Com as facilidades dos serviços de streaming e das mídias sociais, o mercado da música sofreu uma forte alteração. Artistas iniciantes, agora, têm a chance de, com os próprios recursos, alcançarem a fama e serem ouvidos por pessoas em todo o mundo. No entanto, para gravar em grandes estúdios, o valor é alto, mas, aos poucos, uma nova possibilidade foi se estabelecendo como a mais viável para os novos tempos da música: o home studio.
Esse espaço nada mais é do que ter o aparato de gravação e finalização das músicas em casa. Profissionais da música, como engenheiros de som e produtores, perceberam que muito do que era feito sob a pressão do valor por hora em grandes estúdio poderia ser realizado em casa na mesma qualidade. Eles então começaram aos poucos um processo de migração para os próprios home studios.
“Vale mais a pena gravar no próprio tempo, em casa, fazendo 100 vezes a mesma coisa, até ficar bom, do que pagar duas horas caras de estúdio e ter que fazer correndo”, aponta Daniel Félix, engenheiro de som, que trabalha há mais de 20 anos com a banda Natiruts. Segundo o especialista, o estúdio é uma ferramenta que nunca vai se sobrepor à criatividade e ao trabalho do músico. “Uma boa gravação não substitui talento. Às vezes, nem está tão bem gravado, mas tem tanta musicalidade e emoção que atinge as pessoas do mesmo jeito”, acrescenta.
Para Nahuel Bronzini, arranjador, produtor e engenheiro de som argentino, vencedor do Grammy pelo trabalho no álbum Please don’t be dead, de Fantastic Negrito, o trabalho em grandes parafernálias está, pouco a pouco, perdendo espaço. “Muitas vezes, você só está pagando para ter a experiência de gravar em um estúdio”, afirma o profissional. “Claro que tem o equipamento, mas se você sabe o que você faz, pode gravar em alta qualidade com bem pouco equipamento”, completa.
“Eu amo os estúdios e acho que eles têm uma mágica. Há algo especial em poder ouvir o que você está tocando em boas caixas de som, amplificadores. Tem um ritual em todo este evento de gravar”, admite Bronzini, que trabalha concomitantemente no próprio home studio e no Airship Laboratories Studios, ambos na Bay Area de San Francisco, Califórnia. “Contudo, quando um artista vai para um estúdio. ele tem o sentimento de que tem que entregar tudo naquele momento, ele precisa acertar, tem a pressão das pessoas em volta. Então, algumas pessoas estão preferindo experiências diferentes”, explica.
Agilidade
“Comecei com o home studio por necessidade”, explica o produtor e músico Jojo Baby, que recentemente lançou o EP de estreia Sonho-miragem, parte uma trilogia que será toda apresentada em 2021. “A maioria dos estúdios é de artistas ou muito caro. Para quem está começando, fica difícil”, destaca Jojo. O beatmaker começou com alguns equipamentos emprestados e, conforme foi se desenvolvendo, conseguiu comprar os próprios aparelhos.
Jojo acredita que o home studio é a cara da nova geração. “Com certeza, é algo que chegou muito forte de uns anos para cá, principalmente, com a onda hip-hop e no rap crescendo, além do rock independente. Eu diria que ele se tornou imprescindível para lançar carreiras artísticas”, pontua.
“Eu acredito muito que uma pessoa pode tirar, em casa, o mesmo som de um estúdio grande, de um milhão de reais”, afirma Vivian Kuczynski, cantora e produtora musical da promissora nova cena da música alternativa e indie brasileira. Com dois EPs e um álbum, todos gravados e finalizados no próprio home studio, a musicista acredita que o futuro da música pode sair da casa de cada artista. “Não tem mais essa de estúdio caro, dá para fazer grandes sons só com o computador”, avalia a cantora.
Uma das principais qualidades do home studio está no fato de que o público ganha mais com os artistas tendo o espaço de gravação em casa. “O home studio permite que eu tenha uma ideia e vá gravar logo depois, coisa de apertar um botão”, exemplifica Vivian. “Às vezes, as coisas são muito mais simples do que parecem”, continua a artista, sobre o próprio processo de gravar músicas.
Papel da pandemia
Apesar das regras de distanciamento e isolamento social terem adiantado alguns processos, como home office e as aulas on-line, não foi só por conta da crise sanitária que o home studio ganhou força. “A pandemia acelerou o processo de colaboração entre os músicos, mas o processo de comprar aparatos para home studio é anterior”, conta Daniel Félix.
Segundo Nahuel Bronzini, o que realmente mudou é que os músicos estão tendo mais interesse no home studio, mas que já se produzia com o método bem antes da pandemia. “Eu trabalhava no meu home studio antes da pandemia, muitas das coisas que faço, se dão aqui, de uma forma ou de outra. Pessoalmente, a pandemia não mudou muito o trabalho que faço”, diz o vencedor do Grammy de Melhor álbum contemporâneo. “Este momento fez com que muitas pessoas aprendessem sobre o nosso trabalho. Porque foram forçados a gravar as próprias coisas de casa, e isso até que é bom, tanto para nós quanto para eles”, finaliza.
* Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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