Quando chegou em Brasília, aos 12 anos de idade, Janette Dornelas nunca havia cantado numa ópera. Era 1976 e a filha de uma pianista com um funcionário do Banco do Brasil já havia morado em 11 cidades. Na época, professores do departamento de letras da Universidade de Brasília (UnB) montavam operetas em inglês como estratégia para aperfeiçoar a fluência no idioma entre os alunos. Oito anos depois, em 1984, Janette integraria, pela primeira vez, o coro de uma ópera. Era o início de uma paixão que a faria mergulhar no meio, mas também ajudar a construir a própria cena do gênero em Brasília. A vivência e os acervos acumulados ao longo dos últimos 44 anos forneceram o material para Janette criar o site www.operabrasilia.com.br, que reúne imagens, documentos e textos sobre a história da ópera na capital.
O site é fruto da tese de doutorado que Janette defende nesta sexta (18/12), na UnB. “Meu tema não era a história da ópera no DF, mas escrevi um artigo para uma revista e meu orientador falou ‘poxa você é a pessoa que mais viveu essa história de perto e pode escrever’”, conta Janette. “Tenho um acervo muito grande no qual guardo tudo, cartazes, programas, fotos. Comecei a pesquisar e a ideia inicial era fazer a história toda. Aí vi que seria impossível, porque são muitos anos, então foquei nas décadas de 1970 e 1980, que são as décadas iniciais, e nos últimos anos, com o FAC.”
Segundo Janette, há um vazio entre a década de 1980 e os anos 2000. A década de 1970 foi uma das mais produtivas. Naquela época, produzia-se uma opereta por ano graças à iniciativa do professor Arthur Meskell, um britânico do departamento de literatura que decidiu usar a ópera para ensinar inglês. Em 1978, entrou em cena a figura de Asta Rose, viúva de um grande tenor português que se mudou para a cidade após a morte do marido. Asta passou a produzir óperas em Brasília e tornou-se uma das personagens mais ativas na área até morrer, em novembro de 2016.
Para Janette, o melhor momento da ópera na cidade aconteceu entre 1980 e 1984, quando Eurides Brito assumiu a secretaria de Educação e Cultura. “Ela era pianista e sempre foi apaixonada pela música lírica, erudita. Nessa época foi uma produção por ano, graças a um quarteto fantástico formado por Norma Silvestre, Emílio de César, Norma Lillia Biavaty e Asta Rose, além do apoio da EMB na pessoa do Levino de Alcântara”, conta Janette.
Além das óperas que a própria secretaria e a Fundação Cultural produziam, sobrava apoio para as operetas da UnB e para as produções realizadas pela Escola de Música de Brasília (EMB) e pela Associação de Ópera. “Era um trabalho conjunto”, lembra Janette. “Foram quatro anos de muita atividade no Teatro Nacional. Mas mudou o governo e acabou tudo.”
O site já está on-line e, por enquanto, tem um formato mais iconográfico, com muitas fotos, programas, cartazes e matérias de jornal. “Ainda não deu tempo de colocar, mas consegui outras coisas de outras épocas. Muita gente doou muita coisa, uma parte do acervo da Asta Rose ficou comigo, com cartazes, figurinos originais da década de 1980, partituras”, conta Janette, que descobriu, entre a coleção de Asta, uma série de figurinos criados por Athos Bulcão para Amahl e os visitantes da noite, ópera de Gian-Carlo Menotti encenada em Brasília em 1978.
Na tese, além de contar a história da ópera na cidade, Janette também dedica um espaço especial ao Fundo da Apoio à Cultura (FAC), um mecanismo que ela considera verdadeira conquista para a ópera na cidade. “Eu, Asta e Francisco Frias criamos um fórum, em 2010, e reivindicamos no FAC uma linha só para ópera”, conta. Para ela, Brasília é uma fonte de produção na área, mas o cenário só não é mais constante porque não há espaços adequados para montar as apresentações. “Temos cantores, diretores, músicos, cenógrafos, mas não temos um teatro adequado para óperas e musicais. E a Villa-Lobos não é adequada” avisa. “Pelo formato e pelo material acústico, a voz não projeta bem onde tem veludo e carpete. O chão da Villa-Lobos é carpetado, as paredes e o chão também, as cadeiras são de veludo, não é confortável para o cantor lírico. E é um palco muito grande também.”
Três perguntas para Janette Dornelas
Como você descreveria o momento atual da ópera na cidade?
Estamos num impasse. Temos dinheiro, talvez seja a cidade que tem mais dinheiro pra ópera, poucas cidades do Brasil têm um fundo como o FAC, mas não tem onde escoar a produção. Então a gente faz improvisações. Colocando a orquestra no palco, ou fazendo sem orquestra, ou com orquestra reduzida para poder caber na EMB, por exemplo. Improvisa com a cenografia, porque não tem teatro com varas móveis, e fica inventando coisas para conseguir realizar.
Você diz que tem dinheiro, mas há anos não temos mais os festivais de ópera...
O festival não tem porque a Villa-Lobos fechou. Em 2014, fizemos no Paulo Calmon. A gente está fazendo de três a quatro óperas por ano, mas são produções de médio porte, que atingem público pequeno. Mas na Torre de TV, havia 32 mil pessoas assistindo a Carmem.
Você acha que ópera é uma linguagem elitista e por isso encontra pouco espaço na cena cultural?
É uma luta inglória, mas a questão não é só o governo, é educação. A ópera O telefone tem 27 minutos, já fiz em mais de 50 escolas públicas, para mais de 8 mil crianças, e elas adoram. O erro é na educação básica, quando você oferece para a criança um leque de opções, ela ouve, mas a criança está cada vez mais massacradas e não tem opções. O que tem que fazer é investir em levar a ópera nas escolas, ou levar as escolas para a ópera. Quando a gente faz no Sesc, a gente tenta levar as escolas. Mas é uma luta inglória porque tem um mercado muito forte de música comercial que passa por cima da gente como um trator.