Para Aislan Pankararu, artista indígena e estudante de medicina na Universidade de Brasília (UnB), o processo de cura para este tempo está dentro de nós. Mais precisamente, na ancestralidade e na cultura do seu povo, os Pankararus, que conta com 6.500 pessoas, nos municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, em Pernambuco. “Muitas vezes estamos longe e distantes, sonhando com coisas inacessíveis e mirabolantes, e esquecemos de nossa essência e que esse processo de cura está, na verdade, dentro de nós”, afirma.
Aislan traduziu essa busca pela esperança, pela cura e por dias melhores na exposição Yeposanóng em cartaz no Memorial dos Povos Indígenas. A expressão que intitula a mostra resume, inclusive, essa invocação da limpeza do corpo e da alma em favor da vida. “É a busca da cura dentro de nossa realidade, retrata muito do que queremos para esse momento que estamos vivendo, limpeza e celebração da vida. Além disso, é uma grande carta de amor para minhas raízes”, detalha o artista.
Em trabalhos que exploram as cores, os símbolos e evocam o barro branco usado em pinturas corporais identitárias dos Pankaraus, o artista evidencia a cultura e a tradição dos povos indígenas “para superarmos e celebrarmos a vida coletivamente”. “É tempo de buscarmos esses processos para darmos seguimento em uma vida com alma mais leve. A resposta que eu busquei para esse momento está em aspectos culturais que envolvem toda a cosmologia do povo Pankararu e como eles lidam com a vida e a importância que dão à coletividade”, acrescenta.
“Quando entrei em contato com o Aislan, no ano passado, surgiu a ideia de pensar uma curadoria a partir do cenário e dos desafios que 2020 nos trouxe. Queríamos seguir por uma linha mais tênue e, por isso, você poderá ver muitas cores no trabalho do Aislan, cores que ele nunca havia experimentando em seus processos de criação e trouxe especialmente para a exposição”, explica a curadora Rafaela Campos Alves.
Força feminina
Yeposanóng também traz cartas de uma familiar de Aislan, Elisa Urbano Ramos, para personificar a figura feminina tão importante para os Pankararus. “Todos os trabalhos são inéditos a não ser A guardiã que achamos que seria muito importante ter na mostra já que para os Pankararus a figura feminina é vista como a mãe da criação, a mãe natureza, que protege tudo em que há vida. A obra retrata a força e os saberes milenares da mulher Pankararu. Para representar essa força e voz feminina, convidamos a Elisa para buscarmos ainda mais aprendizado e entender o papel da mulher na cultura de seu povo”, completa Rafaela.
Além de artista plástico, Aislan é estudante de medicina e residente do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Conciliar as duas carreiras não tem sido fácil, principalmente, neste momento. “ Mas a arte tem entrado na minha vida para me acalmar, enxergar ainda mais possibilidades de seguir em frente. Às vezes fico em atrito interno me questionando sobre essa conciliação, mas vejo a arte como uma grande parceria terapêutica”.
Pintar e se expressar artisticamente é ainda, para Aislan, uma forma de se manter conectado com os ancestrais e seu povo. “Procuro sempre me conectar para ver a beleza que meu povo tem. Evidenciar isso é mostrar que essa resistência originária é importante para mim. A arte tem me ajudado bastante e mesmo distante tenho essa conexão”.
Três perguntas para // Rafaela Campos Alves, curadora
O que é a exposição Yeposanóng?
Yeposanóng não é apenas uma exposição com obras e pinturas do Aislan Pankararu, ela é sobre cura. Sobre curar-se de corpo e alma nesse cenário devastador ao qual estamos vivendo. Para essa exposição queremos construir um alicerce de proteção, sentimentos de amor, cuidado e, principalmente, de mudança. Adentrar em Yeposanóng é mergulhar no processo de cura, representado pelo artista através da festa da Corrida do Imbu: a celebração da existência, pela vida.
O que te chamou a atenção no trabalho do Aislan e por que dessa exposição?
Já conhecia o trabalho do Aislan e sempre achei muito singular a forma como ele utiliza a arte para expressar sua própria cultura, uma conexão espiritual, resistência, uma força para enfrentar os desafios, mas sem perder sua conexão com os seus ancestrais. Ele se conecta com seu povo através da arte! Esse processo de criação dele é regido por uma força imaterial que ele carrega consigo ao representar o seu povo através das artes. É uma forma de resistência que vem através dessa energia, força e ancestralidade que os povos indígenas sempre tiveram e carregam consigo. A ideia da exposição vem para nos trazer essa força, resistência, proteção e cura, que os povos indígenas sempre nos ensinaram e insistimos em não querer aprender. Nesse desafio que está sendo enfrentar a perda, a criar uma nova rotina, viver nesse tempo caótico de pandemia é uma ótima oportunidade para pararmos e escutarmos o que esses povos tem a nos ensinar. Vem para entendermos que precisamos de uma renovação, de olhar mais para o outro e não só para si. É para aprendermos a nos curar de dentro para fora.
Qual a relevância e a importância desse olhar para a arte e a cultura indígena, sobretudo, agora?
Ao longo da história, os indígenas foram silenciados e suas perspectivas são rotineiramente invisibilizadas. Através da arte é que grande parte da cultura e diversidade desses povos é preservada e pode ser usada como forma de expressão, comunicação e resistência. É preciso visibilizar essas narrativas, sejam elas através da arte, dos rituais, das crenças, etc. e entender a importância que os indígenas têm em nossa existência, são eles que mantém o equilíbrio ecológico, e que têm resistido a tantas pandemias. É tempo de escuta, valorização da cultura e da arte indígena, é chegado o tempo de exaltar o conhecimento e sabedoria ancestral.
Serviço:
Yeposanóng
Exposição no Memorial dos Povos Indígenas. Até 2 de maio. Visitação de sexta a domingo e feriados, de 9h às 15h.
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