Literatura

Ex-agente do FBI desvenda a linguagem corporal em livro traduzido para o Brasil

Joe Navarro lança versão em português de best-seller O que todo corpo fala sobre comunicação não verbal. Ao Correio, o escritor fala da importância da linguagem corporal

» Adriana Izel
postado em 16/04/2021 06:00
Muito antes de trabalhar no FBI, Joe Navarro já analisava o comportamento corporal -  (crédito: Morten Tonsberg/Divulgação)
Muito antes de trabalhar no FBI, Joe Navarro já analisava o comportamento corporal - (crédito: Morten Tonsberg/Divulgação)

“É a linguagem corporal que realmente mostra o amor, o cuidado, que demonstra que estamos respeitando, seguindo regras. Há tantas coisas que a comunicação não verbal faz por nós. Por exemplo, se alguém morre, buscamos o abraço. Essa expressão pelo corpo nos torna mais empáticos”. É dessa forma passional que Joe Navarro, ex-agente do FBI e um dos maiores especialistas em comportamento não verbal do mundo, define o conceito estudado por ele e compartilhado no livro O que todo corpo fala, que chegou este ano ao Brasil pela editora Sextante, após vender mais de um milhão de cópias no exterior.

Navarro esperava há alguns anos o lançamento da obra em português. “Estou muito feliz que finalmente estará disponível no Brasil. Tenho vários seguidores brasileiros, sempre recebi essa pergunta (de quando o livro seria traduzido). É empolgante”, afirma. Mas a relação do autor com o país vai além das redes sociais. O escritor morou aqui por um período, enquanto trabalhou na embaixada norte-americana em Brasília. Além da capital federal, teve passagem por estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Amazonas e Rio Grande do Sul.

A vivência no Brasil foi essencial para validar conceitos de linguagem não verbal. “Um dos melhores jeitos de aprender linguagem corporal é validar pelos lugares a que você vai. Quando você chega ao Brasil, onde há tanta riqueza e texturas culturais, você experimenta de tudo. Minhas viagens pelo Brasil me ajudaram a validar os comportamentos que vi em outros lugares do mundo. Quando vejo uma criança na Amazônia fazendo o mesmo gesto que Angela Merkel fez na Alemanha, percebo que os comportamentos estão no nosso DNA, no nosso cérebro”, comenta.

Para Navarro, a única coisa que muda é como a cultura influencia nos comportamentos. No caso dos brasileiros, ele diz que há mais ênfase nos gestos por causa da emoção e da paixão características do povo. “A cultura permite que as pessoas se expressem com mais ou menos ênfase. O Brasil foi meu laboratório, agradeço a vocês”, completa.

Importância

A linguagem corporal ganhou os holofotes no Brasil este ano após a fala da então participante Sarah Andrade no BBB21, ao dizer que estudou o conceito antes de entrar na casa e acabou usando para analisar os colegas de confinamento. “Não me surpreendi. Se eu fosse a um reality show como esse, com certeza também estudaria. Dá uma vantagem a você. Muitas pessoas não vão dizer o que estão sentindo, mas o corpo transmite. É uma dica para nos dizer se algo está bem ou não”, afirma.

Mas o conceito não precisa ficar preso a um programa de televisão, ele pode ser usado no dia a dia, afinal ele é intrínseco ao ser humano. O especialista explica que o ser humano foi perdendo essa conexão corporal, porque a sociedade coloca esforços na escrita e nas palavras. “Muitas pessoas pensam que a linguagem corporal não é algo importante. Um bebê nasce sem falar, quando estamos num relacionamento ele é baseado no comportamento não verbal”, diz.

Navarro também aponta a funcionalidade no cenário profissional. Ele cita a importância para juízes, médicos, jornalista e pessoas do mundo dos negócios. “Dou aulas para empresários e digo que um líder perfeito é uma combinação de força, confiança e empatia. Essa é uma junção que só é capaz com comunicação não verbal. Demonstrar confiança não é pressionar as pessoas, é projetar esse sentimento. Para isso, a linguagem corporal é usada”, acrescenta.

Formação

A comunicação não verbal faz parte da vida de Joe Navarro desde a infância. Nascido em Cuba, ele diz que, aos 8 anos, quando ouviu falar da revolução cubana, ele passou a observar a mudança de comportamento das pessoas. Quando se mudou com a família para os Estados Unidos, sem saber falar inglês, passou novamente a olhar a expressão das pessoas. “Tive que me adaptar sozinho. Eu tinha que contar com o corpo para saber se uma pessoa era amigável, se algo era ok. Isso me deixou muito sensível e me treinou para me tornar uma pessoa observadora de nuances”, lembra.

Essa característica foi um diferencial para quando se tornou agente do FBI, outro grande laboratório do conceito. “As pessoas pensam que o FBI é como nos filmes. Uma agente é um observador. Eu era capaz de absorver coisas que outras pessoas deixavam escapar. Foi isso que me levou para o programa de comportamentos da parte de inteligência do FBI e contribuiu demais para o meu sucesso”, conta.

Em O que todo corpo fala, Joe Navarro compila comportamentos anotados desde os 16 anos. Ele buscou os gestos mais determinantes para ensinar os leitores a decodificar o corpo e analisar as pessoas. A movimentação das sobrancelhas é apontada pelo especialista como uma grande resposta, tanto de empolgação num cumprimento, como para demonstrar que uma pessoa não entendeu algo. Os lábios também passam mensagens, como quando uma pessoa não gosta do que ouviu e faz o chamado “lábio dramático”. Assim como a dilatação do nariz pode determinar uma mentira. “O que diferencia esse livro é porque não há uma promessa, ele te dá uma perspectiva sobre como você pode detectar e ter uma percepção dos sentimentos”, garante.

Sobre a linguagem não verbal e o mundo pandêmico, Navarro diz ter sido capaz de perceber uma maior dificuldade de comunicação exatamente pela perda da corporal: “Pela primeira vez, as pessoas estão percebendo que quando estão na mesma sala (de bate-papo) podem ver gestos. Elas sentem falta da linguagem corporal”. Mas nem por isso, o conceito se perde no âmbito virtual. “Temos que nos expressar mais devagar, mover a mão mais devagar. Tem uma movimentação na cabeça para a pessoa perceber que você entendeu. A cabeça virada para o lado, que dá uma sensação de conforto para a pessoa do outro lado”, completa.

Linguagem corporal em livro

Apesar de não ter dito dentro da casa do BBB21 o nome do livro lido, a mãe da participante informou ao Correio se tratar de Desvendando os segredos da linguagem corporal, escrito por Allan & Barbara Pease. Na publicação, o casal se utiliza da máxima de que um “gesto vale mais do que mil palavras”. Em formato de guia, a obra usa o humor e a base científica para explicar os significados por trás dos gestos do dia a dia. Editora Sextante, 271 páginas. Preço médio a partir de R$ 20.

O que todo corpo fala
De Joe Navarro e Marvin Karlins. Tradução: Edson Furmankiewicz. Editora Sextante, 240 páginas. Preço médio: R$ 39,90 e
R$ 24,99 (e-book)

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Metáforas gestuais

 (crédito: Facebook/Reprodução)
crédito: Facebook/Reprodução

O criador do Metaforando, maior canal de linguagem corporal do mundo, no YouTube, é o brasileiro Vitor Santos. O paulista tem a formação como ator, especialista em linguagem corporal, e perito técnico das expressões faciais, com certificações nacionais e internacionais. No canal, que hoje conta com 4,8 milhões de inscritos, ele realiza análises do comportamento não verbal de pessoas ligadas à cultura pop, assim como de casos que ganham destaque nas mídias.

O Metaforando conquistou visibilidade nacional em 2018. No entanto, desde 2009, quando tinha apenas 15 anos de idade, o youtuber (apelidado de Scanner Humano) vinha realizando os estudos baseados em protocolos das ciências comportamentais. Com o trabalho, ele também destaca as vantagens do conhecimento da linguagem não verbal para as relações do cotidiano (desvendar emoções ou incoerências; identificar personalidades perigosas; criar rapport), e chegou a desenvolver o curso de detecção de microexpressões faciais. Entre os teóricos que cita com frequência, estão, principalmente, Paul Ekman, criador do sistema Facs (Facial Action Coding System), de microexpressões faciais; e Joe Navarro.

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

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