Música

Instrumentista Suka Figueiredo inicia carreira solo com o single 'Caminho de mármore'

A estreia da carreira solo de Suka na música instrumental é apenas o começo de um caminho ambicioso: a busca por autonomia, quebra de paradigmas e representatividade

» Devana Babu*
postado em 08/02/2021 17:50 / atualizado em 08/02/2021 19:34
 (crédito: Lucas Silvestre/Divulgação)
(crédito: Lucas Silvestre/Divulgação)

A flautista e saxofonista Suka Figueiredo, que trabalhou com artistas como Funmilayo Afrobeat Orquestra, As Baías, Samuca e a Selva e Buena Onda Reggae Club, lançou recentemente o single Caminho de mármore, que dá início à trajetória solo dela na música instrumental. "Caminho de mármore, na verdade, significa o caminho que eu venho trilhando desde o finalzinho de 2018. Comecei a trilhar um caminho muito intenso, duro, mas muito bonito, também”, explica a musicista, em entrevista ao Correio.

O single, disponível nas plataformas digitais de música, dará nome, também, ao EP em que ela vem trabalhando, mas que ainda não tem data de lançamento. "Eu descobri, durante a quarentena, que, quando estou muito ansiosa, eu não consigo desfrutar das minhas vivências. Estou tentando dar uma aplacada na minha ansiedade", explica a carioca, que vive em São Paulo desde 2014. "Quando tenho prazos, fico muito ansiosa, e acabo não curtindo. Estou deixando fluir porque é meu primeiro trabalho solo, depois de compor tantos projetos na cena independente de São Paulo. São Paulo tem muito essa característica: a gente está sempre trabalhando sob pressão", explica. "Como não sou de São Paulo, a minha lida passa muito por isso, estar sentada no sofá, de boa, e ficar pensando em trabalho. Então estou tentando controlar a ansiedade."

O caminho

Após se mudar para São Paulo, Suka passou em um concurso e foi trabalhar na prefeitura, mas não foi uma boa experiência para ela. Por volta de 2018, passeando pela cidade, deparou-se, no distrito do Butantã, zona oeste de São Paulo, com uma apresentação do projeto Jazz na Kombi, que daria novos rumos para a vida dela. "Vi aquele negão maravilhoso, com cabelo loiro, de terno, segurando o sax e pensei: ‘Caramba, é isso!'", relembra.  Começou a procurar por aulas e descobriu, na rua em que morava, uma escola de música, na qual começou a estudar saxofone como um hobby.

No segundo semestre daquele ano, prestou concurso para a Escola Municipal de Música e passou a estudar profissionalmente. A partir dali as portas começaram a se abrir. "Em São Paulo, um artista iniciante sempre precisa ter alguém para validar o que faz. As pessoas procuram alguém, geralmente um homem branco, para validar o que você faz. Sempre que surgia algum trabalho, (a pergunta) era: 'Você estuda onde, com quem?'", descreve. "Quando eu comecei a estudar com o Samuel Pompeo, era como se fosse uma carteirada. E isso é horrível, porque você fica à prova o tempo inteiro, e muitas vezes não consegue espaço para se expressar. É mais um motivo para eu fazer o meu próprio trabalho: fazer as coisas acontecerem pelo meu ponto de vista, e não pela régua dos outros" declara.

Na escola, começou a cultivar amizade com outros músicos. "Meus ídolos, das bandas que eu admirava, passaram a ser meus amigos, então eu me inseri na cena musical paulistana por meio de relações amistosas, e as coisas começaram a acontecer, porque eu já tinha uma relação com essa pessoas", recorda.

O caminho está apenas no começo, mas Suka tem grandes ambições, não por vaidade, mas por consciência racial e de classe. "Daqui a alguns anos, me vejo em grandes palcos, de grandes festivais de música instrumental, onde os headliners geralmente são homens brancos, mais velhos, como essa figura de uma mulher instrumentista, negra, fazendo o front de uma banda", declara. “Eu espero, pretendo e almejo quebrar esses padrões para ser referência para as próximas gerações. Por que (a musicista negra) tem que ser sempre uma cantora? Por que é sempre relacionado à voz, não a um instrumento como saxofone, piano ou baixo? Minha ideia é representar as mulheres instrumentistas brasileiras, sobretudo as mulheres negras."

O mármore

Quando estava em turnê no Rio de Janeiro com o espetáculo Gota d’água preta (baseado na peça de Chico Buarque), Suka começou a pensar e se desafiar a fazer as próprias composições, coisa que até então não havia experimentado. "Não quero mais esperar que as pessoas me chamem para tocar. Quero dar um rumo para minha carreira enquanto musicista", pensou, na época. "Eu me propus a sentar e compor. É um processo que demora muito tempo. Caminho de mármore demorou dez meses para ficar pronta, uma faixa. Pode parecer fácil, mas, até a coisa acontecer, é muita imersão, muita entrega", reflete, mas pondera que a composição é, também, o fruto de um trabalho árduo, e não de uma inspiração divina. "Eu já estava com umas ideias, e ouvindo muito uma banda chamada Kokoroko, e troquei uma ideia com Felipe Pizzu. Tentei não romantizar muito esse lado da composição. Às vezes, as pessoas romantizam que você tem que estar imersa... não é assim. Se você senta na frente do instrumento e esmerila, ele te dá alguma coisa", afirma.

Polimento

Neste processo de imersão consciente surgiram, até o momento, quatro músicas, que integrarão o EP. "Geralmente, quando estou compondo, estou imersa em alguma emoção ou sensação. E essas sensações, o ambiente, o momento em que estou pensando na melodia ou em uma linha de baixo é que compõem esse cenário", contextualiza. "Eu estava em turnê com o espetáculo, e a gente estava em um hotel totalmente de mármore, liso, e o caminho estava muito intenso, e acabei batizando meu primeiro single como esse nome", diz. "Cada faixa é um 3x4 de algum momento difícil que eu estava atravessando."

O processo de composição de Suka passa sempre pelo parceiro Felipe Pizzutiello. "Um parceiro, amigo de vida", descreve. "Eu começo, sempre, pela linha do baixo, pela base da música, e, depois, vêm as melodias de sopros. Me pinta uma linha de baixo, eu solfejo para ele, ou mando referências, ele grava para mim e eu passo alguns meses trabalhando nas linhas das músicas", detalha.

A grandes influências, confessas, de Suka, são os instrumentistas Melissa Aldana, saxofonista chilena,“que tem um som muito potente de saxofone tenor", e Moacir Santos, a quem dedica uma espécie de devoção. "Ele é uma influência muito expressiva na minha caminhada. Em cada faixa, com certeza, vai ter alguma coisa que remeta ao mestre. É o que eu mais escuto, durante muitos anos, e tenho escutado agora", conta.

Outras influências mais recentes vêm da música pop em espanhol, como a cantora Nathy Peluso, "a força dessa cantora e a sinceridade das composições dela tem me tocado bastante", Xênia França, "que é uma potência incrível. O EP instinto, dela, tem tanta verdade acumulada com anos de vivências, que a música dela tem falado comigo em todos os momentos", e música da argentina, onde ela esteve no ano passado. "Mergulhei em um álbum do Piazzola chamado Summit, com Gerry Muligan. Esse álbum me abriu a cabeça com a possibilidade de trazer o saxofone para o tango, e o bandoneón para o jazz".

Todas essas influências e vivências resultam em um estilo único, que vem sendo polido pela instrumentista: "Eu definiria minha música como música moderna, contemporânea. Tento trazer, nas minhas composições, as bases mais tradicionais, que fazem parte da minha caminhada musical, e trazer isso para o agora. Tento misturar elementos eletrônicos, inclusive. Essa conversa com o tradicional e o moderno, dentro dessa visão sul-americana que eu estou tentando trazer para o meu som, é a cerejinha desse EP."

 

 

*Estagiário sob a supervisão de Roberta Pinheiro

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