Literatura

Confira livros recém-lançados que apresentam o ponto de vista feminino

Na véspera do Dia da Mulher, 'Correio' apresenta obras literárias que trazem uma visão feminina em ensaios, coletâneas e memórias

Adriana Izel
Nahima Maciel
Devana Babu*
postado em 07/03/2021 06:14 / atualizado em 09/03/2021 11:46
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

O movimento feminista e suas ondas tiveram um impacto na presença feminina nas várias áreas. Na literatura, por exemplo, elas passaram a ter domínio das próprias narrativas. Na véspera do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, o Correio selecionou obras recém-lançadas em que as mulheres trazem os pontos de vistas em diferentes formatos.

Da Acadêmica Brasileira de Letras (ABL) e dos nomes do feminismo no Brasil, a autora Rosiska Darcy de Oliveira compartilha, em Liberdade, ensaios em que traça um paralelo entre os avanços na sociedade e na ciência com a crescente onda de conservadorismo. “O livro é um ato de resistência a esse obscurantismo, que tem como inimigo, ao longo da história, a liberdade, que ressurge, apesar dessa onda, porque é uma fênix. Tento flagrar (nos ensaios) as diferentes manifestações desse ressurgimento de liberdade”, conta.

Entre os atos apontados por Rosiska, está o movimento de mulheres nos últimos anos. “Essa mudança, em termos de massa, provoca uma iminente inquietação e, não por acaso, estamos sendo vítimas cada vez mais da violência, do feminicídio. Creio que essa violência sempre esteve presente na sociedade, mas estava encoberta”, afirma.

O livro destaca ainda o crescimento dos movimentos LGBTs e negro, assim como da contribuição da ciência em relação a quatro aspectos: nascer, amar, envelhecer e morrer. “Hoje, estamos vivendo um marco de liberdade de direito de escolha que nunca tínhamos vivido antes. A mulher pode escolher se vai ter um filho ou não. Os casais homoafetivos podem constituir uma família. São exemplos de mudanças que provocam indignação no obscurantismo, que não aceita uma opinião diferente”, completa.

A temática negra faz parte do material da americana de origem nigeriana e formada em ciências políticas Ijeoma Oluo, que começou a escrever sobre raça para os jornais The Guardian e Washington Post e para a revista New York Magazine. O livro Então você quer conversar sobre raça é uma espécie de guia indispensável sobre as questões mais importantes que pontuam as reflexões sobre o tema nos dias de hoje.

De maneira muito direta e quase didática, Ijeoma explica o que é o racismo institucional e estrutural, a interseccionalidade, a importância das ações afirmativas, o privilégio branco, o lugar de fala e a apropriação cultural, além de mergulhar em um universo que envolve desde as sutis agressões, até o ambiente escolar que acaba por fomentar o racismo. Experiências pessoais narradas em primeira pessoa ajudam a autora a introduzir os temas e a lembrar que há sempre muitas perspectivas quando se fala de racismo, mas apenas um opressor e um oprimido.

Pautas feministas

Heloisa Buarque de Holanda,autora e pesquisadora do livro As 29 poetas hoje.
Heloisa Buarque de Holanda,autora e pesquisadora do livro As 29 poetas hoje. (foto: Chico Cerchiaro/Divulgação)

Em As 29 poetas hoje, a pesquisadora Heloisa Buarque de Holanda retoma uma ideia que resultou em coletânea importante na década de 1970 para fazer um recorte da poesia feminista e ativista do século 21. “Essa poesia me chamou muito a atenção, porque faz parte de um ativismo, elas são atuantes na internet, nos saraus, em toda parte, é a primeira vez que vejo um movimento social lançar mão sistematicamente da cultura”, explica.

Para Heloisa, a poesia virou um recurso político muito diferente da poesia engajada, que marcou as décadas de 1960 e 1970. “Elas vão para a rua, fazem os livros, aparecem, é uma declaração, um statement mesmo. E elas não são ingenuamente engajadas, como era um pouco o caso no meu tempo. A causa era política, era uma poesia política. Aqui não, é uma atitude política, e, ao mesmo tempo, ela introduz um universo feminino que nunca apareceu na poesia”, garante.

É a partir da própria história que a ativista, historiadora e escritora Rebecca Solnit escreve Recordações da minha inexistência: Memórias. Na obra, ela aborda as percepções de violência de ser uma mulher no mundo. A narrativa parte do momento em que foi morar sozinha em um bairro negro em São Francisco (EUA) até quando escreveu Os homens explicam tudo para mim, publicação em que narra situações de mansplaining e manterrupting (ambas interrupções masculinas para explicar algo no lugar da mulher).

O objetivo é oferecer uma reflexão sobre as mudanças necessárias na sociedade. “Creio que esse processo está em andamento, e que o simples fato de alguém lhe dizer que você merece estar segura, ser livre e ser igual, pode fortalecê-la. Se sou feminista, e tenho esperança, é porque sei quão profundamente os direitos e o status da mulher mudaram, de muitas maneiras, em mulheres lugares, desde o meu nascimento”, afirma no posfácio do livro.

Jornalista e escritora Maíra Valério
Jornalista e escritora Maíra Valério (foto: Thais Mallon)

“Será que existe a masculinidade não tóxica no mundo em que a gente vive?”, questiona a jornalista brasiliense Maíra Valério, que acaba de lançar o livro Homens que nunca conheci, pela editora Patuá. A antologia reúne 26 contos, em diferentes tamanhos e formatos, que retratam nuances e sutilezas da masculinidade tóxica (termo que se refere a características estereotipadas atribuídas aos homens) do dia a dia, que às vezes passam despercebidas.

Os textos são regados a um senso de humor ácido e crítico, que faz o leitor refletir sobre as pequenas violências do cotidiano. “Lógico que tem casos que abordam violências mais explícitas, mas têm casos que ficam naquela coisa sutil do dia a dia, de pessoas que a gente convive ou que a gente pode, até mesmo, ser”, esclarece.

Formato de ficção

Escritora Tatiana Salem Levy.
Escritora Tatiana Salem Levy. (foto: Pedro Loureiro/Divulgação)

Em Vista chinesa, que será lançado na terça-feira, Tatiana Salem Levy recupera uma história real para dar vida a Júlia, arquiteta que sofre um estupro enquanto corria na região do Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro. O romance, escrito em forma de carta e narrado em primeira pessoa, revisita o trauma sofrido por uma amiga da autora e traz, em forma de ficção, um relato muito comum entre as vítimas desse tipo de violência.

A culpa por ter saído para correr em uma região perigosa, a dificuldade de comunicação com a polícia, a pressão para apontar um culpado entre os suspeitos sem ter certeza, a vergonha e o medo do julgamento alheio assombram a personagem. “A origem de tudo isso é que é uma sociedade extremamente machista e, por conta disso, acho que essa é a violência mais difícil de se relatar”, acredita Tatiana que, ao final do livro, revela a identidade da amiga, que concordou em dar entrevistas para a confecção do romance.

“Quando ela decidiu colocar um nome, aparecer, as pessoas falaram ‘você é muito corajosa’. Isso me incomoda, porque se tentam te matar e você conta, ninguém diz que você é corajosa. o que acontece (no estupro) é que você está enfrentando o fato de que as pessoas vão te condenar porque você estava no lugar errado, usando a roupa errada. Tem sempre um julgamento moral e você está enfrentando esse julgamento moral, essa é a sua coragem”, diz a autora.

Conhecida no cenário do audiovisual, a francesa Laetitia Colombani narra na ficção A trança a história de três mulheres completamente diferentes que acabam tendo os enredos conectados a partir do momento que tomam decisões que desafiam os destinos delas. Com adaptação para o cinema garantida, a obra acompanha Smita, uma dalit que tenta garantir a educação formal à filha; Giulia, que precisa comandar a oficina de perucas do pai na Itália, após ele sofrer um acidente; e Sarah, uma mulher workaholic que descobre estar com um câncer, o que impacta na promoção dela no trabalho.

A emancipação feminina é o tema do romance Zona de clivagem, da argentina Liliana Heker. Com tradução de Livia Deorsola, a obra acompanha a cientista física Irene Lauson, 30 anos, que após viver 13 anos num relacionamento, começa a perceber que está perto de encerrar um ciclo. Nos altos e baixos do namoro com Alfred, que foi professor dela na faculdade, percebe que aprendeu a se reconhecer na solidão, sem ser sinônimo de carência e de ser incompleta. Ela entende que a maternidade não é um caminho natural, mas uma escolha.


*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

SERVIÇO

Liberdade
De Rosiska Darcy de Oliveira. Editora Rocco, 224 páginas. R$ 54,90.

Vista chinesa
De Tatiana Salem Levy. Todavia, 112 páginas. R$ 54,90

Então você quer conversar sobre raça
De Ijeoma Oluo. Tradução: Nina Rizzi. Best Seller, 312 páginas. R$ 49,90.

As 29 poetas hoje
De Heloisa Buarque de Holanda. Companhia das Letras, 255 páginas. R$ 69,90.

A trança
Laetitia Colombani. Tradução: Dorothée de Bruchard. Editora Intrínseca, 208 páginas. R$ 49,90 e R$ 34,90 (e-book).

Recordações da minha inexistência: Memórias
De Rebecca Solnit. Tradução: Isa Mara Lando. Companhia das Letras, 264 páginas.
R$ 64,90 e R$ 39,90 (e-book).

Homens que nunca conheci
De Maíra Valério. Editora Patuá, 120 páginas. R$ 40.

Zona de clivagem
De Liliana Heker. Tradução: Livia Deorsola. Roça Nova Editora, 296 páginas. R$ 56,70.

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  • Jornalista e escritora Maíra Valério
    Jornalista e escritora Maíra Valério Foto: Thais Mallon
  • Heloisa Buarque de Holanda,autora e pesquisadora do livro As 29 poetas hoje.
    Heloisa Buarque de Holanda,autora e pesquisadora do livro As 29 poetas hoje. Foto: Chico Cerchiaro/Divulgação
  • Escritora Tatiana Salem Levy.
    Escritora Tatiana Salem Levy. Foto: Pedro Loureiro/Divulgação
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