ENTREVISTA

Márcio Faraco prepara novo álbum e fala de relação com Chico e Milton

Canto e instrumentista formado na cena do rock brasiliense dos anos 1980, prepara novo disco e fala ao Correio sobre a relação com Chico Buarque e Milton Nascimento

Embaixador informal da música brasileira na França, onde está radicado desde 1992 e é detentor de grande popularidade, o gaúcho-brasiliense Márcio Faraco não vê o trabalho que desenvolve ter, em seu país de origem, a mesma avaliação obtida em Paris e outras capitais europeias. De volta à cidade onde costuma vir, para reencontrar os familiares — residentes no Lago Norte — cantor e instrumentista nunca deixa de lado o ofício que o distingue, embora use a maior parte do tempo para retomar contato com amigos.

Desta vez, por recomendação médica, ele tem descansado um pouco mais, por causa da covid 19, a que foi acometido no mês de outubro último, ainda na capital francesa, depois da gravação de um clipe em prédio próximo Arco do Triunfo. Mesmo assim, aqui, se encontrou algumas vezes com o poeta Leonardo Almeida Filho, com quem compôs — via internet — 12 canções, que farão parte do próximo CD, o décimo de sua discografia.

O álbum mais recente — de produção independente —, intitulado L’Electricien de La Ville Lumière, é o primeiro só com letras em francês escritas por novos parceiros. O repertório reúne nove canções com letras do eletricista e poeta Philippe Thivet, entre as quais La solitude; duas, Encre de Chine e Il pleut de Chine, de Dominique Deyfus, escritora e especialista em cultura brasileira; e Plus de mille jour, de Alain Gerber, romancista e crítico de jazz; além da versão bossanovista de Que je t’aime, sucesso do roqueiro Johnny Halliday, Faraco pertence à geração do rock brasília. Na década de 1980 integrou a banda Nexo Explícito, da qual foi vocalista; e trabalhou com Cássia Éller, Janette Dornellas e vários músicos naquele período. Logo em seguida, morou durante três anos no Rio de Janeiro e assinou contrato com a Som Livre, mas acabou não lançando disco. Aí decidiu deixar o Brasil e partir para a França, onde deu início à carreira fonográfica.

Naquele país, inicialmente se instalou em Saint-Tropez, e passou a se apresentar em eventos particulares e casas noturnas em toda a Côte D’Azur. Lá, conheceu o cantor e compositor Didier Sustac, com quem fez turnê durante dois anos por outras cidades francesas, tendo oportunidade de mostrar seu trabalho. Mas, só em 1995, depois de ser convidado para dirigir um especial sobre música brasileira, para a TV France 2, é que viu novos horizontes se abrirem. Um dos participantes do programa foi Chico Buarque, de quem Faraco se aproximou. Dois anos depois, finalmente gravou o primeiro disco, que teve a participação do consagrado artista brasileiro.

Que lembrança guarda do tempo de roqueiro em Brasília, na década de 1980?

Lembro-me que, na época, Brasília era muito ativa musicalmente, com vários locais para tocar e tínhamos o apoio da Fundação Cultural. Com a banda Nexo Explícito, aprendi como trabalhar em grupo. Eu tinha como companheiros de banda meu primo Giovani Faraco, Rodrigo Caldas, Fernando Torres e Gafanhoto. Eu era, também, muito próximo de Cássia Eller e Janette Dornelas, tendo dirigido o Dose dupla, primeiro show das duas, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional.

No final dos anos 1990, você chegou a morar no Rio, tentando levar a carreira adiante. Como foi esta experiência?

Morei lá durante três anos. Toquei bastante em bares, tinha contato com Eduardo Rangel, Milton Guedes e Tom Capone, que também foram para lá, e cheguei a gravar três músicas para um disco que sairia pela Som Livre, mas o projeto não foi adiante. Era um tempo difícil para músico em início de carreira. Mas inseri Lullaby, canção de minha autoria no disco de estreia da Cássia, lançado pela PolyGram em 1990.

Por que decidiu ir para a França?

Desde que estudava direito no Ceub, tinha uma ligação idílica com a França. Aí conheci uma francesa no Rio, que veio a ser minha primeira mulher. Mas antes, morei na Inglaterra. Ao chegar à França, fui para Saint-Tropez, cidade da Côte d’Azur, que passou a ser a base do meu trabalho. Conheci o cantor e compositor Didier Sustrac, que fazia sucesso na época. Com ele passei a excursionar pelo país e tive a possibilidade de mostrar minhas músicas, ao abrir os shows.

Quando, finalmente, que deu início à carreira solo?

As coisas começaram a acontecer em 1995, depois que fui convidado pelo produtor Alain Pezner para dirigir um especial veiculado na TV France 2, focalizando a música brasileira, que teve a participação de Chico Buarque, Trio Esperança e o grupo amazonense Carrapicho. A partir dali surgiu uma afinidade com o Chico. Então, o pedi para ajudar um exilado poético, e ele virou meu empresário de luxo (risos). Inicialmente ele me indicou ao produtor Almir Chediak para participar do songbook de Tom Jobim. Gravei Tema pra Gabriela, uma das faixas do songbook.

Você o Chico, então se tornaram amigos?

Nos tornamos amigos, desde então. O Chico tomou parte do meu primeiro álbum, cantando Ciranda, uma das minhas canções de maior sucesso e participou também do show de lançamento do disco. Criei o time de futebol Paristeama, para que ele pudesse jogar quando estivesse na França. Ele escolheu bordô e mostarda como cores da camisa. A que usa leva o nome de Pagão, ex-jogador do Santos, que sempre teve como ídolo. Quando está escrevendo livro e passa mais tempo em Paris, os jogos são mais frequentes.

E a amizade com o Milton Nascimento vem de quando?

Fui apresentado ao Milton pelo Wagner Tiso, mas ele nunca se lembrava de mim, quando nos encontrávamos. Em 2008, ele estava em Paris e juntos participamos de um especial para o Canal Brasil. Eu ia fazer uma turnê por cidades francesas e Luxemburgo e o convidei para tomar parte. Nos apresentamos em vários festivais de jazz, que tiveram a participação também do Trio Jobim, formado por Paulinho Jobim, Daniel Jobim e Jaques Morelembaum. Aproveitei e chamei o Milton para gravar comigo Cidade miniatura, uma das faixas do meu quinto disco.

Vários artistas brasileiros que excursionam pela Europa, se apresentam em Paris. Quem são os de maior popularidade entre os franceses?

Pelo legado que deixou, a obra de Tom Jobim é a mais reverenciada na França. Obviamente, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Benjor são muito conceituados entre os franceses.

À distância, como vê o tratamento recebido pela cultura brasileira atualmente?

Ao contrário da cultura na França, que recebe total apoio do governo, no Brasil, pelo que tenho tomado conhecimento, atualmente está sendo tratada com descaso pelas autoridades. Até o Ministério da Cultura foi extinto. (Jair) Bolsonaro conseguiu tirar um dos nossos mais importantes produtos de exportação país da vitrine.