“Escrevo para me manter vivo”
Armando Freitas Filho, um dos mais importantes poetas brasileiros em atividade, transformou a passagem dos 80 anos de vida, completados neste 2020, em um acontecimento dramático e poético. Sentiu como se tivesse chegado ao ponto final da carreira e da vida. Mais do que nunca, não esperou o sopro das musas e trabalhou, freneticamente, com o sentimento de urgência, para compor uma espécie de testamento poético, em que cabe quase tudo. Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade (CDA), João Cabral, as botas de Van Gogh e de Chaplin, a pintura de Pancetti, os encontros e desencontros do amor, a mulher decisiva, a angústia de pai, as balas perdidas do Rio de Janeiro e a contagem regressiva para a morte. Armando brinda a passagem dos 80 anos com o livro Arremate (Cia das Letras). É um arremesso e um falso ponto final, como observa a crítica Mariana Quadros, pois o poeta já trabalha em novo livro. E, nesta entrevista, Armando fala sobre o significado de fazer 80 anos, a interação com as novas gerações e o sentimento de viver em um Brasil em transe.
Você publica livros a cada três anos e compôs uma obra vasta. De que lugar tira tanta inspiração?
Não sei bem o que é inspiração. Sei o que é expiração, vou indo, fazendo descobertas e a poesia acontece. João Cabral sempre me dizia, meio de brincadeira, que os poetas deviam escrever um poema por dia. A única coisa que sei fazer mais ou menos é escrever. Por isso, publico um livro a cada três anos.
Como é fazer 80 anos?
Fazer 80 anos é fazer 100. Sinto como se tivesse 100 ou, de maneira figurativa, ficasse na ponta do trampolim quando não tem mais nada, não tem água, piscina, mar. De fato, é uma coisa muito forte, que me alegra e me entristece. Afinal de contas, as coisas acabam. Tenho que salvar o máximo que eu possa.
Esse foi o impulso para escrever Arremate?
Percebo como o livro mais completo que fiz, não quer dizer que seja o melhor. Nunca pensei que escrevesse 300 páginas. Era um poema atrás do outro. Eu estava me salvando com isso. Salvar de mim mesmo, escrever é a minha maneira de me manter vivo.
Como é que você vive o cotidiano durante a pandemia?
Cristina, minha mulher, eu e nosso filho Carlos, de 29 anos, advogado, vivemos confinados dentro de casa desde 15 de março. A sorte que é que tenho uma casa com um pequeno jardim, corro ao redor dele. Não aguentaria viver sem sol. Além de tudo, fico sempre pensando que posso cometer um erro e me contaminar. É como se o governo de hoje e o vírus formassem uma coisa só.
O que te alimenta e o que te alenta?
Basta abrir o jornal ou ouvir o rádio para saber que está acontecendo algo ruim. Prefiro reler Drummond, João Cabral, Ferreira Gullar, Manuel Bandeira, Clarice Lispector. Considero um privilégio tê-los conhecido e ter conversado com eles. É algo que me dá força, que me dá uma imagem alta de Brasil. E também tenho muito contato com pessoas moças. Recebo, semanalmente, livros do Pará, do Amazonas, do Paraná, de toda parte. É uma coisa boa essa companhia, me salva de mim mesmo. Gosto de conversar com algumas pessoas.
Quem são os bons poetas da nova geração?
Eu vou citar apenas duas que eu conheço mais: Alice Sant’Anna e Laura Liuzzi.
Em Arremate, você faz muitos poemas de reverência a Drummond, a João Cabral, a Clarice e a Manuel Bandeira. Mas, ao mesmo tempo, você critica e diverge. Como fica isso?
É bom não concordar também. Não é ficar só como um cachorrinho, é bom ficar como um leão também, um leão possível. Eu me sinto assim, muito bem acompanhado por essa turma. Para mim, eles não morreram. Para mim, eles estão todos vivos.
O que você quer fazer ainda na vida?
O que eu quero fazer daqui para frente é escrever para me manter vivo, para me manter equilibrado na ponta do trampolim.