"Grande homem de movimento", expressão contida em verso de Meia lua inteira, um dos maiores sucessos de Carlinhos Brown não é, obviamente, autorreferência feita por ele. Mas bem que poderia ser, quando se observa as múltiplas atividades artísticas, às quais ele se dedica com brilhantismo. Cantor, compositor, instrumentista, arranjador, produtor e agitador cultural são facetas do talento desse influente nome da música popular brasileira, reverenciado internacionalmente.
Mas, Antônio Carlos Santos de Freitas, baiano do Candeal, bairro localizado na região central de Salvador, se dedica também à arte visual, e tem atuação destacada no desenvolvimento de projetos nas áreas de urbanização, saneamento e educação voltados para sua comunidade. É lá também onde instalou equipamentos voltados para o seu ofício: a Pracatum Escola de Música, o estúdio Ilha dos Sapos e o espaço de shows Candyall Guetho Square. Por sua atuação nesta área, recebeu o certificado de melhores práticas do Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas.
Visando potencializar sua extensa carreira musical, de mais de 40 anos, Carlinhos Brown celebra a assinatura de contrato para compartilhamento da administração das obras musicais do Candyal Music com a Warner Chappell Brasil; e de um outro com a ADA Music Group, para distribuição digital de todo o catálogo do selo. “Estas novas parcerias chegam para estreitar a relação com o mercado internacional e firmar possibilidades de negócios internacionais”, destaca Flávio Dutra, gestor do catálogo do selo, que inclui 20 álbuns, EPs e singles do artista, além de discos das últimas formações do Timbalada (um dos grupos criados por ele), fonogramas infantis Paxuá e Paramim e de projetos como o Candyall Beat, com o DJ Dero.
Detentor do título de embaixador da cultura Ibero-Americana, Brown é um dos artistas brasileiros mais populares no exterior, especialmente em países da Europa como Espanha(onde é chamado de Carlito Marrón), Alemanha, França e Itália. Na década passada, ao levar o carnaval baiano para ruas de cidades espanholas como Madrid, Barcelona, Bilbao, Sevilha e Valência, ele reuniu multidões calculadas em milhões de pessoas
Oscar
Com Sérgio Mendes, Brown compôs Real in Rio, canção da trilha sonora de Rio, filme de animação infantil, dirigido por Carlos Saldanha, lançado pela Fox, que, em 2012, concorreu ao Oscar na categoria de melhor canção original. Seis anos depois, foi convidado para integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pela escolha dos vencedores do Oscar. Com a colombiana Shakira, criou a canção Lá,la, la para a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil.
Técnico do programa The Voice Brasil, Brown volta à televisão em breve com performances exuberantes, que inclui o bordão ajayô — saudação a Oxalá, um dos orixás mais respeitados do candomblé — tida como um grito de alegria e positividade. Com 14 discos solo lançados, Brown tem músicas gravadas por nomes estelares da MPB.
O projeto musical de maior sucesso que tem Carlinhos Brown como um dos protagonistas é o Tribalista, ao lado de Marisa Monte e Arnaldo Antunes. O coletivo foi criado em 2002, quando lançou o primeiro álbum, que emplacou sucessos como Velha infância, Já sei namorar e Carnavália. Há quatro anos, os três voltaram a se reunir e chegaram ao mercado com o segundo disco.
Uma outra faceta do talento de Brown pode ser apreciada na via Elevado Presidente João Goulart, popularmente chamado de Minhocão, em São Paulo, onde participa da mostra A Natureza tem nos aturado, iniciativa da produtora cultural Axé no Corre, comandada pelos ativistas Kléber Pagú e Fernando Bueno. É dele e de Rogério Pedro um dos seis painéis gigantes, com assinaturas também de Jean Willys, M.I.A, Vismont, Márcia Tiburi, Linoca Souza, Catarina Gushiken e Laerte.
“Este novo serpentear do Minhocão é um movimento de extrema importância, que une artistas brasileiros. O dia a dia da cidade, nossas correrias pessoais passam a ser acompanhadas de poesias vindas das artes visuais. Estou ao lado de Rogério Pedro, Kléber Pagu, Laerte e outros grandes artistas, herdeiros de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, mestres que participaram da Semana de 22”, comenta Brown. “Somos essa identidade presente em busca de outros quês. A arte termina oferecendo para nós essa oportunidade de verdadeiramente utilizar a cidade como útero, ao acordar para renascer. O artista tem essa função de experimentar e por isso precisamos ser atuantes”, complementa.
» Três perguntas / Carlinhos Brown
Como avalia sua contribuição para a arte e a cultura brasileiras a partir da Pracatum Escola de Música, Museu du Ritmo, Candyall Gheto Square, estúdio Ilha dos Sapos e obviamente sua obra musical?
Tudo em cultura que foi construído por mim, obviamente, vem da força potencial da cultura brasileira, dos grandes mestres que me deram base e inspiração. E a todo momento um passa o bastão para o outro, para que dê continuidade a essas belezas de abrangência mundial, que evoca memórias, constrói novas pontes, educa e nos transforma. A Pracatum, era mais que uma obrigação minha, já que, como mestre educador de percussão e música em geral, fui preparado para isso. O Museu Du Ritmo é um ato de resiliência, sendo ali o antigo Mercado do Ouro, onde aconteciam negociações escravagistas, e nós o transformamos e essa transformação é constante. O Candyall Guetho Square foi uma forma de afirmar os desejos da comunidade do Candeal, e mais ainda: acolher e ampliar a voz daqueles que se interessam pelo aprendizado da cultura.
E o estúdio Ilha dos Sapos?
Tem também esse viés, de ofertar essa possibilidade do bom registro musical, ter bons instrumentos, bons profissionais técnicos atuantes, sendo um ambiente também de acolhimento, um lugar para sócio-musicalmente atender aos grandes músicos. E tudo isso fez com que minha obra musical ganhasse dimensões fora fronteiras. E eu fico muito feliz com todas essas realizações e oportunidades, mas é importante sempre pontuar que nada é um mérito e também não fiz nada sozinho, então sou sempre agradecido e cada um que colaborou e colabora para a construção e existência de tudo isso.
Que importância atribui à parceria com Arnaldo Antunes e Marisa Monte no coletivo Tribalistas?
Eu não canso de dizer o quanto Marisa e Arnaldo são brilhantes em minha vida. Primeiro de tudo, identificando talentos que estavam em mim e guardados, pelo fato sobretudo de ser percussionista. E eles extraem de mim as melhores melodias, as melhores sacadas de letras e transformam em poesias e coisas das mais bonitas. É lindo estar ao lado deles, porque somos uma irmandade. Nós já passamos dos 50, mas sempre, ao lado deles, é como se o parquinho renascesse, sabe? Como se entrássemos em uma porta mágica onde há um escorrega mágico que nos transforma em crianças novamente. É por isso que em nosso discurso existe Velha infância. Amo demais meus amigos.