Revisões de atitudes políticas, adaptação de obras consagradas na literatura e um pesado humor ácido acompanham as propostas de cineastas que têm filmes lançados a partir de hoje. Seja na sala de cinema ou no streaming, as narrativas dos filmes acabam afunilando para a mirada humanizada de personagens.
Extraído da obra clássica de Alfred Döblin, Berlin Alexanderplatz chega às telas de cinema, a partir do olhar renovado do diretor de origem afegã Burhan Qurbani. Com 2h40 de duração, o longa imprime outro tom à monumental obra de 1979, assinada pelo reconhecido diretor Rainer Werner Fassbinder, que viria a morrer três anos depois da produção.
Com Fassbinder, a obra de Döblin teve mais de 15 horas de duração, em 14 episódios televisivos estrelados por Hanna Shygulla. Na nova coprodução entre Alemanha e Holanda, fica demarcado o destino de um homem aventureiro, vindo da África. Sem possibilidade de trabalho, ele resiste a se inserir numa rede de tráfico de drogas e, progressivamente, percebe uma possibilidade de ser feliz junto à classe bastante marginalizada na Alemanha.
Também tratando de camada social por vezes colocada num limbo de descuido, Eu me importo traz uma cruel visão para a terceira idade. O filme que estreia amanhã na Netflix é estrelado por Rosamund Pike (Garota exemplar), que é candidata a melhor atriz de comédia, no Globo de Ouro. Completam o elenco, os veteranos Peter Dinklage e Dianne Wiest. No longa, Rosamund vive Marla, uma cuidadora que desvirtua sua função: põe idosos sob sua custódia e segue com eles para o asilo, além de vender os bens de todos. Como diz trecho do roteiro, no mundo há “predadores e presas”. O longa é assinado pelo britânico J Blakeson, de A quinta onda.
Sem muros
Outra atração do streaming está no site www.cinemavirtual.com.br. Estreando, O muro trata da vida de Marta, uma latina que precisa ajudar o filho, mesmo enfrentando todos os riscos da imigração ilegal. Sem documentos, ela poderá encontrar solidariedade, na fronteira mexicana? Em tom de fábula que burla as ásperas leis, a diretora Genevieve Anderson conta com os protagonistas Andy Martinez e Crystal Hernandez na produção que estampa, no cartaz: “Não há paredes no coração”.
Já na tela de cinema de Brasília, é possível acompanhar o estranho longa Nona: se me molham, eu os queimo, assinado pela chilena Camila José Donoso. Agitada, de humor inconstante e com um olho de vidro, uma protagonista senhora desfia parte do passado em que resistiu à ditadura de Pinochet, depois de saudar o governo de Salvador Allende. Memórias de coquetel molotov, de estado de sítio, de inapetência à ação, dada a idade avançada, tomaram conta do destino da avó da cineasta, que tem participação no filme. Entre o documentário e a encenação, Nona se prova confuso, mas deixa um recado reflexivo no roteiro: “Não existe nada em que não exista perigo”.