A ideia de ter celebridades usando (e vendendo) seus produtos faz parte das estratégias de publicidade das marcas há muito tempo, tanto que, para determinadas mercadorias, a representação de uma voz ou o rosto de um famoso faz parte do imaginário popular. O que há de novidade nessa relação, entretanto, é a percepção de proximidade entre as duas partes e especialmente o conteúdo orgânico que só as redes sociais permitem — e que atraem de forma hipnótica as empresas.
Postura ereta, olhos fixos em uma apresentação, usando um terno branco. A estreia da cantora Anitta como nova integrante do conselho de administração do Nubank se deu na última sexta-feira (25/6), em uma reunião em Miami — onde parte do "board" da fintech vive durante a pandemia. Como se a contratação da artista não fosse surpreendente o suficiente, a empresa planeja para a próxima terça (29/6) um evento para “apresentar novidades”. Na ocasião, Anitta estará ao lado de David Vélez, fundador e CEO do banco digital, e Cristina Junqueira, cofundadora.
A contratação/ação de marketing de Anitta pelo Nubank foi longe, e além da briga política que envolveu a carioca, acabou levando o nome da fintech aos trending topics (lugar geralmente pouco receptivo a bancos). Agora, o objetivo não é simplesmente vender, mas ter uma identidade junto ao público-alvo, é ser mais que uma empresa fria e sem "personalidade".
"Estamos vivendo o que eu chamo de 'Era da Autenticidade', que é caracterizada por interações sociais mais horizontais e realísticas, quer sejam entre indivíduos e celebridades ou entre consumidores e marcas. As pessoas estão buscando se conectar com coisas que sejam mais parecidas com elas, que compartilhem dos mesmos princípios e valores, estilos de vida, formando comunidades. Por isso que as celebridades que surgem desses contextos acabam se tornando mais autênticas e, consequentemente, representativas de fato”, explica Juliana Nobrega, professora e especialista em marketing do Centro Universitário de Brasília (UniCeub).
A professora pontua que os milhões de seguidores de um artista são bem-vindos para a marca, é claro. Contudo, essa identidade formada pelas parcerias (e não só um contrato publicitário) também representa uma forma de as pessoas encararem o que chama de conceito de valor: "Quando uma empresa traz figuras representativas dessas comunidades para dentro do negócio, tem a oportunidade de entender melhor aquelas pautas, de construir uma marca mais autêntica e produtos mais relevantes".
Esse "entendimento" é tão importante, que quem o detém pode até dar aula para as empresas, como indica a comunicadora e professora Andrea Carla Marques: "É uma relação de mutualismo, uma condição em que ambos são beneficiados — a empresa pega 'carona' nos seguidores ou fãs da celebridade, que passam a ser potenciais clientes da marca. No exemplo da Anitta, ela tem total capacidade de emprestar seus conhecimentos ao conselho de dirigentes a respeito da comunidade de milhões de jovens que a seguem, pois entende, como ninguém, como 'falar e ser entendida' por eles, jovens de diversas idades, credos, gêneros e classes sociais, do Brasil e do exterior, justamente o público-alvo que interessa para a fintech".
Money?
Uma pergunta que pode surgir ao falar sobre a relação entre artistas e empresas em um contexto "extra publicitário" é indiscreta, porém insistente: qual a cifra envolvida? Bem, obviamente o valor exato é impossível de ser indicado, mas a especulação sempre existe. "Cada celebridade tem um preço, para usar uma expressão contemporânea, depende muito do hype que a celebridade esteja experimentando, se o conteúdo dela está em alta, se o tráfego orgânicos das redes dela é evidente", defende Oto Tertuliano de Oliveira, professor e especialista em Gestão.
Juliana também frisa a variância de valores, mas reforça o alto preço das celebridades do momento: "Isso depende muito do poder das partes envolvidas. Se estivermos falando em milhões de seguidores, estaremos certamente falando em milhões de reais e, claro, de marcas milionárias. O exemplo mais recente que temos é de Juliette, ex-BBB, que tem mais de 30 milhões de seguidores. Estima-se que ela esteja ganhando por mês, em média, o que ganhou no prêmio do programa".
Para Andrea, contudo, alguns casos conseguem ir além do dinheiro: "Estamos falando de milhares de dólares, ou milhões, dependendo do caso. No caso da Nubank e Anitta, como membro do conselho, ela terá direito às ações específicas como parte da remuneração. O Nubank somente começou a dar lucro esse ano. Mas, com uma fortuna estimada em US$ 100 milhões (segundo a revista Forbes), não creio que tenham sido ‘as verdinhas’ que a motivaram, e sim, o assento no Conselho de Diretores de um banco que tem previsão de crescimento”.
E quando a relação azeda?
Mas nem só de amores (e lucros) é feita a relação entre artistas e empresas. Muitas vezes, especialmente agora na era das redes sociais, o tiro pode sair pela culatra. Os especialistas ouvidos pelo Correio apontam duas ocasiões em que isso pode ocorrer: quando o posicionamento do artista se torna inadequado e quando um famoso sequer precisa de uma relação para criticar um conglomerado — como Roger Waters e a declarada guerra contra Mark Zuckerberg e o império de Facebook e cia.
"Acho que uma crítica é uma oportunidade de aprendizado. Essas são questões muito recentes, sobretudo para as empresas. É preciso desaprender muita coisa, resolver equações internas para criar um novo modus operandi. Não passa apenas pelo posicionamento da marca, a empresa precisa adotar processos que corroborem com as bandeiras que levanta. Isso vai atingir o relacionamento com fornecedores, sistemas de produção, políticas de recursos humanos, inovação em produtos, tudo”, indica Juliana, que ainda completa: “Quando uma celebridade ou um consumidor faz uma crítica, é preciso analisar, se desculpar e mostrar passos em busca de mudança. Creio que não há outro caminho hoje! Errar não é a pior parte, porque vai acontecer! Mais importante é como a empresa lida com o erro”.