Ceilândia chega a 50 anos de existência com o cenário cultural vibrante, em que artistas buscam representar a cidade pelos palcos do país. Formada por famílias que migravam de vários estados para a nova capital federal, a região administrativa mais populosa do Distrito Federal é o lugar perfeito para que a diversidade cultural do Brasil se manifestasse com toda a exuberância, não fossem os obstáculos que todas as periferias enfrentam no país.
Mas onde há dificuldade, há resistência, e os agentes culturais de Ceilândia seguem mantendo a cena da cidade relevante e necessária, graças à pluralidade natural de um lugar que ainda hoje é destino de milhares de brasileiros em busca de trabalho e melhores condições de vida.
Com quase meio milhão de habitantes, Ceilândia tem força para deslocar o eixo cultural do DF em direção à periferia. A arte da cidade pode ser encontrada na música, no audiovisual, nas artes plásticas, ou mesmo nas ruas e praças, pontos de encontros da população.
Na literatura, Sarah Benedita se expressa por versos que, inevitavelmente, se inspiram no lugar onde nasceu e vive. Para ela, Ceilândia é luta constante, mas é impossível não se seduzir com as histórias que a cidade proporciona. Produtora cultural formada pelo programa social Jovem de expressão, criado em 2007, ela revela o encanto pela cidade. “São as minhas vivências que fazem quem eu sou, e a Ceilândia tem sua parte na minha formação. Minha carreira artística começou aqui”, destaca a poeta de 22 anos. Assim como Sarah, outros artistas se inspiram em Ceilândia para expressar diferentes linguagens.
Legado forrozeiro
Samuel Gomes nasceu em Ceilândia, onde mora desde sempre, mas, como boa parte dos moradores da cidade, tem raízes no nordeste, de onde veio o falecido pai forrozeiro, Sinézio Cordeiro, que fez história na luta pela valorização da música nordestina na capital. “Ceilândia está presente na minha arte antes mesmo de eu nascer. Meu pai chegou aqui em 1974, trazendo consigo suas raízes de Pernambuco. Com o irmão, fundou o Trio do Nordeste, com bastante destaque no cenário cultural de Brasília e do Brasil”, conta Samuel. Hoje, o jovem sanfoneiro de 22 anos leva adiante o legado do pai. Fundou, ao lado de Ronildo Cardozo, o Trio Sanfona Nova, que toca o autêntico forró pé-de-serra e que vem conquistando o público mais jovem da cidade. O grupo participa de diversos eventos culturais de Ceilândia, um deles é o Itinerância Forrozeira, projeto que leva a cultura nordestina em um caminhão pau-de-arara pelas principais avenidas da cidade. “O cenário cultural de Ceilândia, hoje, é bem diversificado, tem uma característica nordestina bem consolidada, mas é uma cidade que abraça novos movimentos”, avalia Samuel Gomes.
Símbolo de consciência
O rapper X, do grupo Câmbio Negro, é outro símbolo da música. Morador da cidade desde a fundação, X traz Ceilândia em várias letras de suas músicas. Ceilândia, revanche do gueto, lançado em 1995, é obrigatório em todas as apresentações do grupo, que conquistou o prêmio Video Music Brasil, em 1999, na categoria melhor grupo de rap. “A cena cultural sempre foi muito forte. Temos muito das culturas urbanas, como rap, break, grafite e DJs. Além disso, temos o samba forte, o rock’n roll, punk rock, teatro, diretores de cinema e atores. O que nos falta são espaços e oportunidades”, conta o vocalista do Câmbio Negro, que tem a Caixa D’Água da cidade como símbolo do grupo.
Rapper de responsa
Impossível falar da música de Ceilândia sem falar do rap. Japão é um dos ícones do gênero na cidade. “Ceilândia está presente em minha vida 24 horas por dia. Além de fonte de inspiração, é meu quartel-general, de onde tudo que planejo sai para outras esferas”, define o rapper. Nas letras, o artista fala de assuntos diversos, entre eles a falta de atenção dos governantes com os cidadãos ceilandenses. Ano passado, gravou uma música que trata da violência contra a mulher, que, segundo ele, foi direcionada para as mulheres da cidade. Vocalista do grupo Viela 17, Japão nasceu em Ceilândia no mesmo ano em que a cidade surgiu, 1971. Ele enxerga avanços na cena cultural, mas acha que ainda há muitas lutas para a categoria artística. “Hoje não temos cinemas, teatro e salões para eventos. O pouco que existe tem acesso difícil. O fazedor de cultura de Ceilândia pode até ter expressão interna e externa, mas a ferramenta é a luta”, destaca.
Arte urbana militante
Quem costuma andar por Ceilândia deve ter visto algum grafite de Elom, que tem o dia a dia das ruas da cidade como a identidade da sua arte. “O meu grafite é direcionado para o propósito de educar, socializar e resgatar a autoestima de crianças e adolescentes em situação de risco, para os quais também ministro aulas de desenho”, explica o artista. A busca de Elom sempre foi por um olhar positivo sobre Ceilândia. Para ele, o lado bom da cidade é justamente a rica cultura que pulsa nas quebradas. O ceilandense também enxerga a falta de investimento e incentivo como um dos principais problemas do cenário cultural da cidade. Para Elom, deixar um legado artístico às gerações futuras da Ceilândia é o maior desafio.
Rock na veia
Agente cultural de longa data de Ceilândia, Ari de Barros começou a frequentar a cidade ainda nos anos 1970, quando fazia trabalhos sociais por lá. O envolvimento foi crescendo até que decidiu se mudar de vez para a região administrativa.Em 1986, foi um dos fundadores de um dos eventos mais tradicionais da cidade, o Festival revolução e rock (Ferrock), que está na 36ª edição, com histórico de passagens de grandes nomes do rock nacional e internacional, como Angra, Krisiun e Johnny Winter. O Ferrock, que Ari até hoje ajuda a produzir anualmente, faz parte do calendário cultural da cidade. Inclusive, dá nome à praça onde ocorreu a primeira edição do festival, no P Norte. Sobre o cenário cultural da cidade, Ari se orgulha da diversidade. Ele ressalta o grande número de produções de Ceilândia, e é otimista com as novas gerações: “Muita gente nova está trabalhando para levar para frente o legado que nós, os mais velhos, construímos ao longo de décadas”.
Pela inclusão artística
Morador de Ceilândia desde que nasceu, Francisco de Assis Chagas Filho, mais conhecido como Neném, sabe da potência cultural da cidade como poucos. “Ceilândia inspira cultura a todos os seus moradores e a todos que a visitam. Aqui, todo mundo tem um amigo artista ou engajado em algum projeto cultural, seja ele para fins de entretenimento, inclusão ou capacitação”, conta Neném, que é produtor cultural e conselheiro de cultura de Ceilândia. O lugar preferido dele em Ceilândia é a Casa do Cantador, a qual frequenta desde a inauguração, em 1986. Foi lá que começou a se aproximar dos poetas e da diversidade artística ceilandense. O maior desafio para a classe cultural da cidade, segundo Neném, é a conclusão do Centro cultural de Ceilândia, esperada há mais de três décadas. Mas não é só isso: “Como conselheiro cultural, vejo a necessidade de políticas públicas que incluam mais agentes da nossa cidade, pois os últimos editais (do governo) se mostraram insuficientes para uma região com tantos artistas”.
Um multi-artista
Ele carrega a cidade no próprio nome e usa várias linguagens artísticas para falar dos direitos à cidade, à imagem e ao transporte coletivo. Gu da Cei desenvolve o seu trabalho artístico pela intervenção urbana, performance, instalação, vídeo e fotografia. Vencedor do prêmio de arte contemporânea Transborda Brasília, em 2018, o jovem de 24 anos coleciona mais de 20 exposições no DF e em outros estados. Cria de Ceilândia, Gu tem nas ruas da cidade fonte de inspiração para desempenhar o trabalho e intervir e provocar reflexões nos espaços públicos do Distrito Federal. “O cenário cultural de Ceilândia é muito rico. O que eu sinto falta é de uma rede conectada de artistas da cidade. Juntos seríamos mais forte”, avalia o artista.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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