“BaianaSystem não é uma banda, é uma troca entre vários artistas”. Assim define o vocalista Russo Passapusso quando fala do álbum OXEAXEEXU, obra que junta artistas nacionais e internacionais num itinerário que passa pela África oriental e cruza as infinitas fronteiras etnolinguísticas da América Latina.
Dividido em três atos, já disponíveis nas plataformas digitais, o álbum é fruto de histórias e encontros, alguns deles casuais, que resultam na exuberância sonora sem abdicar do tradicional cunho político das produções do grupo baiano, que arrasta multidões em festivais e shows por todo o país.
A partir de 15 de abril, os três atos Navio pirata, Recital instrumental e América do sol, lançados entre fevereiro e março, vão se unir em um álbum só que, por coincidência ou não, somam 21 faixas fincadas na caótica realidade de 2021. “Nosso álbum anterior, O futuro não demora, é mais esperançoso, atemporal. Já o OXEAXEEXU é do nosso tempo, um choque de realidade”, pontua Passapusso.
O futuro não demora foi planejado, enquanto OXEAXEEXU, segundo Russo, foi feito de maneira espontânea, orgânica, sem pré definição do que seria início, meio e fim, o que não os impediu de fazer um álbum coeso e transbordante. “A forma com a qual foi feito o disco tem muito a ver com o momento que passamos agora. Não sabemos o que vem aí pela frente, nessa crise, e assim foi o nosso processo criativo: imprevisível”, comenta.
O confinamento repentino, ocasionado pela pandemia da covid-19, forçou o Baianasystem a fazer música de maneira diferente da usual. A energia dos palcos e o calor do público costumavam ditar o que seria gravado no estúdio posteriormente. Com a impossibilidade de aglomerações e a suspensão de shows, os baianos tiveram que fazer o caminho inverso, partindo de experiências introspectivas chegando ao público por meio virtual.
Tanzabahia
Ainda no embalo das memórias do carnaval de 2020, o Navio pirata segue navegando numa trajetória simbólica que reconecta África e América, traçando paralelos entre o carnaval de rua da Bahia e o movimento Singeli music, da Tanzânia. A conexão Tanzabahia foi quase por acaso. “Passei muito tempo pesquisando músicas africanas, buscava por algo que não passasse por filtros eurocentristas ou americanizados. Queria um contato direto. Até que num momento deixei meu computador no reprodutor automático, enquanto fazia outras coisas do meu dia a dia. De repente, me deparei com esse pessoal da Tanzânia, do movimento Singeli Music”, relata Russo.
Os artistas que ele encontrou não tinham músicas disponíveis em plataformas digitais e contavam com poucos seguidores nas redes sociais, que foi por onde ele entrou em contato com Makaveli, autor da letra de Nauliza, que significa “para onde vamos”, na língua local da Tanzânia. “Fiquei muito impressionado com a coincidência, porque ‘para onde vamos’ é algo que costumo gritar do alto do trio elétrico, navegando sobre aquele mar de gente do carnaval de Salvador”, conta Russo.
Além da contribuição vinda do outro lado do Atlântico, o Navio pirata também conta com a participação da cantora Céu, na faixa O que não me destrói, me fortalece, um nayambing que reforça a ideia da reza e da força coletiva do canto. A faixa instrumental Raminho segue na mesma linha da espiritualidade, com a reza de dona Ritinha, rezadeira do sertão da Paraíba, em trecho extraído do documentário Ramo.
Encerrando o primeiro ato, a música Chapéu Panamá já sinaliza os rumos que a viagem rítmica vai tomar, com beat fincado na percussão afrolatina e referência de dancehall, antecipando o que está por vir nos atos seguintes.
Navegar é preciso
Marcando o meio da viagem da rota afrolatina do OXEAXEEXU, Recital instrumental é um mergulho sensorial na música, priorizando o instrumental como parte fundamental e necessária da música do BaianaSystem. No lugar da palavra cantada, são os instrumentos os responsáveis por escrever o diário de bordo. Cordas, metais, madeiras, percussão, synths e beats que indicam onde o navio vai aportar: o novo mundo.
“Recital é um momento de introspecção. É uma imersão no que está acontecendo agora, bem como na musicalidade e no cancioneiro brasileiros. Nesse mergulho, você também vai encontrar dor”, revela Passapusso.
América do Sol
Depois de atravessar o oceano Atlântico, o Navio pirata finalmente atraca no lado de cá, onde destino e origem são conceitos que se confundem. O capítulo final do OXEAXEEXU, o América do sol, evoca as múltiplas identidades e o sentimento de pertencimento à América Latina.
A faixa Corneteiro Luís abre o terceiro ato, uma guajira, gênero musical cubano, que fala da participação de Luís Lopes na batalha do Pirajá, fundamental para entender a independência da Bahia dos colonizadores. Em Dança de Airumãs, é possível ouvir o canto dos índios suruís de Rondônia no ijexá que desbota as linhas fronteiriças culturais enquanto o álbum marcha rumo ao interior do continente.
Em Pachamama, a reza instrumental traz a participação da chilena Claudia Manzo, que toca o cuatro, instrumento tradicional das regiões da Colômbia e Venezuela. Em Capucha, Manzo usa a voz para cantar a resistência da mulher latino americana.
Outras participações de peso estão presentes no América do sol, como do MC Rapadura, cearense que traz a poesia nordestina do repente ao rap, e do mestre Bule-Bule, músico e poeta considerado um mantenedor das tradições sertanejas da Bahia, que dá uma aula sobre o sertão e seus personagens na faixa Vixe, ao som da guitarra baiana e bandolim.
“América do sol é um banho de sol. Identidades, línguas e guerras são transmitidas por canções solares, dentro dum processo antropofágico natural da música baiana”, explica Russo Passapusso, que completa: “Todo o OXEAXEEXU traz reflexões sobre coletividade e o que podemos fazer para sair da situação que vivemos hoje. Sem a pandemia, esse álbum não existiria”.
*Estagiário sob supervisão de Nahima Maciel
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