NFT

Conheça a tecnologia que promete mudar a venda de obras de arte digitais

Sigla para Non-Fungible Tokens (tokens não fungíveis, em tradução literal), a nova tecnologia consiste em um selo numérico associado a uma obra digital. Ele é único, não replicável e funciona como uma assinatura para aquele trabalho de arte

A venda da obra digital Everydays: The First 5000 Days, do artista Beeple, pela conceituada casa de leilões Christie’s por R$ 69 milhões, na semana passada, não chamaria tanta atenção no mundo não fosse a forma de comercialização do trabalho. Beeple, nome artístico do designer gráfico Mike Winkelmann, vendeu, na verdade, o NFT da obra. Ou seja, um certificado de autenticação baseado na tecnologia do Blockchain, a mesma utilizada para o desenvolvimento das criptomoedas.

Sigla para Non-Fungible Tokens (tokens não fungíveis, em tradução literal), a nova tecnologia consiste em um selo numérico associado a uma obra digital. Ele é único, não replicável e funciona como uma assinatura para aquele trabalho de arte. Para os artistas, o novo formato de comercialização significa uma porta aberta para novas possibilidades. “Esse modelo tem muito potencial para mudar e já está mudando. Na verdade, é uma melhora na questão da acessibilidade. Coloca-se arte para ser vendida, todo mundo tem mais acesso”, comenta Uno de Oliveira, artista conhecido no meio da criptoarte e que recentemente vendeu o NFT Coelhek, uma animação associada a uma música que foi arrematada em leilão on-line no site Foundation.

A parte musical da obra foi feita por André Abujamra. “Artisticamente, o NFT é uma quebra de paradigmas de tudo que a gente conhece”, pontua Abujamra, um dos primeiros músicos brasileiros a ganhar dinheiro com NFTs. Ele também toca no ponto da acessibilidade proporcionada pelo novo formato de venda da arte. “Você não precisa usar uns óculos amarelo e fazer um lançamento em uma galeria do Soho, em Nova York. O Soho de Nova York está aqui, agora, na sua frente no computador”, descreve.

Mercado

As alterações no mercado ocorrem não só nas grandes casas de leilão. Além de colocar a arte digital em um outro patamar em questões de valores e interesse de colecionadores, a nova ferramenta dá mais controle ao artista sobre a comercialização da obra. “O NFT dá um ritmo interessante para o mercado e expõe os artistas”, analisa Uno de Oliveira. “Ele dá o direito de a gente colocar o que a gente quiser no ar; se for da minha vontade, posso colocar lá uma arte por dia. Eu mesmo estou tentando manter uma frequência de duas artes por semana”, acrescenta. É basicamente um certificado digital que define originalidade e exclusividade a bens digitais.

O valor da obra de arte passa, então, a ser associado à autenticação e à unidade daquela peça. “Sempre vem um questionamento: ‘É só um Jpeg ( um formato de arquivo de imagem popular), por que eu vou comprar um Jpeg por R$ 10 mil?’, mas, na verdade, você não está comprando um Jpeg, você está, primeiro, comprando o trabalho de um artista, e, segundo, você está adquirindo um contrato que diz que este arquivo é autêntico, real, feito por determinado artista e com a possibilidade de revenda, então é uma forma de você investir”, conta Uno de Oliveira.

Para o professor Daniel Fernandes, do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB), essa autenticação associada à arte digital não revoluciona a arte, no sentido de criar diferentes formas ou linguagens artísticas. “É, na verdade, uma outra forma de comercializar, principalmente, itens digitais como imagem, vídeo, áudio. Todo esse tipo de arquivo digital já era produzido antes, mas havia uma grande dificuldade de quem produzia esses itens de encontrar um mercado sustentável, porque no meio digital, todas as coisas são infinitamente reprodutíveis a custo zero ou quase zero”, explica. “Nos recursos de venda do NFT, eles encontraram alguma valorização do seu trabalho, uma compensação financeira que antes não encontravam tanto”, complementa.

Tirando a parte tecnológica do processo, Fernandes avalia que há uma grande mistificação em torno do tema, para contribuir nas vendas e no mercado especulativo. “O mundo da arte se alimenta de hype”, comenta. Hype é a promoção extrema de uma pessoa, ideia, produto, que geralmente dura por um pequeno espaço de tempo. “O termo criptoarte já sugere algo de secreto, de mistério com o prefixo "cripto", e o fato de muitas pessoas não entenderem como funciona o lado técnico ajuda nessa mistificação. Quando você compra uma peça de arte de NFT, você está comprando um token que não é fungível, ou seja, que não pode ser substituído, dividido ou fracionado. Ele é único. Você, contudo, não compra o arquivo da imagem digital, você compra uma certificação de posse de um arquivo ao qual o token está vinculado”, detalha. Token é um dispositivo eletrônico gerador de senhas, geralmente sem conexão física com o computador. Essa especulação dentro do mercado de arte não é nova e acontecia com obras físicas. “Toda a questão do NFT é uma forma de tentar inserir escassez no mundo digital, mas a lógica de mercado é a mesma”.

Julia Borges Araña é uma das curadoras e fundadoras da plataforma brasileira Homeostasis Lab, criada há oito anos por ela e pelo curador Guilherme Brandão. A plataforma tem foco no mapeamento, na catalogação e na exibição de arte digital na internet. Julia pontua, no entanto, que, ao mesmo tempo que o NFT abre possibilidade para os artistas digitais comercializarem os trabalhos de maneira segura, é uma tecnologia prejudicial ao meio ambiente, por conta do alto consumo de eletricidade de uma venda na blockchain — um serviço explorador de criptomoeda.

A curadora acredita que a crescente popularidade em torno da arte criptografada tem relação com o momento no qual estamos vivendo. “Finalmente, as instituições e os museus tiveram consciência de que precisam atuar dentro da internet. Isso deu uma guinada e uma virada de chave, porque as instituições passaram a mirar o digital, o que abre milhões de possibilidades e atinge mais pessoas. No momento que as instituições se voltam para o digital, e as obras digitais são feitas para serem transmitidas digitalmente, esse mundo, para o artista, se amplia muito”, avalia. Contudo Julia pondera: “São experiências diferentes, que precisam ser pensadas de maneiras diferentes. O virtual tem atributos que o presencial não tem, e vice-versa”.

Comercialização musical

O mercado da música também sofre alterações quando o NFT entra no cenário. Caso associada à nova tecnologia, uma música pode ter uma outra relação de direitos autorais. É a partir disso que a iniciativa brasileira Phonogram.me funciona. O projeto vende, por meio de NFTs, músicas, ou partes dos direitos de músicas de artistas em leilões virtuais. Assim, eles movimentam o mercado musical e um comprador pode ganhar com o sucesso de músicas. “O artista não vai pagar nada para a plataforma. Nós fizemos exclusivamente para movimentar o mercado musical”, explica Lucas Mayer, que iniciou o projeto em janeiro de 2021 com quatro sócios. “A gente transforma músicas, ou partes delas, em ações e fazemos um mercado com os direitos desses fonogramas”, completa.

Para Mayer, por mais que seja um assunto muito novo, o NFT é uma mudança drástica nas noções de direitos autorais, com vários artistas podendo negociar esferas para além de só a reprodução e sucesso de música, mas movimentando um mercado por direitos ligados à criação das canções. “Quando a coisa for regulamentada na vida real, pode mudar a forma como o direito autoral funciona”, pontua Lucas. “Um baterista, por exemplo, pode valorizar a própria fatia da música movimentando-a em NFTs, por exemplo”, acrescenta.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira