Dança

Foco Cia de Dança apresenta 'Mamadook' no Cine Drive-in

Espetáculo foi gravado em 2020 e será apresentado em forma de vídeo no Cine Drive-in em duas sessões

Roberta Pinheiro
postado em 14/01/2021 15:01 / atualizado em 14/01/2021 15:01
 (crédito: Tayla Retratos e Oneclic/Divulgação)
(crédito: Tayla Retratos e Oneclic/Divulgação)

Estreia, nesta quinta-feira (14/1), o espetáculo de dança contemporânea Mamadook, da companhia brasiliense Foco Cia de Dança em parceria com o coreógrafo paulista César Dias. Em cena, um corpo de baile, formado por oito bailarinos, vai dar vida a uma deusa pagã que rege as forças e a vida na terra. Concretizado durante a pandemia do novo coronavírus, o trabalho será transmitido, em formato de cinema, em duas sessões no Cine Drive-In de Brasília.

A apresentação, a partir de fortes e amplos movimentos do corpo, propõe um diálogo entre a antiguidade e a modernidade, resgatando essa deusa pagã como ponto de partida para abordar questões contemporâneas. "É muito delicado para um homem querer falar do universo feminino, mas Mamadook é muito mais uma exaltação da figura feminina, pelo respeito que eu tenho pelas mulheres, que vem muito da minha família", descreve o coreógrafo César Dias. O paulista é um dos quatro filhos de uma mãe solteira. "É como se dedicasse a história de um balé, mesmo que inconscientemente, para a minha família. Cresci somente entre mulheres. A figura feminina e matriarcal é muito forte para mim e muito presente desde que sou criança".

No espetáculo, Dias e a Foco Cia de Dança querem mostrar, por meio da arte e da dança, a vitalidade feminina. "Nós viemos da mulher, ela é a fonte da vida, tem a potência e a vida dentro delas que elas doam aos outros", comenta o coreógrafo. Mas além dessa exaltação do papel feminino na sociedade, a apresentação também toca na ferida, como descreve Dias, ao abordar o quanto a mulher é negligenciada e desrespeitada. Essas questões e desdobramentos são trazidos ao palco ora pela solista Bárbara Albuquerque, que interpreta a deusa pagã, ora pela simbiose dos bailarinos em metáfora à simbiose da mulher com as crias. "Minha utopia é que desde aqueles tempos antigos, a gente continue numa certa exaltação da mulher como norte de tudo em nossas vidas. Como aquela que mostra caminhos e direciona", comenta o coreógrafo.

Mamadook
Mamadook (foto: Foco Cia de Dança/Divulgação)

Questionado sobre a relação da arte com as manchetes que, assustadoramente, noticiam casos de feminicídio, Dias afirma que a arte sempre será um raio-x do que a sociedade vivencia. "Sempre vai denunciar, mostrar, evidenciar o que poderia ser mudado. Ela vem quando não existe mais palavras, algo racional que a gente exprima o que deveria falar e sentir, então, ela supre essa lacuna", acrescenta. Apesar de trazer esse debate, Mamadook é, antes de tudo, o oposto dessa negligência, dessa opressão. "É uma adoração", explica o coreógrafo. "Para mostrar que as mulheres são fortes, que têm que ser adoradas e respeitadas e que têm que ficar em evidência. E quanto mais mostramos isso artisticamente, em espetáculos, teatro, a gente vai conseguir chegar em algum lugar diferente", acrescenta.

Para a coreógrafa e produtora Naedly Franco, participar da criação de Mamadook propiciou a bailarina momentos de questionamentos sobre a dança. "Sobre o meu fazer e o meu contribuir para o grupo. Era preciso ressignificar a movimentação para algo que fizesse sentido para mim", descreve. "Participar da produção desse espetáculo e ser produtora é ser um personagem de referência. Ser uma mulher a frente de uma produção de uma apresentação de dança contemporânea em meio a pandemia é ser uma mulher que tem uma força de vontade extra porque as coisas não foram fáceis. Além disso, como mulher também sofro discriminação. Então, o espetáculo para mim é motivo de muito gorgulho", acrescenta.  

Criação

A primeira ideia de criar a coreografia de Mamadook surgiu em 2016 e, com o passar dos anos, foi crescendo e amadurecendo até encontrar, na Foco Dia de Dança, a oportunidade de realização. "Descobri o grupo pelas redes sociais. Fiz o primeiro contato em 2017 e, pesquisando sobre o repertório da companhia, percebi que o espetáculo se enquadraria na curadoria deles", lembra Dias. "O trabalho investigativo da companhia é muito diferenciado. Tem bailarinos que vieram do clássico, do contemporâneo, do street dance. Isso abre um leque de diversidade de movimento que é muito grande e contribui muito", explica o coreógrafo.

Até as tratativas do trabalho em conjunto serem resolvidas, chegou 2020 e a pandemia do novo coronavírus, que dificultou os encontros presenciais. Uma grande parte do processo de criação do trabalho se deu à distância. "Nunca tinha feito isso na minha vida, foi algo inesperado e diferenciado e um pouco assustador", conta o coreógrafo. "Nas produções, sempre busco levar metade do material já pronto para ver como o bailarino vai dialogar com a minha coreografia. Isso não aconteceu. Fizemos vários ensaios virtuais via Zoom", acrescenta.

Espetáculo 'Mamadook'
Espetáculo 'Mamadook' (foto: Tayla Retratos e Oneclic/Divulgação)

Depois de um primeiro contato, o grupo foi se adaptando à plataforma e lidando com as adversidades de queda da internet, ruídos, ecos e telas espelhadas. "No lugar da cena como um todo, via os bailarinos em telinhas", detalha o coreógrafo. Com tudo quase pronto, chegou a hora de todos se encontrarem presencialmente para acertar os últimos detalhes, reorganizar a cena e gravar o espetáculo. "Depois que se entendeu a mecânica e como funcionava, foi fluindo, foi numa crescente que não parou mais. Apesar do desafio, a tecnologia nos ajudou, porque, se não, não teria conseguido fazer o espetáculo. Mas, sem dúvidas, te leva para um outro nível de criação", afirma Dias.

O diretor de Mamadook e fundador da companhia de dança, Renato Fernandes, avalia que a noite desta quinta-feira tem um significado especial na trajetória da companhia. "Mamadook representa a nossa luta como classe artística e persistência, o grupo completa sete anos em setembro e nem sempre tivemos apoio ou patrocínio, como produtor cultural foi quase impossível sobreviver durante esse período de pandemia, teatros fechados público trancado em casa. Sem dúvida alguma manter a companhia em atividade e ter a possibilidade de levar nosso trabalho ao público, mesmo que a distância, não tem preço".

Três perguntas para Renato Fernandes: 

Sendo homem, como é dirigir e dançar em um espetáculo que exalta a força da mulher?

Acredito que o meu primeiro passo na direção desse projeto tenha sido o de me voltar para o nosso elenco de mulheres dando espaço de fala e colaboração, durante todo o processo nosso elenco que é majoritariamente feminino, esteve envolvido com a criação coreográfica, os anseios e as projeções que nosso coreógrafo César dias tinha em mente. Muito do que será visto partiu dos corpos dessas bailarinas, que brilhantemente dominam a cena, fazer parte disso também em cena me desperta e faz refletir sobre meu local de privilégio

Em 12 dias, o DF registrou dois feminicídios, logo no início do ano, como o espetáculo se relaciona com esses números? O que vocês pretendem abordar por meio da dança e da arte?

Nosso compromisso com a arte é de gerar questionamentos e reflexões em nosso meio, a sociedade está doente e a arte é a cura. Nosso intuito é de gerar discussão, de fomentar o conhecimento, vai muito além de entreter. Ao colocar a mulher num espaço de equidade estamos apenas cumprindo com o nosso dever para uma sociedade mais respeitosa e igualitária

Sendo um espetáculo filmado, como buscaram reproduzir a vivacidade, os movimentos da dança?

Eis o grande desafio. Originalmente o espetáculo havia sido concebido para ser consumido no teatro onde a sinergia é pulsante, porém ao trazer e dar vida a produção de um vídeo-dança, contamos com a cenografia, e iluminação de um grande artista da cidade, Marcelo Augusto, que nos proporcionou camadas e maior textura para a tela, a coreografia visceral desperta o melhor dos bailarinos e essa energia é sem dúvida projetada na tela e consequentemente alcança o espectador.


Serviço:

Mamadook
Direção: Cesar Dias. Elenco: Bárbara Albuquerque, Iago Gabriel, Inara Ramos, Luig Ernani, Lívia Bennet, Naedly Franco, Poliana Araujo e Renato Fernandes
Nesta quinta (14/01), às 19h30 e às 21h30, no Cine Drive-in de Brasília (Centro Desportivo Presidente Médice – Asa Norte). Ingressos: R$ 40, o carro, podendo caber até quatro pessoas (MAMADOOK - Foco Cia de Dança - 19h30 - Sympla). Não recomendado para menores de 16 anos

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