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Jovens das periferias do DF descartam estigmas por meio da fotografia

Festival Foto de Quebrada traz concurso, debates e oficinas, além de revelar olhares transformados pela arte

» Naum Jiló*
postado em 21/05/2021 06:00
 (crédito: Ester Cruz/Divulgação)
(crédito: Ester Cruz/Divulgação)

A fotografia é um instrumento de transformação, principalmente quando o olhar fotográfico parte de grupos historicamente excluídos. Os profissionais das quebradas tomam para si a missão de registrar e proporcionar novos olhares sobre esses locais, cujas imagens são, muitas vezes, enviesadas pelas narrativas violentas constantemente propagadas. No entanto, muitos profissionais buscam transformar essa realidade.

Nascido e criado no Sol Nascente, Webert da Cruz se interessou pela fotografia desde os 11 anos, quando se aventurava com autorretratos tirados de uma velha câmera do pai caminhoneiro. Aos 17 anos, começou a tirar fotos para a revista Viração, periódico construído e voltado para jovens de todo o país. A câmera utilizada era outra, comprada com o salário que ganhava como jovem aprendiz. “Foi aí que comecei a entender a importância de construir novos olhares sobre a realidade que me cerca”, destaca Webert.

Hoje, com 27 anos, formado em jornalismo pela Universidade Católica e pela “rua”, como gosta de ressaltar, o fotógrafo se interessa pelas vivências culturais e pela questão LGBTQIA+ nas periferias. “A partir das fotografias, percebi que aquilo ia além do registro. É uma ferramenta de construção de novas narrativas, memórias e resistências. É revolucionário um jovem da quebrada ter uma câmera em mãos e registrar o lugar onde vive”, avalia.

Moradora da Estrutural, Késsya Souza ambiciona o belo, em detrimento do estigma negativo que a cidade carrega. Ela sabe que ali existe a miséria e a violência, mas desempenha o trabalho de mostrar que a sua quebrada não é só isso. “A fotografia é muito voltada para a estética perfeita, o que distancia as periferias da arte. Quando a fotografia chega a esses lugares, podemos mudar isso e mostrar beleza. Cadê as coisas positivas que ninguém quer ver?”, questiona.

Késsya gosta de fotografia desde sempre. A primeira referência foi o tio fotógrafo, que sempre fez questão de registrar os encontros de família, que ocorriam anualmente no interior do Tocantins. Depois de se formar em serviço social, ela decidiu se dedicar completamente ao ofício, função que utiliza para registrar Santa Luzia, bairro da Estrutural que se tornou um aglomerado de loteamentos irregulares na cidade.

Sensibilidade

A paixão de Ester Cruz pela fotografia começou aos 15 anos, em uma oficina do projeto Jovem de expressão, em Ceilândia. Mais tarde, foi percebendo sua afinidade em fotografar as pessoas que a cercam, trazendo sensibilidade para cenários carregados de estereótipos. “Quando trato uma foto no Photoshop, faço questão de não alterar as cores das peles e as cicatrizes que as pessoas têm no corpo”, ressalta Ester, que é tecnóloga em fotografia pelo Centro Universitário Iesb.

Foi com um professor do ensino médio, que era fotógrafo, que Ester descobriu novas formas de enxergar Ceilândia. O primeiro projeto profissional, e que tem bastante carinho em lembrar, foi o Deus é negra, que buscava ressignificar a imagem física que temos de Deus e exaltar a imagem da mulher negra.

Ester, Webert e Késsya têm trabalhos expostos no festival Foto de quebrada (fotodequebrada.com.br), que estão submetidos à votação popular. Os autores das três fotos mais votadas receberão prêmios em dinheiro. Além da exposição, a iniciativa também oferece debates e oficinas sobre a fotografia nas periferias, com participação de grandes nomes da arte atualmente.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

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