É por meio de presságios, pesadelos e da infeliz coerência de viver numa realidade socialmente violenta que o protagonista de M-8 — Quando a morte socorre a vida percebe desafios a caminho nas trajetórias pessoal e profissional. Maurício (Juan Paiva) cumpre um destino de enlevo num país que teima em lhe provar (ele é cotista numa universidade que, de certo modo, o expurga). Além disso, sofre crises com a mãe Cida (Mariana Nunes), já calejada por viver entre preconceitos e ciente dos desafios a serem superados.
Das pequenas barreiras (desde as confusões de ser tomado por funcionário da faculdade) ao escancarado preconceito, Maurício se deixa abater, em parte; mas existe uma força, para além de sua pessoa, que o norteará a um belo e apaziguador desfecho. "Na pele eu levo a marca da tortura", esclarece a letra de uma das músicas da trilha, Crime bárbaro, assinada por Rincon Sapiência.
Em pauta, o longa criado pelo diretor Jeferson De expõe um marco contra o genocídio da juventude negra, chegando em pleno alvorecer de debates sociais mais profundos no Brasil. Na faculdade, o jovem do filme vai deparar com corpos negros, na maioria, dispostos apenas nas mesas das classes de anatomia, muitos tratados à la indigentes.
Num contraponto às dificuldades impostas a Maurício, o roteiro (de Jeferson De, em parceria com Felipe Sholl, diretor do longa Fala comigo), que contempla a tumultuada relação dele com a pretendente Suzana (Giulia Gayoso), traz camadas da revelação de grilos menores para colegas como Domingos (Bruno Peixoto), um gay abonado e em nada perseguido ou discriminado. Não que devesse, obviamente.
O ataque sofrido por Maurício e protagonizado por policiais militares é das espinhas dorsais do filme, e tudo é resolvido sem sentimentalismos, num ganho para a maturidade da fita. Outro ponto alto é a presença da brasiliense Mariana Nunes em cena, sempre radiante. Num dos grandes momentos, ela vocifera: "Cala a sua boca porque eu sou uma mulher preta falando; não me interrompa!".
Longe de panfletário, M-8 é daqueles filmes com narrativa fluente, sem invencionices ou que gere descrenças ou desacordos com a realidade. Tudo é plausível. E, ao final, o espectador é brindado com uma celebração que reclama um belo tracejar de reconciliação entre pretas, pretos e a paz que pode estar, sim, nos movimentados terreiros ou na quietude de túmulos precocemente ocupados.