Nunca se discutiu tanto a questão racial no Brasil, bem como o legado que a população negra tem na construção do país. Após a onda de protestos em todo o mundo no ano passado, o racismo virou de vez uma pauta massificada, causando reflexões e ações em todos os extratos da sociedade. Muito ainda precisa ser debatido e mudado, mas é inegável que estamos em um momento de franca transformação. E é nesse momento que o jornalista Walter Brito decidiu lançar a segunda edição do seu livro Memórias de uma família negra brasileira, publicado inicialmente em 2006.
Agora com o título Vidas negras importam: memórias de uma família negra brasileira, Brito atualizou a obra de recordações pessoais e familiares com os últimos acontecimentos que mudaram os rumos da luta pela igualdade racial no mundo. Os protestos contra o racismo nos Estados Unidos e as reverberações pelo globo, sobretudo no Brasil, deram o ânimo para o relançamento do livro, que tem apresentação do ex-presidente José Sarney e prefácio assinado pelo poeta goiano Antonio Victor, que também desempenhou o papel de revisor.
Trajetória
Para começar a falar da vida de Walter Brito, é necessário retornar no tempo, quando sua mãe, porteira de uma escola de Formosa (GO), cidade natal da família, com apenas dois anos de educação formal, repetia para os filhos o mantra "só uma educação de qualidade muda o destino de um povo". E foi com esse valor que dona Dejanira Carvalho de Brito mudou o futuro da família, fazendo com que seus filhos virassem exceção numa época em que a desigualdade racial era ainda mais profunda.
Walter Brito e os irmãos conseguiram furar os diversos bloqueios sociais impostos às pessoas negras e puderam construir trajetórias de sucesso e reconhecimento, fios condutores do livro de sua autoria. O percurso de Brito começa ainda na educação básica, "no tempo que o ensino público era de qualidade", segundo ele. "Aos 14 anos, fui editor do jornal estudantil da minha escola, em Formosa. O periódico falava de religião, esporte, interesses da classe estudantil e política, mesmo em tempos de ditadura. Foi aí que comecei a me interessar pelo jornalismo", lembra o autor, que chegou a lecionar matemática para o ensino médio em Goiânia e Formosa, de onde saiu aos 16 anos.
Mudou-se para o Rio de Janeiro no fim da década de 70, quando conheceu Leonel Brizola, recém-chegado do exílio político. Trabalhou na campanha do ex-governador, eleito em 1982, analisando e realizando pesquisas de intenções de voto, função que aprendeu sendo pesquisador do Ibope, na capital fluminense. No mesmo pleito, ajudou na eleição do ex-deputado federal Carlos Alberto de Oliveira, amigo pessoal e autor da lei Caó, que substituiu a lei Afonso Arinos, que também tratava de preconceito e discriminação em razão da cor da pele. Ainda no Rio, Walter Brito começou a se envolver com o Movimento Negro Unificado (MNU), e iniciou sua vida de ativismo.
No livro, Walter também conta da vida dos seus familiares, desde o pai alfaiate, Vespasiano Gualberto, que trabalhou no terno de posse do presidente Fernando Collor, em 1990, até a carreira política do irmão Wagner de Brito, que se tornou prefeito de Flores de Goiás aos 26 anos. Waldir Brito, outro irmão, é dentista pela Secretaria de Saúde do GDF e foi prefeito de Vilas Boas (GO). A irmã Valquíria Brito é pedagoga e professora de artes plásticas formada pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, em Brasília.
Mudanças
A morte de George Floyd, homem negro covardemente assassinado por policias brancos quando já estava imobilizado, foi o estopim para protestos contra o racismo nos Estados Unidos. As manifestações pelo fim da violência policial foram consideradas as maiores desde os movimentos pelos direitos civis nos anos 1960, e claro que isso ecoaria pelo mundo. Um dos ecos é a segunda edição do Vidas negras importam: memórias de uma família negra brasileira, de Wagner Brito, que se sentiu compelido a refrescar a obra.
Olhando para o Brasil, Brito enxerga avanços no movimento pelos direitos da população negra, e atribui isso a conquistas como as cotas raciais no ingresso das universidades públicas, mas ressalta: "Foi a comunidade negra organizada que gerou os questionamentos e as exigências que culminaram na adoção de políticas afirmativas, não um partido só".
Na história, Walter lembra que o pós abolição foi um período de grandes dificuldades para a população negra, que se viu abandonada assistindo as oportunidades de trabalho serem ocupadas por imigrantes europeus recém-chegados entre os séculos 19 e 20. "Por isso os negros são maioria entre os analfabetos, desdentados e descalços, e minoria no Congresso Nacional, por exemplo. É urgente que haja mais negros na política fazendo um trabalho pensando na nossa comunidade", avalia.
O livro Vidas negras importam: memórias de uma família negra brasileira, que tem a capa assinada pelo artista plástico Siron Franco, já está disponível para venda pelo site da editora Letra Capital.
Vidas negras importam: memórias de uma família negra brasileira
Walter Brito. Letra Capital.
211 Páginas. Preço: R$ 36.
*Estagiário sob supervisão de Fernando Jordão
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