Desafios para a música

Produtores de sucessos consagrados no cenário local e nacional traçam um panorama sobre o mercado nas novas configurações provocadas pela pandemia

Transformado pela pandemia do novo coronavírus, o ano de 2020 apresentou duas dinâmicas principais para a produção e a projeção da música no país. Em uma, os profissionais do setor foram forçados a fazer uma pausa na realização de shows e eventos presenciais, o que gerou grande e repentino impacto no mercado fonográfico. Em outro, testemunharam a aceleração de uma tendência: a digitalização da música, que hoje ocupa diversas plataformas on-line, e dialoga com o grande público como uma experiência multissensorial e interativa.
Diante desta tendência, surgem as perguntas: como será o cenário da música em 2021? O Correio conversou com os produtores Rick Bonadio, Papatinho, Gustavo Vasconcelos e Leandro Brito, que, a partir da experiência local e nacional, compartilharam o que esperar deste ano.

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

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Leandro Brito /Novas plataformas
1Dedicando-se à qualidade musical, à criatividade e às oportunidades oferecidas pela plataforma, o brasiliense Leandro Brito alavancou o perfil no YouTube que leva seu nome ao patamar de maior canal de samba e pagode do país, com cerca de 236 milhões de visualizações. Ele conta o que mudou em relação à pandemia e traça um panorama para este ano. “Nos processos não tivemos muitas mudanças. Na verdade, tivemos que nos adaptar para as novas demandas que surgiram. Como os artistas não puderam mais realizar shows com público e outros eventos presenciais, eles procuraram o canal para produzir conteúdos conosco em estúdio e voltados para a internet. A tendência este ano é que essa demanda continue aumentando, e que tenhamos que ocupar novas plataformas, que vêm se popularizando, com os conteúdos que, inicialmente, entravam só no YouTube”, adianta. Leandro explica que a entrada do samba e do pagode na era digital, conversando também com as novas gerações pelas redes, possibilitou alcance de um público ainda maior. Ele aposta em um grande crescimento do pagode no cenário nacional, que já ocupa boas posições e garante números expressivos com os novos sucessos.

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Gustavo Vasconcelos / Compartilhamento
2O produtor brasiliense Gustavo Vasconcelos concorda. Ele está há 35 anos no mercado musical da cidade, e comanda festivais como o Prêmio Profissionais da Música, além da produtora GRV. Tendo passado por diversas fases da história da música local, ele acrescenta que este é um ano de parcerias e de valorização das composições. “Os três verbos do nosso ano de 2021 na GRV é ouvir, transformar e compartilhar. É um ano de parceria com todos que estão envolvidos com o trabalho musical e essa união gera uma força qualitativa na cidade e no país. É um indicativo de que estamos entendendo cada vez mais o nosso negócio e sabemos valorizá-lo”, diz.Ele também pontua que os artistas devem estar atentos para proteger suas criações, a partir dos direitos autorais. “Como produtor e gestor, realizo um trabalho que prioriza a longevidade, acessibilidade e sustentabilidade das produções no mercado”, completa.

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Rick Bonadio / Público mais atento
3O produtor, compositor, e empresário Rick Bonadio está no mercado há mais de 30 anos, e marcou a história do país por meio das rádios, de realities televisivos de música e do streaming, além de ter colaborado para o legado de nomes como os Mamonas Assassinas e Charlie Brown Jr. Atualmente, ele comanda o Midas Studio e a gravadora Midas Music, em São Paulo. Com a experiência da carreira, e analisando as mudanças enfrentadas no último ano, ele avalia o ano de 2021. “De um modo geral, acho que vai ser um pouco parecido com o segundo semestre de 2020. Ainda não teremos um mercado de shows forte, mas o streaming vai continuar indo muito bem. Os artistas que ficaram receosos de fazerem seus lançamentos, vão entender que não há como esperar e que, felizmente, ainda temos como gravar e gravar música boa”, destaca. Outro lado positivo, segundo ele, é que, por estarem em casa, as pessoas têm prestado mais atenção às músicas. “Acho que isso dá uma melhorada na qualidade das produções. Acredito que vamos continuar tendo uma demanda muito boa por melodias mais trabalhadas, letras mais detalhadas, que tragam a conexão emocional que só a música é capaz de fazer, seja ela alegre ou mais comovente”, explica.

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Papatinho /Estratégias de monetização
4Os produtores concordam que o streaming chegou para reaquecer um mercado que não lucrava com a venda da música desde a queda do CD. As plataformas digitais se consolidam como uma solução que gera oportunidades. Vindo da cena do rap e hip-hop carioca, e ganhando ainda maior notoriedade como membro fundador da ConeCrew Diretoria, Tiago da Cal Alves, ou Papatinho, como é conhecido, se tornou um dos principais nomes da nova geração da produção musical brasileira. Hoje, ele comanda a gravadora Papatunes Records, que está com agenda lotada até o meio do ano. Papatinho escolheu 2021 para lançar o primeiro disco autoral da carreira (Workaholic). Ele destaca que a visibilidade das plataformas digitais fez o cenário mudar. “O Spotify está pagando razoavelmente bem, o Google paga, o YouTube paga, entre outros. Há uma possibilidade de arrecadação, que no meu início era fora da realidade. E isso é legal, porque motiva os artistas dedicados que precisam dar esste passo para continuar vivendo do sonho. É um mercado em que os independentes ganham, podendo produzir e subir sua própria música por meio dos agregadores digitais, assim como as gravadoras, que voltaram a lucrar.”