Jornal Correio Braziliense

SAMBA

Homenagem a Zé Keti reúne Moacyr Luz e grupo Sururu na Roda no CCBB

Artista carioca é reverenciado com o projeto 100 Anos da Voz do Morro — uma série de shows que, desde o último dia 10, ocupa o palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília

Cantor, compositor, ator e agitador cultural: estas são algumas das facetas presentes no legado de José Flores de Jesus, o Zé Keti, carioca do subúrbio, nascido em 6 de outubro de 1921 e morto em 14 de novembro de 1999. O artista é reverenciado com o projeto 100 Anos da Voz do Morro — uma série de shows que, desde o último dia 10, ocupa o palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília. Diz que fui por aí, nome de um dos clássicos da obra do homenageado, é também título do show de hoje, às 20h.

Nesta apresentação, o grupo Sururu na Roda e Moacyr Luz vão lembrar — musicalmente — dos encontros, amizades e parcerias de Zé Kéti com Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Monarco, Cartola, Nelson Cavaquinho, Roberto Menescal, Nara Leão e Clara Nunes. Com forte presença na noite do Rio de Janeiro, Zé Keti foi responsável, por exemplo, pela popularização do mítico Zicartola, casa noturna de Cartola e Dona Zica, que entrou para a história do samba.

A homenagem de hoje é de peso. Formado por Sílvio Carvalho, Fabiano Salek, Ana Costa e Alceu Maia, o Sururu na Roda surgiu há 20 anos, possui cinco CDs e dois DVDs lançados e foi um dos grupos que contribuíram para o processo de revitalização do bairro boêmio da Lapa, no centro do Rio. “Em 2018, o Sururu passou por uma renovação com a saída da minha irmã, Nilze Carvalho, e a entrada da cantora e compositora Ana Costa e do cavaquinista Alceu Maia. Os dois participaram da gravação do Encontro perfeito, o disco que lançamos em 2019”, conta Sílvio, radicado em Brasília há três anos. “Sempre que o grupo tem compromisso no Rio, encontro com meus companheiros. Estive lá em janeiro, quando participamos da primeira etapa deste projeto”, acrescenta.

Sílvio lembra que tomou conhecimento da obra de Zé Keti ainda criança. “Meu pai era músico e, nas reuniões que ele promovia em casa, sempre se ouvia músicas como A voz do morro, Diz que fui por aí, Máscara Negra. Zé Keti faz parte do panteão dos grandes mestres do samba. Para nós, tem sido um privilégio participar do projeto que o homenageia. No repertório do show que faremos em Brasília, além de clássicos da obra dele, sambas de alguns dos seus parceiros, entre os quais Paulinho da Viola e Elton Medeiros, e também do grupo A Voz do Morro, que os tiveram como integrantes”.

Cantor e compositor de destaque, com 40 anos de trajetória artística, Moacyr Luz, tem nove discos lançados e mais de 100 músicas gravadas, entre as quais os clássicos Saudades da Guanabara e Vida da minha vida. Parceiro de Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Wilson das Neves e Hermínio Bello de Carvalho. Moa — como é chamado pelos amigos — é o criador do Samba do Trabalhador, que ocorre às segundas-feiras, no Clube Renascença (Rio de Janeiro), um movimento de resistência cultural.

» Entrevista // Moacyr Luz

Que lembrança guarda de Zé Keti?
Um cara muito elegante, agregador. Criou a Voz do morro. Ele juntou Casquinha com Paulinho da Viola, fez (o show) Opinião. Uma coisa que não esqueço é ele de terno vermelho nas rodas de samba do Rio de Janeiro.

Chegou a participar de alguma roda de samba ao lado dele?
Eu participei de várias rodas com o Zé Keti, porque ele frequentou, nos últimos anos de vida dele, o Bar da Dona Maria, na Tijuca. Um bar que promovia rodas de samba com Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Cristina Buarque, Norton, Wilson Moreira... Ele ia sempre prestigiar, mas cantava pouco. Participei dessa história.

Que avaliação faz do legado do autor de A voz do morro?
Esse projeto serviu para chamar a atenção à importância desse compositor na história da música brasileira. Ele é autor de sucessos impressionantes, fundamentais, músicas que fazem parte do roteiro de todo espetáculo de samba no Brasil, A voz do morro, Máscara negra... Ele é uma figura carioquíssima, brasileira, de uma linguagem peculiar do cotidiano. Eu o acho brilhante.

O Samba do Trabalhador, importante vetor da cultura popular do Rio de Janeiro foi interrompido pela pandemia. Como reagiu a isso?
É mais um capítulo desse rompimento total da sociedade-cultura, da sociedade-convívio, que a pandemia causou na humanidade. Nós, músicos, estamos sofrendo, porque não temos outra profissão a não ser se apresentar em público. E o público é proibido, hoje. Precisamos mesmo de apoio do poder público. Fizemos tantas lives para aliviar as angústias e as dores das pessoas... O poder público precisa, agora, retribuir um pouco e nos ajudar a administrar esse período.

Tem ocupado o tempo de que forma durante a interminável quarentena?
Depois de 100 dias de extremo silêncio, trancado dentro de casa, eu vi e percebi que precisava sair, reagir. Então, no meio disso, eu fiz mais de 100 músicas. Estou gravando bastante, o tempo todo. Quando saírem os discos, talvez alguém perceba a quantidade de músicas e participações que fiz. Foi uma maneira de viver, respirar, rever as minhas músicas, projetar novas músicas. Acreditar, acima de tudo, acreditar.

A música, assim como outros segmentos da cultura brasileira, vive um período dificílimo nos tempos de agora. Qual a sua visão deste momento?
Não existe nada que aconteça no mundo que não haja interferência cultural. Tudo vai se refletir na pintura, dança, teatro, dramaturgia, na música, principalmente. Então, tudo isso que está acontecendo faz refletir. Talvez, a cultura esteja sendo desvalorizada pelo grande status dos mandantes do Brasil, mas ela sobrevive.

Zé Keti — 100 Anos da A Voz do Morro

Show Diz que fui por aí com Sururu na Roda e Moacyr Luz, hoje, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (Setor de Clubes Sul), capacidade para 134 pessoas. Ingressos: R$ 30 e R$ 14 (meia-entrada). Classificação indicativa livre. Informações: 3108-7600.