Morreu nesta quinta-feira (27/5), vítima de complicações decorrentes da covid-19, o ilustre sambista Nelson Sargento, aos 96 anos. Conhecido por suas brilhantes contribuições para a poesia do samba e como símbolo da resistência, o presidente de honra da Mangueira deixa a esposa, Evonete Belizário Mattos, os nove filhos, além de familiares, amigos e fãs. Ele estava internado desde o dia 20 de maio no Instituto Nacional de Câncer (Inca) — Unidade Cruz Vermelha.
Segundo o boletim médico, Nelson já chegou debilitado ao hospital, com quadro de desidratação, anorexia e significativa queda do estado geral. Dois dias depois, foi levado à UTI. Na quarta-feira, o artista foi intubado e não resistiu ao tratamento. Neste mesmo hospital, ele havia concluído o tratamento de um câncer de próstata, diagnosticado em 2005.
Foi com o hino O samba agoniza, mas não morre, do primeiro LP solo, Sonho de um sambista (1979), que ele ganhou fama nacional. A mensagem dos versos é a de que o samba é resistência, assim como foi o compositor durante mais de nove décadas. “Na minha época, a juventude morria muito de tuberculose. Eu pedi a Deus para chegar pelo menos aos 30.
Cheguei aos 30. Agradeci a Deus, fui aos 40. E aí eu disse, ‘vou pedir mais não’, chega. E cheguei aos 95. Coisas assim que a gente faz, porque acredita”, brincou o baluarte da Estação Primeira de Mangueira, bem-humorado, em uma entrevista ao jornal O Globo, no ano passado. No início deste ano, o Brasil comemorou sua imunização e agora chora sua partida por agravo da covid-19. “Ao dar o suspiro derradeiro”, como dizia o verso, deixa o samba mais triste.
Trajetória artística
O sambista uma vez disse: “Eu sou do tempo que o operário andava de tamancos e de calça remendada, esperando a hora de comer”, à medida em que apresentava com saudosismo as belezas — e durezas — do lugar em que cresceu, em cena do documentário Nelson Sargento no Morro da Mangueira (1997).
Nascido Nelson Mattos, na Santa Casa do Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1924, o artista se encontrou com o samba ainda na infância. Aos 9 anos, o menino já desfilava, mas pela Escola Azul e Branco, no Morro do Salgueiro, onde morava com a mãe, Rosa Maria da Conceição Mattos, e os 17 irmãos. Conviveu pouco com o pai, Olímpio José de Mattos Junior.
Aos 12, encontrou sua casa na música ao se mudar com a família para o Morro da Mangueira a convite do padrasto português, Alfredo Lourenço. Lá, passaria a acompanhar o padrasto e pintor de parede — também compositor de fado — nos ensaios da então Escola Unidos da Mangueira e aprenderia a tocar violão com Cartola, Nelson Cavaquinho e Geraldo Pereira. Incentivado, entre outros, por Carlos Cachaça, em 1942, passou a integrar a ala de compositores da Mangueira, e daí em diante presenteou o carnaval carioca com letras brilhantes de samba-enredo, e o Brasil, com as demais canções, ao lado de outros nomes da Velha Guarda do samba.
Como o astro-rei, Nelson ascendeu na manhã da Mangueira. Em 1958, tornou-se presidente da ala dos compositores e, em 2013, foi nomeado presidente de honra da escola. Nos desfiles de 2019 e 2020, ganhou papel de destaque, desfilando como personagens protagonistas do enredo: Zumbi dos Palmares e José, carpinteiro e pai de Jesus Cristo, respectivamente.
Emoção dos amigos
Compartilhando o papel na formação das raízes do samba, Monarco, presidente de honra da Portela, lamentou profundamente a morte do grande amigo e o descreveu como “um rapaz muito educado e fino. Um malandro mesmo, pente-fino, como diria a gíria antiga”.
Saiba Mais
“O samba está de luto, perdeu seu grande baluarte. Ele era da Mangueira, mas todas as escolas o adoravam. Porque ele era maior, era do samba! Ele lutou, foi da resistência, pegou a época em que a polícia ainda corria atrás de sambistas. Fez O samba agoniza, mas não morre, que ficou, e vai eternizar o nome dele para sempre. É um eterno, e muito bonito, nome no samba”, homenageou, o compositor portelense, em entrevista ao Correio.
Monarco lamenta a perda do músico e do amigo, com quem partilhou inesquecíveis histórias. “O que eu tenho para dizer agora é que: só a prece e nada mais. E que Deus o ilumine onde estiver. Onde nos encontrávamos, dava samba. Eu brincava com ele e dizia: ‘Nelson, você não precisava fazer mais nada, o que você fez já falou tudo”.
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira