Uma história tocante tecida com a delicadeza de um bordado. Ao narrar a doença e a morte da avó, na ficção Fios, a brasiliense Chris Nóbrega criou uma trama que envolve três gerações de mulheres em uma rede de afeto, compaixão e solidariedade: avó, mãe, filha e neta. O livro (Coletivo Maria Cobogó), com ilustrações de Gabriel Dutra, elaboradas a partir dos bordados de Maria Freitas, foi indicado como um dos cinco finalistas do Prêmio Jabuti 2020, na categoria literatura infantil. Essa é a segunda indicação a uma integrante do Coletivo Maria Cobogó, grupo de escritoras brasilienses. Em 2018, o projeto de incentivo à leitura na escola, coordenado por Claudine Duarte, também ficou entre os finalistas do Jabuti.
A narrativa de Fios ganha mais dramaticidade porque vem misturada com memórias afetivas da infância, gestos de carinho, cuidados depois de quedas, costuras de vestidos, passeios para catar frutas nas árvores, cheiro de cozinha, comidas gostosas. Ela compõe a trama de um bordado de imagens e de palavras. Consegue falar de um tema difícil de uma maneira leve, afetuosa e verdadeira. A ficção não é autobiográfica, mas foi inspirada em uma experiência da autora.
Com o avanço da velhice, a avó materna de Chris ficou muito doente: “A partir da senilidade da minha avó materna, do envelhecimento e da perda de autonomia dos meus pais, eu senti vontade de escrever sobre a finitude da vida e também sobre a diminuição de consciência, não somente para as crianças, mas para as pessoas de todas as idades. Envelhecer ainda é um tabu em nossa sociedade, e pode ser abordado com delicadeza e arte”.
Chris é brasiliense, filha de pai paraibano e mãe do Tocantins. Nasceu em Taguatinga, é advogada da Terracap e tem três filhos. Mas a experiência da doença da avó não foi apenas de perda. Na época, ela morava em Taguatinga e ficou marcada pela intensa solidariedade das mulheres de várias gerações no sentido cuidar da avó. “Eu acho que essa é uma característica muito bonita das mulheres da periferia.”
Chris transformou essa trama de solidariedade na ficção de Fios. O livro quase que pediu para ser escrito. “Era um forte desejo de dividir a história que vivi com minha avó e minha mãe, como no Fios. Mas existia, dentro de mim, uma premência de partilhar com as muitas mulheres que integram nossa rede de apoio: irmãs, sobrinhas, cunhadas, vizinhas, tias e até as amigas da minha mãe. Depois do lançamento do livro, com muita emoção, entendi quão impactante é a história que ele contém.”
Outras obras
Fios é o terceiro livro de Chris; o primeiro foi Júlio, um dinossauro muito especial (Franco Editora), recontado a partir de uma história inventada pelo filho; o terceiro foi A Branca de Leite (Editora C de Coisa), escrito especialmente para uma campanha sobre a alergia à lactose. Desde pequena, ela vivia mergulhada no mundo da leitura, mas sempre interessada no processo de construção do livro.
Quando vieram os filhos, começou a inventar histórias para eles e a imprimir no computador: “Branca de Leite foi escrito para fechar um ciclo, pois eu participei de uma campanha para a rotulagem de alimentos. Em minha profissão de advogada, sempre trabalho escrevendo, mas só passei a me considerar escritora depois de ser indicada para o Prêmio Jabuti. Aí, eu falei: opa, sou escritora”.
Na verdade, Fios nasceu de um desafio lançado por uma consultora literária, depois que Chris contou a história da avó que ficou doente. Tudo no livro foi muito planejado. Chris convidou o sobrinho Gabriel Dutra para fazer as ilustrações. E ele pensou, imediatamente, em usar os bordados da mãe de Chris. Beatriz Rocha fez a edição de arte: “Nós pesquisamos muito outros livros bordados”, conta Chris. “Só deixamos a linha do bordado como ilustração. Usamos um papel especial para dar a experiência sensorial do tecido.
Embora tenha sido concebido especialmente para as crianças, Fios pode ser apreciado por leitores de qualquer idade. É uma história simples, mas de palavras essenciais, que tocam no coração: “Só não envelhece quem morre jovem”, comenta Chris. “É preciso falar sobre isso para as crianças. Mas a leitura dele é universal e não ouso limitá-lo a nenhuma faixa etária. Os relatos de leitores do livro comprovam que é uma história que fala de mulheres, gerações e da finitude dos ciclos emociona e une.”