Festival de Brasília

Documentário 'Por onde anda Makunaíma?' resgata o mito indígena

Quarto longa a ser exibido na Mostra Oficial do Festival de Brasília, 'Por onde anda Makunaíma?', de Rodrigo Séllos, atualiza clássico de Mário de Andrade

Uma equipe de cinema que canalizou forças de Roraima, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Rio Grande do Sul e até da Venezuela desembocou em obra que convida à descoberta, ao aprendizado e ao aguçar da curiosidade. O quarto filme da Mostra Oficial Longa-Metragem do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a ser exibido nesta sexta-feira (18/12) à noite, Por onde anda Makunaíma? (de Rodrigo Séllos) entrelaça as figuras de Macunaíma, festejado na literatura, e de Makunaima, mito consolidado entre indígenas, para resgatar a história e denunciar o risco de extinção dos povos originários do Brasil.

No filme, a personagem e o mito se complementam. "Nós, do Sudeste e do Sul, não conhecíamos Makunaima nem o etnólogo Theodor Koch-Grünberg, mas ambos são personagens muito importantes para os roraimenses", explica o diretor, que, em uma pesquisa para a obra MACUXI, com o pesquisador Klaus Schmaelter e a produtora Letícia Friedrich, formou a ponte com parceiros do atual filme em Roraima.

Vigor e resistência garantem a fixação de Makunaima como fundador dos povos originários da tríplice fronteira Brasil-Guiana-Venezuela. Grafado às vezes como Makunaima, outras como Makunaimã, é personagem recorrente entre os Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Wapixana, Akawaió, Arekuna, Kamarakoto, Pemom e Kapon, além de vários outros povos. "São esses Makunaimas que não podem ser esquecidos, esses saberes que não podem ser apagados. E é isso que tentamos amplificar com o filme. Valorizar e respeitar as diferentes culturas indígenas é algo que devíamos fazer desde sempre", demarca Rodrigo Séllos.

Zelando pela autenticidade e força, a produção buscou, por pesquisa de oito meses, validar a densidade de cada ator, cada autor, cada releitura da obra e do mito. "Macunaíma (obra de Mário de Andrade, lançada em 1928 e levada ao cinema em 1969, por Joaquim Pedro de Andrade) é uma obra literária e não um conceito fechado. Assim como Makunaima não é o mesmo a todas etnias”, explica o diretor do filme.

Riqueza

“Buscamos o caldo do molho dessas diferentes histórias, rapsódico, de tempos e registros diferentes. O material de arquivo é riquíssimo e traz consigo uma segunda viagem dentro do filme. É tudo passado e presente”, adianta o cineasta carioca. Perene e “sem caráter”, na visão de Séllos, a representação de Makunaima implica em constante recriação, abraça a contradição, contempla a indecisão e traz caráter volúvel. “Ele é herói e anti-herói ao mesmo tempo. Não há como esquecermos do Macunaíma de Mário de Andrade, da década de 1920, das suas versões cinematográficas nas peles de Paulo José, Grande Otelo e Cacá Carvalho, em plena ditadura militar. Nem dos Macunaímas teatrais de Antunes Filho com a Companhia do Pau Brasil (tornada CPT) e, recentemente, na montagem da diretora Bia Lessa”, sublinha o cineasta.

O documentário em competição na capital examina a assimilação do escritor Mário de Andrade, na qual, sob prisma antropofágico, pesam apropriação, cópia e inspiração em diversos livros e autores, pelo que descreve Séllos. “Mário de Andrade não teve a preocupação documental, tampouco quis criar um retrato definitivo de um brasileiro. Ao ler um dos livros de Koch-Grünberg, em que ele descreve as histórias contadas por seus guias Mayulaípu (Taurepang) e Akuli (Arekuna), Mário conhece Makunaima. Mas seu Macunaíma vem de antes também, pois ele já era um profundo pesquisador de “Brasis”, ciente da pluralidade cultural, folclórica, das diferentes formas de se falar e de se relacionar”, pontua.

Diversidade

O interesse pela pluralidade do Festival de Brasília fascina Rodrigo Séllos, estreante na mostra competitiva. “Os espectadores ganham com isso. Nosso filme não seria produzido hoje, com o desmonte da Ancine. Contamos a história graças à política de descentralização das produções de cinema”, observa. Na luta pela ampliação de expressão e construção de linguagem em cinema, Séllos reforça barreiras. “Há um (des)governo que tem o slogan ‘Deus acima de todos’. Pressupõe que todos tenhamos um Deus, ou que ele seja o mesmo a todos? Um governo que fecha o Ministério da Cultura e asfixia a Ancine, ataca a educação pública, destrói as florestas e ataca frontalmente os povos indígenas e suas terras, desfigura tudo o que toca”, denuncia.

Participar de um dos festivais “mais importantes e tradicionais é uma honra”, nas palavras do cineasta, que lembra da afinidade entre o evento e a figura mitológica central no atual documentário, explorada por Macunaíma (de Joaquim Pedro de Andrade) e Exu-Piá (de Paulo Veríssimo), ambos vistos em Brasília. “É um retorno de Macunaíma a uma de suas malocas cinematográficas. Mas, agora, trazemos também o Makunaima e Makunaimã dos Macuxi, Taurepang, Arekuna, Wapixana, dentre outras etnias que habitam a tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Guiana. É daí que nascem essas histórias”, conclui.

 

Assista

O Festival de Brasília 2020 ocorre de maneira virtual. O filme Por onde anda Makunaíma? será exibido nesta sexta-feira (18/12), às 23h, pelo Canal Brasil. Para mais informações sobre as sessões do festival, acesse cultura.df.gov.br/53-fbcb-programacao


Os longas da Mostra Oficial

Espero que esta te encontre e que estejas bem (PE, RJ, MS)
• (Natara Ney, Documentário, PE/RJ/MS, 83min). Exibido no dia 15

Longe do paraíso (BA)
• (Orlando Senna, Ficção, BA, 106min). Exibido no dia 16

A luz de Mario Carneiro (RJ)
• (Betse de Paula, Documentário, RJ, 73min). Filme cedido pelo Canal Curta!. Exibido no dia 17

Por onde anda Makunaíma? (RR)
• (Rodrigo Séllos, Documentário, RR, 84min)

Entre nós talvez estejam multidões (MG, PE)
• (Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito, Documentário, MG/PE, 92min). Exibição sábado (19/12), às 23h, no Canal Brasil

Ivan, O TerrirVel (RJ)
• (Mario Abbade, Documentário, RJ, 103min). Exibição domingo (20/12), às 23h, no Canal Brasil

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