CÊNICAS

Musical conta a história de deficiente visual apaixonado por uma estrela

Infantil 'O pescador e a estrela' estreia neste sábado no CCBB

  Roberta Pinheiro
postado em 26/02/2021 06:00
 (crédito: PH Costa Blanca/Divulgação)
(crédito: PH Costa Blanca/Divulgação)

Uma fábula mágica sobre o valor do que não pode ser visto toma conta dos palcos do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-DF) a partir de amanhã. É o musical O pescador e a estrela, com direção de Karen Acioly e texto de Lucas Drummond e Thiago Marinho, ambos da Nossa! Cia de Atores. Em cena, duas histórias se cruzam. Guiado por um mensageiro das estrelas, um menino solitário que não consegue mais ver motivos para ser feliz embarca em uma aventura. Ele se transforma em um jovem pescador deficiente visual chamado Fabiandro, que é apaixonado por uma estrela, apesar de nunca tê-la visto.

“Usamos a questão da deficiência visual para criar uma metáfora cênica sobre os sentimentos, principalmente o amor. Eles existem e não podem ser vistos, apenas sentidos. Nossa ideia é passar para o público, tanto as crianças como os adultos, que existem mais coisas no mundo além daquilo que se pode ver”, explica o ator Lucas Drummond. O projeto do espetáculo nasceu em 2016, a partir de uma composição musical de Thiago. “A música contava a história de um pescador que se apaixona por uma estrela e ela um dia desaparece do céu. Na mesma hora, comentei que a canção dava uma peça de teatro. Então, sentamos para escrever essa fábula desse pescador”, relembra.

No palco, Lucas interpreta tanto o menino solitário como o pescador Fabiandro. “O menino está muito triste e desestimulado. Ele perdeu uma tia que amava muito e ouviu dizer que essa tia virou uma estrela e está ansioso esperando que ela apareça no céu para ele. O mensageiro, interpretado pelo Felipe Rodrigues, faz uma visita a esse menino e o convida a embarcar em uma grande aventura na pele de um pescador deficiente visual, mas que enxerga mais que todo mundo”, descreve.

Todas as noites, Fabiandro e a estrela se encontram à beira do mar, onde cantam, dançam e se divertem. Um dia, contudo, a estrela desaparece. Decidido a reencontrá-la, ele parte em uma jornada rumo ao céu. Ao seu lado vai Hortênsia, uma menina superprotegida pelas tias, que quer conhecer o mundo mais que tudo. O que ambos não sabem é que, logo atrás, está o ganancioso casal Prattes Prattes, que planeja roubar a estrela. “Existe um contraste muito grande entre o menino e Fabiandro. Enquanto o primeiro está sem esperança e desacreditado, o pescador é muito otimista, sonhador, acredita que tudo é possível e corre atrás de tudo o que deseja”, pontua Lucas.

Em um mundo bastante ligado ao visual, sobretudo no universo infantil, O pescador e a estrela provoca o público a pensar sobre o que é sentido. “Tem muitas coisas que não são vistas hoje em dia. Nossa sociedade é muito visual e acho que a gente acaba deixando à margem não só as pessoas que não podem participar desse visual como também os outros sentidos. Como seres humanos, nós sentimos e o que sentimos é o que transmitimos”, afirma o ator.

Acessibilidade

A ideia de trazer a questão da deficiência visual para o protagonismo da peça nasceu de um desejo da companhia Nossa! Cia de Atores, em parceria com a Palavra Z Produções Culturais, em fazer um espetáculo que tivesse compromisso com a acessibilidade, mas que fosse além das ferramentas padrões, como libras e audiodescrição, exigidas por lei. “Queria trazer para o projeto de uma forma que isso se integrasse mais à cena”, comenta Lucas.

Sendo assim, apesar de não falar especificamente sobre a cegueira, ela está presente desde a produção do musical, passando pelo texto, direção e elenco. Quem guia toda a aventura, por exemplo, é o mensageiro interpretado por Felipe Rodrigues, ator negro, deficiente visual e morador da comunidade Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio de Janeiro. Felipe foi escolhido após audição com mais de 30 participantes, todos deficientes visuais de todo o Brasil. Além de ator, Felipe é cantor, tecladista e compositor. Cego já na infância, atuou nos espetáculos: O auto da compadecida, O Mágico de Oz, Volúpia da cegueira, entre outros. “Esse assunto está presente em todo o momento. O Fabiandro é um personagem cego feito por um ator que enxerga, e eu sou o mensageiro que enxerga, mas sou deficiente visual. Então, tem essa troca, essas experiências que são bem sutis, mas estão presentes. É uma história poética que traz a questão da pessoa com deficiência e seu protagonismo”, conta Felipe. A direção de movimento é da atriz e bailarina Moira Braga, também deficiente visual.

Enquanto isso, a cenografia, assinada por Doris Rollemberg, transforma o palco do CCBB em um grande olho, um universo íntimo e simbólico do protagonista. O espaço é cercado por véus, membranas que dificultam a visão, mas que caem, quando seu mundo se expande por meio da imaginação. A direção artística do espetáculo, feita por Karen Acioly, também explorou a acessibilidade. “Trabalhamos com uma cena circular, uma cena na qual todas as coisas têm que acontecer dentro de um círculo. Essa dinâmica, na qual uma coisa leva a outra, como uma boa história, envolve todos os atores, as músicas, os gestos, os movimentos. Tudo se interliga. Praticamos, realmente, a encenação do coletivo e com a percepção de que a gente está junto como um corpo só”, explica Karen.

Além da peça, haverá a instalação artística Estrelas criadas com os olhos das mãos, com o olhar do coração, da artista Rose Queiroz. Deficiente visual desde os 12 anos de idade, a artista trabalha com a memória visual e com a curiosidade natural. No corredor que dá acesso ao teatro, a partir de uma ambientação sonora do mar, o público irá imergir no universo do espetáculo por meio da representação de estrelas em formas, cheiros e sensações diferentes.

“Acho que a principal mensagem é sempre de acreditar nos seus sonhos, no que você almeja, no que deseja, mesmo com todas as circunstâncias, mesmo com tudo que as pessoas podem falar, dizendo que você não é capaz de conseguir, ou por acharem seu sonho muito pequeno e diminuírem aquilo que tanto deseja e almeja. Por outro lado, enquanto existem essas pessoas, existem aqueles que estarão ali para te ajudar”, afirma Felipe. “O ponto principal do projeto é o que é se enxergar, o que é ver e não ver, com que olhos a gente vê o mundo lá fora e aqui dentro, quais são as percepções sobre o olhar. Só que tudo isso dentro de uma história de um menino que sai em busca de uma estrela”, resume a diretora Karen.

Musical O pescador e a estrela

De hoje até 21 de março. No teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-DF), SCES, Trecho 02, lote 22. De sexta a domingo, às 17h. Ingressos à venda no site Eventim, R$ 30 (inteira) e R$ 15 (clientes BB com Ourocard e meia-entrada para estudantes e professores, crianças com até 12 anos, maiores de 60 anos, pessoas com deficiência e suas acompanhantes e casos previstos em Lei). Não recomendado para menores de 5 anos.

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