Documentário

Em 'AmarElo - É tudo pra ontem', Emicida mistura história pessoal com coletiva

O filme estreia nesta terça-feira (8/12) na Netflix. Ao Correio, o artista falou sobre a produção: 'o documentário joga luz em uma parte significativa da história do Brasil, que foi invisibilizada'

“Um Emicida não surge do nada. É (resultado de) uma série de outras movimentações, que aconteceram na cultura, na política, na intelectualidade brasileira, de gente que expandiu o entender deste país.” É assim que o rapper paulista Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, explica por que decidiu transformar AmarElo — É tudo pra ontem em um filme sobre a cultura negra, e não apenas em um registro sobre ele e seu mais recente álbum, AmarElo.

O documentário estreia nesta terça-feira (8/12) na Netflix (confira aqui a crítica) e é mais um desdobramento do CD de 2019, que deu origem a Prisma, projeto que inclui mais um documentário, um filme e ações sociais. Na produção, o espectador acompanha o trabalho do artista desde o conceito de AmarElo até o apoteótico show no Theatro Municipal de São Paulo, em novembro do ano passado. Para que a audiência possa entender as mensagens do álbum e de como Emicida chegou até elas, o rapper propõe um mergulho no passado negro. Estão ali, por exemplo, a origem do samba, a representação negra na Semana de Arte Moderna de 1922 e a luta do Movimento Negro Unificado (cujo ato inaugural, em 1978, se deu na escadaria do teatro escolhido, não por acaso, pelo rapper para realizar a apresentação).

“Acho que tem uma tendência natural de observar tudo aquilo e dizer que é um bom extrato da produção negra nos últimos 100 anos. Na verdade, ele é isso também. Mas o documentário joga luz em uma parte significativa da história do Brasil, que foi invisibilizada e à qual nem os próprios brasileiros tiveram acesso”, analisa Emicida em entrevista ao Correio.

O objetivo do artista é alcançado por meio de uma narração da história feita por ele mesmo mesclada com cenas da gravação de AmarElo e do show. São incluídas ainda imagens de acervo obtidas com instituições como Cultne, Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afros Brasileiros) e Laboratório Fantasma, além de animações que ajudam a retratar visualmente aquilo que ficou de fora dos registros ao longo da história brasileira.

“Acho que a gente conseguiu contar essa história de maneira convidativa e emocionante para que as pessoas entendam que, sem uma Lélia Gonzalez, sem um Abdias do Nascimento, não haveria um Emicida. Hoje, a gente tem a oportunidade de ver quais são as consequências do ativismo nos últimos anos”, afirma. Consequências que, segundo o rapper, “são todos os nossos sonhos, na iminência de se tornarem realidade”. Por isso, ressalta, não quis mostrar sua trajetória pessoal apenas, mas uma história coletiva. “Não é uma história minha. A gente está só usando o AmarElo como fio condutor. Na verdade, este é um trabalho conjunto com gerações que vieram antes, com pessoas que nem estão mais aqui, mas fazem parte desse fio condutor. Se a gente não se encontrar, nada acontece.”

Duas perguntas // Emicida

Depois de Prisma, quais são os outros desdobramentos de AmarElo?
Tem uma cláusula nos contratos de gravadora que é no CD, DVD, streaming e mídias que vieram a ser inventadas. O AmarElo eu tô entendo do mesmo jeito. O filme vem como uma parte que tava faltando, uma experiência visível, porque o ser humano é extremamente visual. Então, vai de alguma forma, como se a gente estivesse destravando uma fase, onde a gente vai poder entrar agora não no disco e na consequência dele pra frente, mas na história que resultou o imaginário que pôde parir um disco como aquele. O documentário cumpre exatamente essa função de mostrar a base, é uma forma de resumir e dizer o antes, agora e depois. Ele também abre uma porta para que o futuro aconteça de uma forma mais bonita.

O documentário se utiliza de animações. Como veio essa ideia?
O Fred Ouro Preto, diretor, sugeriu que a gente colocasse animação. Tem aquela expressão "você entendeu ou quer que eu desenhe?" O desenho cumpre esse papel de fato. A gente pode voltar no tempo. Nem todos os materiais os quais a gente ficou com o olho cheio, a gente conseguiu ter autorização para usar. Tem muito material, sobretudo das favelas do Brasil dos anos 1920 e 1930 que não são de propriedade brasileira. Isso me faz olhar para a Laboratório Fantasma, porque a gente não só construiu um legado, mas também é possuir da memória. Daqui a 30 anos quando um moleque novo for contar a história dele, vai poder recorrer a Laboratório Fantasma.

Jef Delgado/Divulgação - Em documentário que estreia na Netflix, Emicida se vê como resultado de longa luta que o antecedeu
Netflix/reprodução - Emicida Amarelo
Júlia Rodrigues/Divulgação - Cantor e rapper Emicida