Acrobacias sob ângulos que evocam o cinema perfeccionista da polêmica diretora alemã Leni Riefenstahl invadem o embasbacante início do filme mais aguardado do ano: Mulher-Maravilha 1984, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (17/12), sob o comando de Patty Jenkins. Ainda sob o manto ditatorial suscitado por Riefenstahl, fundamental ao nazismo, o filme traz uma ressalva na forte mensagem, passível de questionamentos: em massa, cidadãos globalizados são encorajados a renunciar seus desejos.
Anos antes de uma empresa petrolífera se afirmar na trama como organismo “pelo povo, e para o povo” — tudo para permitir a ascensão do vilão Max Lord — uma Mulher-Maravilha ainda criança (espoleta à la Elizabeth Taylor dos filmes de Lassie) ganha uma lição de vida, ao ser apresentada para o incalculável valor da promoção irrestrita da verdade. É o aspecto decisivo na formação da menina que, futuramente, será escalada para combater os personagens vilanescos dos ótimos atores Pedro Pascal (o magnata Max) e Kristen Wiig (a complexada Mulher-Leopardo).
Instrumentalizadas pelos inconfundíveis acordes do compositor Hans Zimmer, as cenas de ação, quase imediatamente se descolam do imaginário inicial avizinhado de Beto Carrero, Cirque du Soleil e companhia. A gótica lenda da pata do macaco, que trata do custo das realizações de sonhos pessoais, norteará grande parcela da trama do filme. Com viés que bebe da caricatura típica das HQs, o roteiro abraça elementos da instabilidade das armas nucleares, salientando ambição e bastidores presidenciais, tudo junto com o relato de decaída da Mulher-Maravilha (Gal Gadot, simplesmente resplandecente).
Sofrimento e colapso cercam os personagens centrais do filme de Patty Jenkins, e, nisso, nem a protagonista escapa. Entre as peripécias com bumerangues, o Laço da Verdade (será inesquecível vê-la enlaçar uma bala disparada) e o jato indefectível, a vitalidade de Diana Prince será ameaçada pelo destino do ressurgente namorado interpretado por Chris Pine.
Uma das coisas que mais impressionam no filme é a capacidade de a protagonista fazer frente ao consolidado retrato de Super-Homem na telona. Na luta contra uma cooperativa chamada Ouro Negro, ela se prova “descolada, especial, forte e sexy”, como confirma a colega Barbara, que acaba por se tornar a Mulher-Leopardo. Derrubadas as potentes questões referentes a assédio na trama, o espectador poderá optar pela torcida entre a loura e a morena. Numa alegoria empolgante, com a armadura carnavalesca de uma ave, em última instância, a Mulher-Maravilha duela contra a felina predadora alfa composta pela atriz Kristen Wiig.