Depois de mais de cinco décadas guardados e distantes do público, mais de 200 desenhos da pintora Tarsila do Amaral retornam às paredes de um museu. É a exposição Estudos e anotações de Tarsila do Amaral, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira, no FAMA Museu e Campo - Fábrica de Arte Marcos Amaro, no interior de São Paulo. São desenhos raros, esboços e estudos que ajudaram na formação do pensamento artístico da pintora e, por vezes, serviam de base para a obra pictórica, vertente mais conhecida e pela qual é aclamada. "A exposição traz a luz ao grande público, pena que numa época tão difícil de visitação, uma coleção muito rara e que ficou guardada durante algumas décadas. Acho que essa exposição retrata todo o percurso do desenho de uma artista daquela geração, da geração dela. Um percurso que ela teve como aprendiz de desenho e é a base do que ela desenvolveria depois", detalha Aracy.
Ao chegarem ao acervo da instituição, com danos ocasionados pelo tempo e pela falta de cuidados museológicos, as obras foram submetidas a um minucioso processo de restauração. Produzidas entre 1910 e 1940, elas registram as várias fases da artista e apresentam temas recorrentes em sua linguagem, como as vistas de viagens que ela fez pelo Brasil afora, desde as bucólicas cidades históricas mineiras, até suas andanças pela Europa e passagem pelo deserto do Egito.
O material era desenhado em pequenos cadernos de bolsa que Tarsila carregava. "São desenhos rápidos, mas que são reveladores por mostrar o traço dela como aprendiz e posteriormente os desenhos que ela faz na academia em Paris, depois certos abstratos", comenta. A mostra traz as imagens desenhadas durante viagem a Minas Gerais que inspiraram os escritores modernistas. "Ela vai fixando esses lugares com seu traço completamente livre, mas com uma inventividade que vamos ver depois em A negra. É um traço que flui sobre uma folha de papel naqueles cadernos e deixa um rastro de sensibilidade, de delicadeza e ao mesmo tempo é uma pontuação do que ela está vendo", descreve Aracy.
Para a curadora e também autora do livro Tarsila. Sua obra e seu tempo, a recente valorização da obra de Tarsila é o resultado de um conjunto de fatores. Na avaliação dela, a década de 40 no Brasil estava muito focada na figura de Portinari e Tarsila pintava de uma maneira mais quieta, longe dos holofotes. "Ultimamente, também se fala muito desse desejo de descobrir o que a mulher artista fez. O Brasil é um país que tem muitas artistas mulheres, artistas que se destacam em todas as correntes de arte desde a segunda década do século 20. As mulheres têm um papel muito importante. Outro fator, poderia ser a raridade do número de boas obras dela que existem disponíveis", avalia. Aracy também pontua sobre a valorização tardia desses artistas. "O fenômeno do mercado de arte é uma coisa para certas gerações, é algo muito recente, para artistas que surgem nas décadas de 1980 e 1990. Não existia essa presença massiva do mercado sobre a obra dos artistas".
A curadora avalia que Tarsila projeta nas obras dois períodos do país. "Na fase pau-brasil, observamos um Brasil caipira, interiorano, colorido. Já na fase antropofágica, um Brasil violento, forte", descreve. É importante, portanto, conhecer todas as fases dos artistas brasileiros, além da trajetória deles. "A obra é o conjunto desse percurso", define.