Cena contemporânea

Paul Lazar e Bebe Miller interpretam histórias de John Cage em dueto virtual

'Cage shuffle: a digital duet (Cage aleatório: um dueto digital)' integra a programação da 21ª edição do Cena Contemporânea e está disponível, até quarta-feira (9/12), no canal do YouTube do festival

Entre os destaques da 21ª edição do Festival Internacional de Teatro de Brasília, está a apresentação dos norte-americanos Paul Lazar e Bebe Miller, Cage shuffle: a digital duet (Cage aleatório: um dueto digital). O dueto de dança e teatro tem como pano de fundo uma série de histórias de, exatamente, um minuto escritas pelo compositor John Cage - um dos pioneiros da música aleatória e da música eletroacústica e figura chave das vanguardas artísticas do século XX.

Apesar das determinações da coreografia, criada Annie-B Parson, diretora da Big Dance Theater, e pelos próprios intérpretes, nenhum espetáculo é igual ao outro. Como o próprio nome explica, os relatos do cotidiano criados por Cage são dispostos como músicas de maneira aleatória em Cage shuffle. Logo, "a combinação de histórias e dança é diferente em cada show", explica Lazar.

O espetáculo estreou em 2017, na American Realness em Nova York, mas segue em turnê nacional e internacional desde então. Para o Cena Contemporânea 2020, Paul Lazar e Bebe Miller prepararam uma edição especial, que está disponível até quarta-feira (9/12), no canal do YouTube do festival.

Virtual

Para adaptar o material para uma transmissão on-line, a dupla ensaiou durante um mês com quatro câmeras. "A adaptação para o formato on-line transformou a peça", descreve Lazar em entrevista ao Correio. "O designer de vídeo, Eamonn Farrell, contribuiu com a ideia mais importante para adaptar, com sucesso, a peça para um formato on-line: que Bebe e eu estivéssemos cara a cara e atuando um para o outro com duas câmeras entre nós - uma voltada para ela e a outra voltada para mim . Essa ideia capturou a intimidade da apresentação ao vivo de uma forma que se comunicasse com um público virtual. Trabalhamos por um mês para descobrir onde nos posicionar para obter o máximo de variação dentro do enquadramento da câmera e para manter a conexão mais direta com o espectador. Embora tenhamos filmado a peça ao vivo, mudamos algumas marcações muito particulares com base em nossas descobertas de ensaio", detalha o membro fundador e codiretor artístico do Big Dance Theater.

Com cenário e figurinos singelos e pertencentes ao dia a dia do público, Cage shuffle centra a atenção do espectador nos movimentos corporais e nas interpretações de cada história dada por Paul Lazar e Bebe Miller. Resgatando uma atmosfera dadaísta, intencionalmente desordenada e aleatória, o material foge do óbvio.

Confira!


Cena Contemporânea

Com trabalhos que levam a assinatura da globalização e do diálogo entre as linguagens artísticas, o Cena Contemporânea deste ano explora outros formatos e homenageia a própria história. Afinal, este ano são comemorados 25 anos desde a criação do festival a partir do Núcleo de Arte e Cultura (NAC), com a proposta de consolidar um processo de intercâmbio, possibilitando que Brasília entrasse em um circuito de espetáculos inovadores e de vanguarda.

Ao todo, são mais de 20 apresentações de obras híbridas e transmídias com exibição gratuita, em horários diversos, no site do festival e no canal do YouTube do Cena Contemporânea. Além disso, cada espetáculo pode ser visto por mais três dias depois da estreia, em qualquer horário, no canal Youtube do festival – com algumas exceções que são indicadas no site. A programação conta com projetos de diferentes estados brasileiros, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, propostas de artistas e grupos do Distrito Federal, e obras internacionais da França, Espanha, Inglaterra, México, Estados Unidos, Moçambique e Alemanha.


Três perguntas // Paul Lazar, membro fundador e codiretor artístico do Big Dance Theater

Qual a contemporaneidade dos textos de Cage?

O texto de Cage que usamos na peça foi escrito em 1959. No entanto, eu diria que Cage estava à frente de seu tempo. Seu interesse por religiões, filosofias e estéticas orientais está no espírito dos anos 1960. Ele rejeita a crença fundamental da cultura dominante: o virtuosismo autoral. Sua denúncia de Beethoven o alienou até mesmo de muitos de seus aliados experimentalistas. Ele mantém uma posição contracultural clara, mas de forma alguma é abertamente político. No entanto, existem implicações políticas vívidas para sua perspectiva. Minha impressão é que ele tende para o ambientalista pacifista e radical com uma grande dose de dadaísmo. Paradoxalmente, ele também está muito envolvido com a cultura dominante. Como um homem branco, ele é livre para se mover pelo mundo de forma divertida, desimpedida e despreocupada. Ele tem a liberdade de assumir enormes riscos artísticos e ainda assim permanecer nas boas graças da cultura do mainstream: um adorado “bad boy”. Os experimentalistas não brancos definitivamente não tinham essa margem de manobra.

Qual é o poder do corpo, dos movimentos e da expressão corporal de cada indivíduo para contar a mesma história?

Acho que quando dois corpos diferentes contam uma história, tornam-se duas histórias diferentes. Cada corpo detém sua própria história pessoal, social e política. Bebe Miller é uma dançarina e coreógrafa de primeira linha que está imersa em um vocabulário físico duradouro e em constante evolução. Acho que foi do interesse dela aprender o movimento comigo, que quase não tem nenhum treinamento formal em dança, porque ela é o tipo de artista aventureira que sempre busca expandir seu quadro artístico de referência. O próprio John Cage estava muito interessado em fazer sons instrumentais que estavam fora do uso aceito de um determinado instrumento. Como tenho experiência em teatro, meu corpo responde aos aspectos narrativos do texto de Cage. Não estou literalmente encenando a história, mas estou sempre procurando os momentos em que o movimento expressa uma imagem na história.

Qual o papel do improviso no teatro e na dança?

Diria que, para que uma obra teatral tenha vida, é necessário que haja algum nível de improvisação o tempo todo. Definitivamente, não quero dizer que o texto tenha que ser improvisado. O que quero dizer é que quanto mais presente o ator estiver, melhor é o desempenho do espetáculo. E, ao estar presente, ele deve estar sempre em contato com o que há de particular em cada momento de cada ensaio e performance, portanto, sempre em algum sentido, improvisando. Isso também se aplica ao diretor e aos designers. Se um diretor estiver o mais presente possível na sala de ensaio, ele será o mais receptivo ao que há de mais vivo e fértil em todo o processo de criação. 

Serviço

21ª edição Cena Contemporânea - Festival Internacional de Teatro de Brasília (módulo on-line)
De 1 a 11 de dezembro. No www.cenacontemporanea.com.br e canal do YouTube do Cena.