O auto da boa mentira, novo filme de José Eduardo Belmonte (Carcereiros: o filme, Entre idas e vindas), estreia na quinta-feira (29/4) e traz um roteiro inspirado em falas de Ariano Suassuna. Em coletiva realizada nesta segunda-feira (26/4), o diretor, além da produtora Luciana Pires da Cine Group e dos atores Leandro Hassum, Renato Góes, Jackson Antunes e Luís Miranda falaram sobre os processos para a produção e exibição do longa.
Com roteiro adaptado por João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto, o enredo irreverente e saudoso baseia-se em trazer trechos de aulas-espetáculo de Suassuna para a tela. Nelas, ele fala, por exemplo, sobre ‘o bom mentiroso’: “eu não gosto do mentiroso que mente para prejudicar os outros, gosto do mentiroso que mente por amor à arte". Essa passagem introduz o primeiro dos quatro contos (Fama, Vidente, Furão e Disney) que o filme apresenta, criados a partir de dizeres que o escritor paraibano tornou universais na cultura popular brasileira.
Enredos
A primeira história mostra o subgerente de RH Helder (Leandro Hassum), considerado um ‘zé ninguém’, que é confundido com um comediante de sucesso e passa a gostar do mal-entendido. Um encontro inesperado com a misteriosa Caetana (Nanda Costa) vai fazê-lo mudar de opinião quanto a levar adiante a mentira. Algumas cenas fazem referência à carreira de Hassum. Na coletiva, ele mencionou que aprendeu muito ao ouvir os gênios do humor em bastidores e em entrevistas, e que o que o encantava, especialmente, era a forma com que contavam histórias.
“Os grandes contadores de história, assim como o Chico Anísio, e aqui a gente está falando do Ariano Suassuna, grande mestre, têm um poder de minúcias na hora de descrever seus personagens e tipos que realmente é incrível. A graça e o humor estão nesses. E foi uma sacada muito interessante do Belmonte, do João Falcão, de pegar uma coisa que eu vivi, inserindo, inclusive, cenas dos meus shows antigos, quando eu ainda estava em um tamanho extra large, e que depois (que emagreceu) algumas pessoas começaram a me confundir”, conta Leandro Hassum. Ele também reforça a relevância das obras e aulas de Suassuna: “ele é essencial para nossa saúde mental e para o nosso dia a dia, com conselhos sempre atuais”, enfatiza o humorista.
Em seguida, intermediado pelo segundo registro em vídeo de Suassuna, o filme apresenta Fabiano (Renato Góes), um jovem que não acredita em nada. Apesar do ceticismo que carrega desde a infância, ele fica intrigado quando ouve um mistério circense envolvendo a mãe (Cássia Kis) e o pai, supostamente morto há anos. Ele conta com a ajuda do palhaço Romeu (Jackson Antunes) para não ser ‘feito de palhaço’.
“O filme traz também o lado telúrico da vida. O seu Ariano - com quem tive um pouco de convivência - era a própria poesia e a própria ternura. Ele é muito oportuno, especialmente neste momento e na nossa forma de ver o outro através da mentira”, explica Jackson Antunes. O ator, que interpretou Jesus na peça A farsa da boa preguiça, completa revelando a importância do convite, feito por Belmonte, para viver o personagem do circo na produção: “O circo é muito importante na minha vida. A simplicidade do circo e do povo do circo. O palhaço Romeu me deu um respiro de vida. Eu tinha acabado de sair de cirurgias difíceis e os médicos me davam 5% para sobreviver. E hoje estou aqui”.
Já o colega de cena, Renato Góes, iniciou falando que a vontade de ser ator foi muito instigada por filmes como o Auto da compadecida (2000), de Guel Arraes, baseado nas peças de Suassuna. “Eu estou muito feliz de participar deste projeto. A construção do meu personagem foi muito isso que o Jackson falou, na gentileza. O Fabiano precisava desse coração puro, porque muita coisa se passava dentro da cabeça dele. E isso só foi possível por causa dos amigos de cena, que levantam a bola. Foi uma realização de sonho trabalhar com o Jackson, e voltar a trabalhar com Cássia Kis, que muito admiro”, contou o ator pernambucano.
O terceiro conto se passa nas areias do Rio de Janeiro e bares do Vidigal, onde Pierce interpretado pelo ator internacional Chris Mason, de Pretty little liars, é um gringo metido a carioca. Ele inventa que foi assaltado depois de faltar ao aniversário de Zeca (Sérjão Loroza), mas não imagina que a mentira pode chegar ao chefe do tráfico (Jesuíta Barbosa).
Por fim, a última parte brinca com uma frase de Suassuna sobre o preconceito sofrido por quem nunca foi à Disney. Nela, a estagiária Lorena (Cacá Ottoni) se sente invisível na empresa de publicidade chefiada por Norberto (Luis Miranda), e sonha com o ‘pseudointelectual’ Felipe (Johnny Massaro). “Tenho para mim uma ideia da mentira: ela só é importante quando vai ajudar. Porque depois, desfazer é tão complicado que é melhor a gente se lenhar na verdade”, brincou Luis Miranda. O ator também citou Cazuza com “mentiras sinceras me interessam” e completou, reforçando a representatividade de seu papel - apesar de ser galgado no tema da mentira - para a desconstrução do cinema brasileiro.
“Eu reitero a genialidade do Belmonte em juntar as boas pessoas para fazer as histórias. [...] Vimos ontem a festa do Oscar, onde mais uma vez tem se mostrado a tentativa de buscar uma igualdade no protagonismo. Eu, como um ator negro, vivo todas essas questões ligadas à violência e ao preconceito. E o Belmonte me convidou para fazer um chefe publicitário, dentro de uma agência com muitos negros. Isso é a nossa tentativa de fazer o nosso cinema sair daquele lugar, e começando a mostrar que temos uma diversidade não só de atores, mas de comportamentos profissionais".
O elenco conta também com outros nomes de peso como Rocco Pitanga, Giselle Batista, Michelle Batista (O negócio), Bruno Bebianno (Minha mãe é uma peça), Leo Bahia (Chacrinha: o velho guerreiro), Letícia Novaes/Letrux (Qualquer gato vira-lata 2), Letícia Isnard (Carlinhos e Carlão), Karina Ramil (Porta dos fundos), entre outros. Guel Arraes assina a produção associada e Fátima Pereira, Luciana Pires, Mônica Monteiro e Rômulo Marinho, a produção executiva. O auto da boa mentira tem distribuição da Imagem Filmes e é uma parceria entre a Globo Filmes e a produtora Cine Group.
A frase de encerramento do filme é da tia avó de Suassuna - proferida por ele - que, ao contrário da evidente paixão pelo Brasil do sobrinho neto, maldizia Pedro Álvares Cabral pela descoberta do país: “aquele amaldiçoado, se não fosse por ele eu teria nascido na Europa”, dizia a senhora. Confira o trailer:
*Estagiária sob supervisão de Nahima Maciel