa orientação vai muito além do tesão e do sexo.
De acordo com o psicólogo e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Silva Jr., a existência da diversidade é natural: “A sexualidade tem aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais, e não há divisões exatas entre eles. Do ponto de vista biológico, existe diversidade na orientação sexual porque a seleção natural, processo que cria a evolução das espécies, produz variabilidade. A busca pelo vínculo afetivo e pelo prazer move a orientação sexual.”
Já a sexóloga e terapeuta sexual Thalita Cesário, pós-graduanda em sexualidade humana no CBI de Miami, explica que a dificuldade para falar e ter informação sobre o assunto acontece porque tudo que é relacionado à sexualidade, principalmente no Brasil, tem estudos muito recentes. Segundo ela, antes de tudo, é preciso entender que a sexualidade não se limita ao prazer sexual e reforça como a Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo:
“É uma necessidade básica e aspecto do ser humano e que não pode ser separado de outros aspectos da vida. Não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não de orgasmo. Estamos falando de auto estima, de expressão de gênero, da relação com nós mesmos e com a sociedade.”
“Então, quando falamos de autossexualidade, também inserimos a parte afetiva. Não podemos separar como se autossexualidade fosse só o ato de transar com si mesmo ou só sentir atração por si mesmo. Tudo na sexualidade é fluido, não podemos definir que autossexuais se fecham para se relacionar só com eles mesmos, mas que com eles é como sentem mais prazer. A pessoa se sente atraída por ela mesma, realizada, satisfeita” diz a especialista. “Assim, a pessoa autossexual, quando se masturba, talvez use as sensações, lembranças do próprio corpo como repertório sexual, e não necessariamente precise de outras referências sexuais para sentir prazer”, completa.
"É amor próprio", diz modelo da Playboy
A modelo da Playboy e digital influencer brasileira Luana Sandien (28) se reconhece como autossexual. “Eu tive relacionamentos, mas sempre faltava algo. Posso dizer que eu sou apaixonada por mim. Quando estou me tocando, penso no meu corpo, penso em mim. Eu sinto às vezes atração por outras pessoas, mas por mim é mais forte. Penso que como outra pessoa não é suficiente para mim, prefiro ficar comigo mesma. Posso parecer egocêntrica, metida, mas é como eu me sinto”, afirma.
“Já recebi mensagens como ‘você se diz autossexual porque não conheceu o cara certo, porque não provou o sexo bom’. Não se trata disso, os homens se dão amor e sempre falam sobre masturbação, porque as mulheres também não podem se dar amor e prazer? Porque a mulher tem que ter vergonha de dizer que se dá amor?”
Para ela, a descoberta de se satisfazer sexual e amorosamente sem precisar de um parceiro aconteceu principalmente durante seu casamento com o ex-marido, Maciej Lampe, jogador da NBA, com quem inclusive teve um filho. Ela conta que sofria abusos psicológicos. “Eu sempre tive a auto estima elevada e brincava sobre ser linda e maravilhosa. Quando me casei, tive minha auto estima muitas vezes baixa, porque estava do lado de uma pessoa que, em teoria, deveria me colocar para cima, mas me desmerecia. Ao pensar que aquilo era amor, eu acreditava ser menos do que sou. Acho que isso acontece com muitas mulheres”, diz Luana.
A modelo conta como recuperou seu amor próprio e se deu conta da autossexualidade: “Percebi que não estava disposta a perder a liberdade que eu tenho sobre mim. Pensei ‘se esse é o amor que outra pessoa pode me dar, obrigada, eu me amo mais’. Eu já era auto suficiente em todos os aspectos, tudo que eu fazia me sentia mais feliz sozinha do que com outra pessoa. Eu sou dona de mim. É maravilhoso e para mim é a melhor coisa que pode acontecer com qualquer um. Se eu fosse outra pessoa, eu estaria comigo.”
Ela também comenta sobre as percepções equivocadas que alguns têm sobre autossexuais: “As pessoas confundem muito. Não é eu me olhar no espelho e pensar ‘vou transar comigo’. Eu me quero tanto, eu me acho uma mulher tão completa, que não há quem me dê todo o valor que eu me dou. Sou autossexual, auto-suficiente, independente. Acho que a autossexualidade deveria ser bem comum entre as mulheres hoje em dia. Para mim, acima de tudo, é amor próprio”.
"Masturbação é prática frequente e saudável"
A escritora Ghia Vitale (31) de Long Island, em Nova York, também se intitula como autossexual, e conta sobre essa descoberta: “Aprendi o termo ‘autossexualidade’ em artigos durante meus últimos anos no Purchase College. Quando li que se refere a sentir atração sexual por você mesmo, imediatamente soube que me relacionava com essa definição.”
Ela também explica como a autossexualidade funciona para ela: “Eu não exagero com a luxúria, mas sempre experimento sentimentos de auto-atração quando me olho no espelho. Os sentimentos que tenho são sexuais, românticos ou algo entre os dois. As sensações de me sentir atraída pelo que vejo no espelho acontecem com frequência.”
E completa: “Quanto à masturbação, muitos autossexuais (inclusive eu) amam a masturbação e consideram-na uma característica importante de nossas experiências. Certamente não me descreveria como ‘viciada’ em masturbação, mas gosto disso como uma prática frequente e saudável na minha vida sexual. A sociedade precisa abandonar toda essa coisa de ‘masturbação = ruim’”, diz.
Sobre piadas ou quem não respeita as diversidades, Guia afirma que “as pessoas podem rir da autossexualidade e pensar que ‘não existe’ o quanto quiserem. Isso não muda o fato de que existimos. À medida que esse tema obtém mais cobertura e aceitação, mais pessoas se sentirão seguras o suficiente para discutir sobre suas experiências. O melhor que posso fazer é falar abertamente sobre a autossexualidade em uma tentativa de aumentar a compreensão e aceitação do público sobre o assunto.”
"Desejo-me olhando no espelho e em vídeos sexuais meus"
Jessica Sirias (28) também é autossexual, ela trabalha como gerente de um hotel na Costa Rica. “Estive apaixonada e tive relacionamentos, não muitos, na maior parte da minha vida estive sozinha, e talvez seja daí a minha inclinação para ser autossexual. Quando eu entendi que não queria um parceiro sexual pois só comigo estava bom e bastava, quis me informar. Eu sabia que não era assexual porque gosto de sexo, então comecei a investigar e descobri que existia esse conceito."
Ela também explica sobre o prazer autossexual e diferencia: “Pessoas autossexuais se sentem muito bem consigo mesmas e se desejam se olhando no espelho ou assistindo a vídeos sexuais seus, fazendo sexo ou se tocando. Pessoas autossexuais não se masturbam toda vez que passam por um espelho, mas certamente se veem ou se imaginam como um estímulo. Pelo menos é como eu faço.”
E completa: “Considero muito importante mencionar que se você se masturba porque não tem parceiro, mas está sempre procurando fazer sexo com alguém, você não é autossexual. Ser autossexual significa que com você é suficiente e não há aquela busca constante por um parceiro, ou definitivamente não se deseja um parceiro sexual de forma alguma. Se mais pessoas entendessem isso, elas desfrutariam mais de sua sexualidade e até mesmo relações sexuais de baixa qualidade seriam evitadas.”
Autossexuais são narcisistas?
Não existe relação obrigatória entre a autossexualidade e o transtorno de personalidade narcisista, que é "o extremo do extremo", considerado de nível clínico. “Primeiramente, é importante explicar que o narcisismo é uma característica de personalidade que todos nós temos, em diferentes graus”, afirma Mauro Silva Jr., psicólogo e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).
“Pessoas com narcisismo clínico não necessariamente fazem coisas diferentes de quem tem narcisismo sub-clínico, mas fazem com mais intensidade e frequência. Quanto mais narcisistas, mais tendem a se achar numa condição de direito e merecimento superior, a achar que tudo que fazem é muito grandioso e a chamar a atenção para si a fim de ter aprovação externa, não para aumentar sua auto estima, mas para se agradar.”
Ao considerar as características de uma pessoas autossexual, o psicólogo comenta: “Se pensarmos que as características psicológicas podem ir do menor extremo ao maior extremo, pode ser, pensando hipoteticamente, que autossexuais vivenciem o maior extremo de auto-cuidado e percepção positiva de si, a ponto de sentirem atração sexual e amorosa por si próprios.”
Ele também explica que autossexualidade e traços narcisistas são características independentes entre si, que podem coexistir ou não no mesmo indivíduo: “Para avaliar se os autossexuais têm alto nível de narcisismo, seria necessário realizar uma avaliação individualmente, como respostas a um questionário. Questionários desse tipo são usados para compreender como as características psicológicas se relacionam, entre elas questões da sexualidade.”
Como se descobrir autossexual?
O termo é novo e ainda poucas pessoas se descobriram como tal. Para Thalita, isso se deve à falta de conhecimento. "É tudo muito recente. Existem, por exemplo, mulheres que não sabem onde fica o próprio clítoris, então se não há o entendimento sobre o próprio corpo, quem dirá sobre um comportamento sexual para se intitular autossexual.”
Ela dá seu conselho para quem ainda está descobrindo a própria sexualidade: “Acho que o primeiro passo é buscar essa descoberta sem culpa, e entendendo que tudo bem ser diferente do padrão imposto pela sociedade.”
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* Estagiária sob supervisão de Lorena Pacheco