A reta final do Big brother Brasil 20 coincidiu com o início da quarentena ocasionada pela chegada da covid-19 ao país. Com a maioria das pessoas em isolamento social, o programa viu a audiência subir no ano passado. O sucesso da atração alçou a carreira dos participantes, principalmente, daqueles que integravam o Camarote, elenco composto apenas com famosos, de atores a influenciadores digitais. A cantora Manu Gavassi reescreveu a carreira na música. Babu Santana conseguiu o reconhecimento popular como ator. Bianca Andrade e Rafa Kalimann conquistaram status ainda maiores na internet, para citar apenas alguns exemplos.
Foi diante desse contexto que a Globo trouxe, novamente, um time de participantes famosos para a 21ª edição, que começou em 25 de janeiro. Muitos deles entraram como favoritos, pela carreira consolidada que têm do lado de fora e em busca de humanização da figura. Foi o caso de Karol Conká, Projota e Fiuk. No entanto, em poucos dias, alguns deles tiveram o favoritismo contestado a partir de atitudes dentro da casa. “Os impactos de estar em uma casa vigiada 24 horas por dia, sob pressão e com uma audiência nacional, são enormes. Um artista pode ampliar a percepção do público sobre ele mesmo e mostrar qualidades que talvez não conseguiria passar por meio das redes sociais e que vão além da arte e profissão. Mas pode ser exatamente o contrário, porém, com perdas financeiras, que vão desde a suspensão de contratos importantes, à rejeição do público que consome sua arte”, comenta o jornalista Paulo Pimenta, especialista em comunicação e marketing da Bpmcom.
Nessa primeira semana, o que se viu foram algumas das celebridades perdendo o respeito que o público tinha criado em relação a elas. O caso mais emblemático é o da rapper Karol Conká, que tem sido criticada por comentários considerados preconceituosos voltados para a paraibana Juliette e para o paulista Lucas Penteado. No primeiro caso, ao questionar os modos da participante e relacionar à origem dela. Enquanto ao ator, a cantora se mostrou exageradamente crítica, após uma briga protagonizada pelo brother, que tomou proporções gigantescas na casa, mesmo após um pedido de desculpas dele.
As falas causaram prejuízos também na parte profissional. O canal GNT cancelou a exibição do programa apresentado por ela, Prazer, feminino, prevista para 22 de fevereiro, e o festival Rec-Beat, de Recife, suspendeu o show que a artista deixou gravado para a edição virtual. O público pede a expulsão da artista por bullying e tortura psicológica. “Infelizmente, não existe uma separação clara da artista Karol Conká e da pessoa Karoline Oliveira. Os danos causados à imagem da Karoline vão influenciar diretamente na Karol Conká cantora e no seu trabalho. Pessoas públicas sofrem desse mal por terem optado em serem públicas”, completa Pimenta.
A professora do curso de publicidade e propaganda do Centro Universitário Iesb Kátia Souza usa o conceito de tecnocultura do sociólogo Muniz Sodré para explicar como ocorrem essas mudanças de imagem e comportamento. De acordo com Sodré, todo indivíduo modifica seu comportamento a partir do surgimento de um novo meio, como o rádio, a televisão e a internet. “Sendo assim, muitas vezes, neste ambiente flagrado por câmeras, o artista não consegue ser o personagem que foi moldado para poucos minutos de palco, de live, porque ali é uma vivência 24 horas. Quando, muitas vezes, isso vem à tona, começamos a dar origem a um tipo de personagem diferente do que o público cativa”, afirma Kátia.
Mas Karol Conká não é a única entre os famosos que pode ter a carreira afetada com polêmicas do BBB. Fiuk também entrou na lista de “cancelados” do público da internet. O participante, que fez curso de temas como feminismo, tem sido criticado pelos diálogos com Juliette e Carla Diaz, em que chamou uma delas de irônica e a outra de privilegiada. O rapper Projota ainda vive um momento de confusão na visão do público. Ele foi, inicialmente, elogiado pela postura em relação a Lucas, quando, de forma empática, conversou com o participante. No entanto, depois o artista passou a ser julgado por não impedir a exclusão do garoto por parte dos colegas de confinamento.
Para Paulo Pimenta, esse é um risco que todo famoso corre ao entrar num programa como o Big brother Brasil. Por isso, ele acredita que o reality show é mais proveitoso para os anônimos. “Até entrar num jogo como esses, ninguém sabe como vai reagir lá dentro, sob pressão e confinamento, é arriscar demais uma carreira”, avalia. Mas vale lembrar que também existem participantes da Pipoca, só com anônimos, sendo julgados na web, como a psicóloga Lumena, que tem sido apontada pelo público por constantemente conversar com os participantes a partir de um ponto de vista de crítica.
Nas redes sociais, a produção do Big brother Brasil também tem sido criticada, essa porque estaria oferecendo, em vez de entretenimento, um programa com uma atmosfera pesada, do ponto de vista de diálogos e frases que acuam dois participantes: Lucas Penteado e Juliette. Até o momento, a Globo não se pronunciou sobre os fatos.
Nervos à flor da pele
Desde que o BBB21 começou, o público tem se surpreendido com a movimentação dentro da casa. Em uma semana, foi possível perceber uma euforia, seguida de muito choro, e depois confusões sem muita explicação. Vários participantes, inclusive, têm se mostrado com os ânimos à flor da pele. Segundo o especialista em mindset Lucas Fonseca, essas reações são aguardadas, tendo em vista que o programa se passa num contexto pós-pandemia. “Acho que o Big brother é uma amostra do novo comportamento que temos enquanto seres humanos. Estamos mais aflorados. O BBB traz à tona esse comportamento de exaustão que todo mundo está tendo na pandemia. Estamos mais vulneráveis”, afirma.
Para ele, isso é perceptível nos comportamentos de Karol Conká, que se mostra mais exaltada, e no de Lucas Penteado, que foi de exaltação ao desânimo. “Quantos Lucas e quantas Karol estão aqui fora?”, questiona. Ele diz que esse sentimento não ocorre apenas dentro da casa, mas pode ser visto no público, que rapidamente julga os participantes de forma também incisiva. “Nós, que estamos assistindo, também estamos mais aflorados. Todo mundo agora se posiciona sobre tudo. Também estamos diferentes, mais intolerantes”, afirma Lucas, que cita a cultura do cancelamento, um modo de julgar as pessoas, sem deixá-las se defender. “A internet se apresenta como uma vitrine para todos nós num papel de avaliadores de comportamentos. É a cultura do julgamento. Não temos que isentar quem está cancelado do erro, mas temos que buscar a cultura da compreensão, de ouvir o lado do outro. Essa cultura vem do empoderamento de julgar o próximo”, completa.
Lucas Fonseca também acredita que há uma lente maior de julgamento, pelo fato de o programa ter pessoas famosas, as quais o público já tem um pré-julgamento. “O artista vende a imagem dele, numa situação com o BBB, ele mostra quem ele realmente é. Ninguém é feliz e perfeito 24 horas. A diferença é que o BBB mostra essa vulnerabilidade. Tudo vem à tona e as máscaras vão caindo. Porque todos nós criamos imagens de quem realmente somos. Mas ali é uma vida real sem atuação”, acrescenta.
» Duas perguntas para Kátia Souza, professora do curso de publicidade e propaganda do Centro Universitário Iesb
É importante trabalhar a imagem de um artista/influenciador que esteja participando de um programa como o BBB? Como fazer isso aqui de fora?
A primeira forma de trabalho é construindo uma boa assessoria de imprensa. Quando entram em um programa como esse, os artistas e influenciadores precisam ter uma boa assessoria para trabalhar a construção da imagem dessa pessoa tanto para aspectos positivos quanto para contornar aspectos negativos, uma assessoria especializada em transmídia para que consiga, em tempo hábil, dar um respaldo de ações que estejam acontecendo no BBB. No caso de uma atitude positiva, ela deve ser enaltecida e a assessoria buscar elementos para que essa postura do artista seja vista, elevando, assim, positivamente a imagem e, da mesma forma, quando acontecem questões negativas, devem estar preparados para tentar contornar a situação e, muito provavelmente, eles vão tentar contornar dizendo que a exposição é sempre vivenciada por muita pressão, que no dia a dia o artista não teria essa habitual performance.
Cultura do cancelamento. O que é e como reverter o efeito “negativo” dela?
Cancelamento significa fazer com que a pessoa perca a sua agenda, deixe de executar seus trabalhos como figura pública. Embasado no surgimento do movimento MeToo, nos Estados Unidos, quando isso ganha força, as pessoas começam a entender que cancelar uma figura pública é algo importante não só na perspectiva do boicote, mas de penalização a um ato que foi contra uma determinada minoria. À medida que esse movimento foi aumentando, rompendo fronteiras e ganhando espaço, o cancelamento passa a ser aplicado não só na pessoa que se envolve com alguma polêmica, mas nas pessoas que também concordam com aquele tipo de postura. É uma sequência, uma cadeia de cancelamentos de pessoas públicas. Os efeitos do cancelamento, judicialmente falando, dificilmente progridem. Mesmo quando evolui para um processo judicial, o cancelamento normalmente não resulta em perdas. Ele acaba gerando um grande assunto midiático, que vai resultar em perseguições, ameaças, alguns comentários ou postagens mal-educadas. As empresas, para evitar esse efeito progressivo e para que não sejam canceladas em conjunto, como é o caso da Karol Conká, acabam cancelando eventos e rompendo contratos, para que o episódio não envolva a marca e as pessoas não relacionem o produto ao cancelado. Para reverter essa situação, uma empresa (ou pessoa) pode trabalhar o rebrading, ou seja, precisa se reposicionar. O mesmo acontece com artistas e influenciadores, que precisam de uma retratação pública.
Entrevista com Gustavo Luveira, Diretor Associado de Novos Negócios na R2 Produções, responsável pela Estratégia Comercial da Dupla Jorge e Mateus e apresentador do podcast Sobe o Som no Multishow
Qual o impacto que a participação em um reality show pode ter na carreira de um artista/influenciador? Se negativo, como estamos vendo acontecer com a Karol Concá, como lidar com essa situação e não deixar que impacte a carreira artística?
Como qualquer outro jogo, existem alguns cenários e a maioria deles envolve risco. A chance de se dar muito bem, a chance de não dar em nada e a chance de dar muito errado. Costumo sempre dizer que dar errado é totalmente diferente de não dar certo. No caso da Karol, me parece ter dado errado. Há um tremendo impacto na carreira e na vida de qualquer participante do programa. Para os influenciadores e artistas, mais ainda. A cada edição vemos a emissora tentar imprimir um retrato social mais claro do país, com isso, aumenta ainda mais a cobrança do público por um posicionamento político e social mais transparente dos participantes.
Para o caso da Karol Concá, é preciso uma boa estratégia para que a coisa não inflame ainda mais. Ter uma posição transparente com o público e assumir os erros através de uma boa assessoria pode ser um começo, mas o jogo para ela vai começar quando ela sair da casa. É inevitável desvincular o artista com a pessoa diante de tantas câmeras e o consumo de álcool. Mas, na minha opinião, não se pode confundir autenticidade com descaso e falta de educação.
Não vejo nenhuma outra saída no caso da Karol, além de se apoiar na comunidade que ainda acredita que seu comportamento equivocado foi um fato isolado e tentar reverter a situação se retratando e pedindo apoio para que ela possa aprender com os erros e colocar em prática “na vida real”.
É possível diferenciar o que está sendo mostrado no reality e a vida aqui fora, a carreira artística?
É possível, mas não é garantido. O Projota, por exemplo, sempre faz questão de dizer que o Tiago está ali para aprender e ensinar o Projota. Se considerarmos uma boa estratégia nas redes para distanciar o artista do CPF, pode ser que o impacto negativo - caso tenha - seja menor. Mas tudo depende da conduta do participante, não adianta. A velha máxima sempre estará em jogo: “ você é aquilo que você faz”.
Você aconselharia a um artista/influenciador participar de um reality? Por que?
São tantas variáveis que determinam a hora certa de uma superexposição como essa. A principal delas é o momento da carreira. Claro que na pandemia, com tudo parado, pode ser ótimo para emplacar um bom trabalho pós casa, mas é preciso planejar e tentar prever todos os possíveis danos. Acho muito arriscado para artistas que já estão consolidados. Basta uma festa para desconstruir um posicionamento de décadas.
Como identificar quando a exposição está fazendo mais bem do que mal?
Hoje em dia, o termômetro todo está nas redes. É preciso estar atento aos pequenos incêndios que acontecem e encorajam os “canceladores”. Existem ferramentas pra isso. Não se pode deixar tudo sob a ótica do programa editado, que mais de 90% da audiência consome. Usar as redes para se promover, mas, mais do que isso: para controle de dano.
Cultura do cancelamento. O que é e como lidar quando isso acontece no mundo digital?
O "cancelamento" é um ataque direto à reputação que ameaça o emprego, a carreira ou qualquer coisa que estiver em jogo. Sempre digo que aprendemos muito mais com quem está tentando cancelar alguém do que quem está sendo cancelado. Essa lógica tóxica do cancelador sem abertura para diálogo, faz com que o “lacre” não eduque nada, impedindo o crescimento e o aprendizado. O Alienista, do Machado de Assis, já tentava deixar claro essa cultura de acusações. O personagem vai acusando todo mundo de ser “louco” até chegar um ponto que a cidade toda está em um senatório e ele fica sozinho com a reflexão de que o louco pode ser ele. Somos todos um pouco misóginos, um pouco racistas e estamos aprendendo com tudo isso. Lacrar é não dar a oportunidade de evoluir, de educar. Não há como evitar isso num mundo cada vez mais digitalizado. Como todo ataque, há uma reação que, se bem controlada, poderá dizer muito mais sobre você e, milagrosamente, te fazer sair por cima.