Oscar

Um olhar sobre a renovação do Oscar: temas afiados e globalização

Com um apanhado mais diversificado, Oscar tenta manter a relevância, em mais de 90 anos de festejos

Com a 93ª edição, hoje (em transmissão pela TNT, às 20h), o Oscar se afirma antenado com seu tempo. A começar pelos temas abordados nos oito concorrentes selecionados entre 366 filmes. Mais globalizado do que nunca (David Fincher foi o único autêntico americano lembrado), o Oscar tem nos 10 mil votantes o indicativo de novas diretrizes para um espetáculo que, em 2021, terá à disposição dois palcos: Dolby Theatre e Los Angeles Union Station.

Há renovação na dupla indicação das diretoras Chloé Zhao e Emerald Fennell, pela ordem, autoras dos favoritos roteiros de Nomadland (na categoria adaptado) e Bela vingança. Cotadíssimo nas apostas dos vencedores, Nomadland, liderado pela atriz Frances McDormand, trata de despojamento material, do valor da espiritualidade, do caráter transitório da vida, de solidão e de empatia; todos elementos de relevância no mundo pandêmico.

Já Bela vingança reconta a apodrecida lorota que impera no machismo, em que as mulheres “se fazem vulneráveis”. Uma dita sociopata (vivida pela estupenda Carey Mulligan) dissolve bases de feminicídios em que a dignidade de moças é contestada por criminosos. Por sete anos, na trama, ela vê o fracasso do mundo cor-de-rosa, enquanto, a favor das mulheres “oprimidas pela maquiagem”, urde um plano de vingança em que dezenas de celulares serão praticamente testemunhas de um engenhoso crime.

Uma série de traumas norte-americanos vêm à tona com dois outros títulos concorrentes, no ano em que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas criticou a politicagem, por meio da candidatura de Borat: Fita de cinema seguinte (com destaque para Maria Bakalova, coadjuvante indicada): Judas e o Messias negro e Os 7 de Chicago. Em comum aos dois, pesa a memória do movimento Black Lives Matter e ainda de Fred Hampton, liderança do Partido dos Panteras Negras, morto em 1969, aos 21 anos. Num paralelo com Judas, o infiltrado do FBI William O´Neal (papel de Lakeith Stanfield, na disputa) municia a execução de Hampton (Daniel Kaluuya, o virtual vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante), incansável no brado: “Eu sou um revolucionário!”.

Justiça

À época, no mais arrastado julgamento civil americano, que durou 12 anos, a morte de Hampton semeou campo para futuros combatentes das desigualdades raciais. Quase um jogral sediado em um tribunal, o roteiro de Aaron Sorkin para o longa-metragem Os 7 de Chicago está candidato a melhor na categoria original. Com elevado teor de atualidade, ainda que na tela pequena o filme de estúdio da Paramount se assemelhe a telefilme com incessantes manobras jurídicas, o filme trata do julgamento encenado (e fraudado) e traz o ator Sacha Baron Cohen, o Borat, indicado para melhor ator coadjuvante.

Na categoria de melhor ator, não há como ignorar a aparente consagração póstuma de Chadwick Boseman, por A voz suprema do blues, ou a diversidade étnica de Steven Yeun, o primeiro sul-coreano indicado, que brilha em Minari — Em busca da felicidade. Resiliente, o pai de família que ele interpreta, no drama sobre imigrantes asiáticos, aquece o coração fraco do filho David e planta recomeços para uma família tolhida de identidade. Indicado em seis categorias, o longa traz ampla chance de premiação para Yuh-Jung Youn, no papel da animada avó Soonja. Lee Isaac Chung (de Minari), ao lado de Thomas Vinterberg (de Druk — Mais uma rodada) se afirmam como estrangeiros na disputa pela melhor direção.

Concorrentes

Finalmente, na trinca de outros filmes finalistas, os princípios do cinema se confirmam vitais e maleáveis, no tempo em que o streaming parece engolir e reprocessar componentes da sétima arte: pela ordem, Meu pai, Mank e O som do silêncio revalidam montagem, fotografia em preto e branco, som e mixagem dele. Com 10 indicações, Mank alinha figurões da Hollywood clássica, entre os quais Louis B. Mayer e Orson Welles, para contar dos bastidores de Cidadão Kane, num filme em que a fotografia parece maior do que a tela, ao abordar os dramas do alcoólatra roteirista Herman J. Mankiewicz.

Numa montagem embaralhada (de propósito), alinhada à realidade de um senil protagonista, repleto de subterfúgios para assimilar a própria solidão, Meu pai é abrilhantado por Anthony Hopkins, capaz de tirar o Oscar de Chadwick Boseman. Numa jornada de quietude, aceitação e aprendizado, vista em O som do silêncio, o instrumentista de heavy-metal Ruben (Riz Ahmed, indicado a ator) embarca numa narrativa detida na sonoridade (e ausência dela) e contorna problema aparentemente insolúvel: a surreal limitação de se tornar surdo.