Zélia Cristina era uma adolescente, estudante de segundo grau do Colégio Marista, pelo qual jogava no time de basquete, que gostava de cantar em reuniões de familiares e amigos, quando, em 1981, subiu ao palco da Sala Funarte para fazer o primeiro show, ponto de partida da trajetória artística. Em cena, dirigida pelo ator Marcelo Saback, ainda insegura, já exibia bela voz de timbre grave ao interpretar canções de Milton Nascimento, Itamar Assumpção e outros grandes nomes da MPB.
Um ano depois, ao lado de Cássia Eller, integrou o elenco do musical Veja você, Brasília, idealizado e dirigido por Oswaldo Montenegro, que cumpriu temporada de sucesso na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Com maior traquejo passou a se apresentar em casas da cidade, como o restaurante Amigos, na 105 Norte, e um barzinho no Gilbertinho (QI 11 do Lago Sul). Zélia, porém, demorou algum tempo para gravar o disco de estreia. Em meados de 1990, quando lançou o LP Outra luz, pelo selo paulista Eldorado, já estava morando no Rio de Janeiro, onde chegou a exercitar a faceta de atriz, em peças teatrais.
O Brasil só veio tomar conhecimento da cantora e compositora após o lançamento, em 1994, do CD intitulado Zélia Duncan — nome que adotaria artisticamente. A responsável pela sua apresentação ao grande público foi Catedral, versão de Cathedral song, canção da canadense Tanita Tikaram, que obteve muita popularidade ao ser incluída na trilha sonora da novela A próxima vítima, de Sílvio de Abreu. A partir dali, a carreira da cantora deslanchou. Desde então, ela contabiliza mais de 20 títulos em sua discografia — incluindo álbuns de estúdios e os gravados ao vivo —, além de seis DVDs e vários hits.
Minha voz fica é o trabalho mais recente. Com produção musical de Ana Costa, Zélia interpreta músicas compostas por Alzira E (irmã de Tetê Espíndola). “A obra de Alzira E sempre esteve na minha lista de desejos. Dela, já havia gravado Chega disso, no meu DVD Pré pós tudo bossa band; e Kitchnet, no álbum Amigo é casa, que fiz com Simone”, destaca a artista, nascida em Niterói, que morou em Brasília até os 21 anos.
O CD que chega nesta sexta-feira às plataformas digitais, é um projeto do Joia Moderna, selo do DJ Zé Pedro. Beijos longos, parceria de Alzira E, Arruda e Jerry Espíndola, foi o primeiro single lançado. Entre outras músicas, o repertório traz Ouvindo Lou Reed, também de Alzira E, e Arruda; O que me levanta a saia e Solidão, compostas com Alice Ruiz e Lucina, respectivamente; além de Fica, da compositora mato-grossense e Zélia Duncan.
Em A minha voz fica, Zélia é acompanhada apenas pelo jovem músico violonista gaúcho Pedro Franco. Os dois haviam trabalhado juntos em outros projetos. “Quando nos reencontramos para ensaiar, os arranjos foram aparecendo naturalmente. Foi superimportante conversar sobre as letras das músicas. As mensagens parecem ter encontrado o tempo perfeito para serem ditas por Zélia, e eu estava feliz da vida de estar acompanhando e recebendo esses conselhos em forma de canções”, ressalta Pedro.
Ao Correio, Zélia Duncan concedeu entrevista exclusiva em que lembra do período que viveu em Brasília, de sua trajetória artística; falou sobre o que fez no período da pandemia, incluindo a gravação do CD Minha voz fica, com o qual dá início às comemorações dos 40 anos de carreira artística. Com veemência, critica a maneira como o Brasil vem sendo administrado. Concluiu afirmando: “Precisamos das ruas. Temos muito o que fazer”.
» Entrevista / Zélia Duncan
O que a adolescente Zélia Cristina projetava ao estrear em palco, na Sala Funarte Brasília (hoje Cássia Eller), há 40 anos?
Eu começava a sonhar em um dia gravar um disco e ver o que aquela paixão me proporcionava.
Que avaliação faz de quatro décadas de carreira artística?
Que o mais importante é o caminho, que a roda gira e nem todos os momentos são de exposição, que o mais prazeroso é estar em conexão com o que te traduz e te faz feliz como artista.
Participar do musical Veja você Brasília, de Oswaldo Montenegro, aqui na cidade, foi importante para sua carreira?
Foi um marco daquela primeira fase. Contato com Oswaldo e seu universo e conhecer Cássia, foram coisas fundamentais pra mim. Oswaldo é um amigo querido até hoje.
Houve dificuldade, inicialmente, para se inserir na cena musical brasileira, ao se instalar no Rio de Janeiro?
Existe um percurso individual, onde não acredito em atalhos. Ralei muito e tenho orgulho disso, sabe?
A gravação de Catedral deve ser visto como um marco na sua relação com a indústria
fonográfica e com o público?
Foi quando eu adentrei realmente e minha vida mudou. Sem dúvida um turning point pra mim.
Pertencer à geração que revelou, além de você, cantoras como Cássia Eller, Marisa Monte e
Adriana Calcanhotto tem que representatividade?
É uma geração forte e hoje, aos 56 anos, percebo melhor como nossa presença marcou a vida das pessoas. E a mistura de nossas influências fizeram bem às nossas canções, acredito. Personalidades muito diferentes, que encontraram seus espaços e assinaram os anos 1990, com vários outros artistas.
Entre os muitos discos que lançou, há aqueles que coloca em destaque? E por quê?
Zélia Duncan, onde consegui imprimir uma assinatura e me revelar. Em Sortimento, o nome já diz, abri as parcerias, comecei a me diversificar muito. Eu me Transformo em outras — o momento onde a MPB, que sempre morou em mim — foi registrada em disco e muito bem acompanhada, de Marco Pereira, Hamilton de Holanda, Gabriel Grossi com músicas de Marcio Bahia. Há ainda Amigo é casa, com Simone; Mutantes em Londres, Pelo sabor do gesto, um álbum cheio de sutilezas e parceiros que adoro, Tudo esclarecido, só de Itamar Assumpção; Tudo é um, produção de Christiaan Oyens; Eu sou mulher, Eu sou feliz, parcerias com Ana Costa e 16 intérpretes mulheres; e agora o Minha voz fica, com músicas de Alzira E, gravado com o violonista gaúcho Pedro Franco. Tem ainda o que está sendo mixado, todo feito em isolamento. São 14 parcerias com Juliano Holanda.
Para sua história ter sido por um momento vocalista dos Mutantes, ocupando o lugar que pertenceu à sua parceira (em Pagu) Rita Lee teve que importância?
Foi um sonho muito bonito, que tinha mesmo que terminar.
Como consegue tempo para realizar tantos projetos de música e de teatro?
Tempo é prioridade, decisão, eu decido e vou fundo!
Para celebrar os 40 anos de carreira, gravou o álbum Minha voz fica, com canções de Alzira E. Há outros projetos à vista para 2021?
O álbum que estou mixando agora é um documento desses meses em isolamento e deve sair em maio/junho, tem particularidades interessantes. Um clipe em 3D, todo feito à distância, da música Medusa, minha com Zeca Baleiro, direção de Clarissa Ribeiro e Lorre, trabalho de 3D, de Barbara Cani. Nunca tinha feito nada assim.
Ocupou bem o tempo na interminável quarentena, determinada pela pandemia da covid-19?
Sim. Muitas músicas foram feitas com vários parceiros, além de dois discos.
Embora se preserve, os sites de fofoca costumam expor aspectos de suas relações afetivas. Isso a incomoda?
Nem um pouco, cada vez menos. Claro que mentiras são mais venenosas e invadiram o Brasil, mas quem vive de fofoca merece desprezo, no máximo um tanto de pena.
Elogiada por sua militância política, como avalia a situação do país no sombrio tempo que estamos vivendo?
Estamos na lama com esse governo. Maltratados como povo, como país, entregues à ignorância violenta. Mas as coisas estão mudando um pouco, demos passos importantes também em termos de consciência e resistência. Precisamos conseguir superar os repugnantes atos de corrupção em relação à vacina, precisamos das ruas. Temos muito que fazer.
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