Mesmo escrito entre 2016 e 2017, o longa nacional A nuvem rosa, com estreia prevista para o segundo semestre, traz incríveis pontos em comum com a atual realidade: do sofrimento da impossibilidade de abraçarmos parentes e amigos às incertezas da duração da pandemia, passando pela lacuna das informações do novo coronavírus. “Mesmo tendo acesso à internet, o contato virtual não preenche vazios. Para a minha geração, essa pandemia é o mais próximo que já vivemos de uma sensação de guerra. No início, era tão inacreditável que parecíamos estar vivendo dentro de uma ficção científica”, observa a cineasta Iuli Gerbase, responsável pelo filme.
Um isolamento forçado e a criação de uma intimidade apressada, que não reverbera em real conexão, toca o cotidiano de Giovana e Yago, personagens do longa, que pretendiam apenas passar uma noite juntos. “Provavelmente, eles não se veriam de novo, não fosse a nuvem rosa (elemento misterioso que toma os céus do mundo). Daí, há o convívio complicado entre ambos. É perceptível que a nuvem afeta mais Giovana do que Yago. É como se a nuvem estivesse mais do lado dele e de uma sociedade tradicional, levando o personagem dela a fazer coisas que não desejava”, adianta a diretora sobre possíveis olhares feministas em cima da obra.
A ótima receptividade estrangeira tem animado a equipe do filme que estreou no Festival de Sundance (EUA), em janeiro. “Seja nos Estados Unidos, na Rússia ou na Suécia, parece que o filme tem conseguido emocionar público e os críticos”, destaca a diretora estreante. Atuações dos atores bem elogiadas têm aguçado a curiosidade do público brasileiro.
Fluxo corrente
O convívio inesperado das 24 horas por dia nutre a relação de outro casal de protagonistas de Fluxo, o mais recente filme de André Pellenz, reconhecido pelo estrondoso sucesso de Minha mãe é uma peça. No filme, um casal se relaciona de forma real, mas interage com a intermediação de vídeo com outras pessoas.
“Até mesmo uma ‘traição virtual’ acontece. Enquanto novidade, o contato exclusivo pelo vídeo foi encarado, como algo até divertido. Porém, com o tempo, passa a ser algo frustrante, até por ser justamente uma conexão virtual que lembra aos envolvidos que eles estão, na verdade, isolados”, avalia o diretor do filme, que mostra o casal em crise, durante a pandemia.
Com relacionamento na vida real, os atores Bruna Guerin e Gabriel Godoy interpretam, respectivamente e advogada Carla e o terapeuta motivacional Rodrigo, que começa o filme fragilizado. “Ele não tem onde morar, acabou de levar um fora (de Carla), está profissionalmente em crise. Porém, ao longo do tempo, a honestidade com que ele encara a própria situação o fortalece, ao mesmo tempo em que a personagem feminina, tão forte e tão confiante no início, passa a ver que seu desejo de independência e liberdade pode acomodar novos elementos”, explica o diretor.
Em preto e branco, Fluxo impôs um modo simples de ser realizado, com filmagens feitas em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza. “A linguagem é inspirada em Michelangelo Antonioni, com a exploração dos espaços vazios para compor a emoção do momento”, conta o diretor. Enquadramentos fundamentados na arquitetura de um apartamento, que jamais conheceu, instigaram o diretor, ao lado da proposta de encenações por videoconferência.
Legado afetivo
Aos 60 anos de idade, e há dois viúva do dramaturgo Domingos Oliveira, a atriz Priscilla Rozenbaum segue na ativa, lidando em cinema com o tema que, pela vida, permeia suas incursões nas artes: o amor. Presente no longa Me sinto bem com você, criado pelo diretor brasiliense Matheus Souza, e disponível na plataforma do Amazon Prime Video, ela conta que o filme tem cinco histórias de amores vividos na quarentena. Sem ir ao set, ela filmou de casa (no Rio) para não viajar para São Paulo, onde o resto da equipe estava.
Fora do campo da ficção, a atriz tem a certeza de que “o isolamento não rima com nada”, em termos de uma poética na vida, e completa: “Estamos numa situação muito nova. Não sei como serão as relações pós-pandemia. Vamos poder falar sobre isso quando voltarmos a nos relacionar”. Medo da distância interferir nas relações, ausência de toque entre personagens e o cotidiano áspero com a onipresença, dada a pandemia, estão entre as abordagens do filme estrelado por Manu Gavassi e Clarissa Müller. Sobre os temas do filme, Priscilla avalia: “Acho difícil amar a distância, mas acho difícil conviver, diariamente, com o seu amor no meio de uma pandemia, numa conjuntura isolados; a dois”.
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