Uma casa e dois personagens foi todo o necessário para o filme Malcolm & Marie. O longa, filmado em preto e branco, é uma das apostas da plataforma Netflix. A produção apresenta uma extensa discussão de um casal e é tocada por atuações marcantes de John David Washington (Infiltrado na Klan), o Malcolm, e Zendaya (Euphoria), a Marie. Ambos vivendo uma grandiosa história em um pequeno espaço.
A produção tem início com os personagens voltando para casa, após a estreia bem-sucedida de um filme de Malcolm, mas Marie não vive a mesma alegria do parceiro, e um dos motivos é que foi esquecida no discurso de agradecimento do filme. A falha de Malcolm é o ponto de ignição para uma discussão acalorada. “O incidente primário é algo que realmente aconteceu comigo. Eu esqueci de agradecer a minha esposa, mas nós não tivemos uma grande briga, tivemos uma conversa no carro voltando para casa”, conta Sam Levinson, diretor e roteirista do longa, em entrevista exclusiva ao Correio.
Conforme a discussão se aprofunda na trama, vão emergindo novas questões envolvendo o passado de cada um dos personagens e de ambos como um casal, apresentando uma complexidade muito além de apenas o esquecimento de Malcolm. “Pensei muito em quando você falha em reconhecer a real contribuição de alguém que você ama e a qual você é muito grato na sua vida”, explica Levinson.
Entre as discussões abordadas, o filme gravado pelo protagonista masculino também entra em pauta e os assuntos se misturam, gerando uma metalinguagem em que ambos apontam falhas na indústria cinematográfica, mesmo estando dentro de um filme. Tudo isso como um pano de fundo para o problema real, a toxicidade do relacionamento que vivem. “Eu sabia que escreveria sobre um cineasta e sua parceira, porque isso dava uma camada extra para explorar dentro da relação dos dois, torna algo mais do que só o ‘você fez isso comigo aquele dia’, poderia ser sobre o filme (de Malcolm) e o reflexo que ele tinha na vida dos personagens, além de como ambos interpretaram o longa”, comenta o diretor.
“O filme permite uma forma de digressão em que o casal vê toda a vida de frente para trás. Por exemplo, Malcolm pode estar falando do próprio longa, mas, ainda assim, ser algo muito pessoal na percepção de Marie”, analisa o criador do enredo.
As excelentes atuações de John David Washington e Zendaya carregam o filme. Eles conseguem entregar, em pouco menos de duas horas, momentos cômicos, tensos, drama, romance e uma relação que, ao mesmo tempo em que é delicada e amorosa, também é nociva e codependente. Os dois têm um alcance de atuação muito extenso. “Eu coloquei muito de mim mesmo em ambos os personagens, mas sabia para quem eu estava escrevendo os papéis”, pontua Sam. “Para o Malcom, eu sabia que estava escrevendo para o John David Washington, então comecei a brincar com o que percebia que eram os pontos fortes dele como ator”, completa.
Para o papel de Marie, o diretor também tinha consciência que seria de Zendaya, uma parceira de longa data de Levinson, com quem também trabalhou em Euphoria, série que ele criou. “Escrevia para Zendaya, que eu sei que é uma mulher confiante”, reflete o autor. “Nós dois somos muito autocríticos, temos gostos similares e nós sabemos quando nosso trabalho não alcançou o nível desejado, mesmo quando nós queremos mentir para nós mesmos, não conseguimos mentir um para o outro”, acrescenta o roteirista sobre a parceria de sucesso com Zendaya.
Elencos
Malcolm & Marie foi filmado em meio à pandemia, em uma época em que tudo ainda estava muito nebuloso. Com elenco de apenas dois atores e equipe bastante reduzida, Levinson contou que os membros da produção criaram uma bolha em que todos podiam conviver sem medo da covid-19, mas quem saísse não voltava. “Você precisa ter certeza de que ninguém vai ficar doente, que você está sendo o mais vigilante possível em termos de seguir a risca todos os protocolos”, afirma o diretor. “Eu falo com muito orgulho que nós fizemos três produções durante a covid-19 e nenhuma pessoa ficou doente”, complementa Sam, que também citou que o processo foi similar nos dois episódios especiais de Euphoria.
“Nós pudemos conhecer uns aos outros como uma família e como um grupo”, destaca o cineasta, que entende como fundamental a participação de Zendaya e Washington no processo. “Todo desempenho deles veio naturalmente da experiência de viver dentro dessa realidade, eles não são só atores, eles também produziram e cofinanciaram, então veio tudo desse sentimento de ‘estamos nessa juntos’ e que iríamos fazer o melhor que conseguíssemos”, ressalta.
No fim, eles conseguiram entregar um filme de qualidade, com grandes atuações e uma história atual, que permeia muitos relacionamentos reais e fala sobre problemas sociais latentes. “O objetivo é esse. Criar algo tocante, cinematográfico e que tenha alcance, apesar do quão duro o mundo está sendo com todos atualmente”, finaliza Sam Levinson.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira