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BBB 'rouba' lugar das novelas como palco de discussão de questões sociais

Em meio à pandemia, 21ª edição do reality show da Globo se torna um raio x das questões da sociedade, pautando discussões e tendências

Há 20 anos, o Big Brother Brasil ocupa a telinha brasileira. Nunca o programa esteve tão em voga como agora. O isolamento social é um dos fatores mais relevantes para que a atração esteja com audiência alta na tevê aberta, no streaming e nas redes sociais. Também é a pandemia de covid-19 que impulsiona a maior relevância. Afinal, as novelas, que por muitos anos ditaram e espelharam o comportamento da sociedade brasileira, estão paralisadas. O que o público pode assistir, em sua maioria, são reprises, que falam sobre um Brasil diferente.

Desde que começou, o BBB21 trouxe para o debate temas aprofundados, como cultura do cancelamento (consiste no banimento de uma pessoa devido a uma atitude), colorismo (classificação do tom de pele das pessoas negras) e branquitude (termo entendido como um lugar de poder aos brancos na hierarquia racial).

O programa também pautou o consumo cultural. A participante Juliette, a mais popular da edição até agora, conseguiu transformar gostos pessoais em tendência. Ao cantar uma música de Chico César, a faixa Deus me proteja num dia de paredão, ela impulsionou o consumo da música de 2008, que apareceu em primeiro lugar no Spotify e teve um aumento de 2.200% em audições no Deezer. Recentemente, Juliette trouxe para as conversas a importância do cuscuz na mesa do brasileiro depois de uma briga com Fiuk na cozinha da xepa.

Além dos assuntos levantados pelos próprios participantes, o Big Brother também tem sido capaz de influenciar o público por meio de publicidade. As marcas envolvidas na temporada estão tendo um crescimento no consumo. O McDonald’s, por exemplo, conseguiu com que as pesquisas sobre a marca disparassem no Google após patrocinar uma Prova do Líder. A Avon garantiu o sucesso do batom vermelho líquido Power Stay Vermelhaço, o preferido das sisters da casa. Ele foi usado por Juliette, Lumena, Carla Diaz, Sarah Andrade e Viih Tube.

Motivos

Todos esses fenômenos são apontados pela comunicóloga Maytê Carvalho como processos naturais da comunicação de massa, pois o programa é exibido na tevê aberta e tem atingido altos índices de audiência; dados apontam que essa é a maior edição dos últimos oito anos nesse quesito. “Quando a gente estuda a Escola de Frankfurt, vem o fenômeno da agenda setting, que é exatamente pautar a agenda. É como se o programa, ao endereçar temas como cultura do cancelamento, introduzisse essa temática no cotidiano das pessoas, porque é um reality com alcance midiático”, avalia.

Esse maior impacto do BBB21 se deve também ao fato de que, antes esse era um papel das novelas, mas como os folhetins não são inéditos, a função passa para o reality show. “A televisão aberta ficou sem opções inéditas. O BBB vem com esse caráter e efeito de novidade muito grande. Se você parar para pensar na indústria cultural, o que pauta é o batom da atriz da novela, o casamento gay da novela, o tema de traição da novela. Só que a gente não tem mais novela. Quem virou a novela do brasileiro? O Big Brother Brasil”, destaca Maytê.

Para ela, o fato de o programa assumir o lugar das novelas impacta ainda na relação do público com a narrativa. Essa tem sido uma temporada com mocinhos e vilões bem definidos. Afinal, a edição conseguiu bater duas vezes consecutivas o índice de rejeição da história do programa, tendo Nego Di deixando a casa com 98,76%, e depois Karol Conká com 99,17%. “O BBB assumiu no coração do público o lugar da novela. Por isso que a trama fica ainda mais forte em arcos narrativos de vilão, mocinho e personagens planos não tão esféricos. Está ali para entreter, para o público poder torcer contra ou a favor”, afirma a comunicóloga.

Maytê aponta também que o programa dá uma falsa sensação ao espectador de controle, algo perdido na pandemia. “Nesse momento de fragilidade e anomia social em que a população se encontra, ter autonomia e controle sobre o destino de Karol Conká e Lucas dá uma falsa sensação de exercício da democracia”, completa.

Impacto cultural

O mundo da música foi um dos mais influenciados pelo Big Brother Brasil desde a estreia. Numa temporada com predominância de cantores no grupo Camarote — dos 10 selecionados, seis têm carreira musical —, a audição nos streamings dos artistas cresceu. Muitos deles furaram a bolha de nicho e se tornaram populares. Pelo menos, num primeiro momento, já que alguns viram um impacto negativo na carreira devido a atitudes contestadas dentro da casa, como aconteceu com Karol Conká.

Rodolffo, que faz dupla com Israel, subiu nas paradas após o início do programa. De forma bastante estratégica, assim que o artista entrou no BBB21, a gravadora lançou um DVD que havia sido produzido no ano passado, Aqui e agora — volume 1, que tem a canção Batom de cereja. A música foi cantada à exaustão na casa, tanto por Rodolffo quanto pelos participantes. O sucesso da faixa dentro do BBB apareceu também do lado de fora. A música figura no top 10 do Spotify. Essa é a primeira vez que Israel & Rodolffo atingem o marco na carreira.

Fiuk também deixou uma série de lançamentos para serem tocados enquanto ele estiver confinando. A informação foi confirmada pela irmã Cleo e o pai, Fábio Jr., durante coletiva de imprensa da qual o Correio participou. “A gente combinou muita coisa antes de ele ir. Ele estava com muitos planos antes mesmo do BBB. Ele deixou algumas coisas preparadas”, conta Cleo.

Uma delas é a música Amor da minha vida, lançada na semana passada, que foi divulgada pelos familiares. Para Fábio Jr., o lançamento é uma oportunidade de maior visibilidade devido à participação no programa. “Ele está no Big Brother, essa é uma música linda, por que não unir as coisas?” E ele acertou. A música marca uma volta de Fiuk ao cenário musical e abre a playlist Pop leve do Spotify.

Do lado de fora, Dennis DJ também aproveita a onda. Ele já perdeu as contas de quantos remixes fez inspirados nos acontecimentos do BBB. As composições nascem espontaneamente, quando Dennis está assistindo ao programa, caso do Coxinha, croquete, fica Juliette. “Outros surgem muito da galera que fica nas redes sociais me marcando e vou analisando, porque também não é sair fazendo qualquer coisa. Tem que ser algo que dê liga, que tem uma intenção e que fique bacana”, acrescenta.

Os funks feitos a partir do Big Brother Brasil também contribuem para ampliar a visibilidade do DJ, sobretudo para pessoas que ainda não conheciam o trabalho ou só tinham ouvido falar. “Por meio do remix, a pessoa se interessa e acaba indo procurar o trabalho que a gente vem fazendo há bastante tempo. Acho que o maior impacto é esse de me apresentar ou até mesmo de um público despertar o interesse”, afirma.

*Colaborou Roberta Pinheiro

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