Pedro Bial se deu conta de que a pandemia afetaria profundamente o Brasil ainda no início do ano, lá por fevereiro, quando as notícias vinham da China, mas o Ocidente parecia não acreditar na capacidade de migração do novo coronavírus. Não seria, ele conta no livro de entrevistas Conversa com Bial, como a Sars de 2003 ou a Mers de 2012. “Desta vez, vai ser grande”, pensou, já imaginando como faria para produzir o programa de entrevistas numa situação de pandemia. Demorou menos de dois meses para que ele se visse afastado do estúdio e da equipe de produção e menos ainda para que transformasse o Conversa com Bial em um programa com nova linguagem e novo formato.
Esse processo é contado por ele no início do livro, que reúne 20 entrevistas realizadas durante a pandemia para o programa veiculado na Rede Globo e faz uma homenagem aos 70 anos da televisão brasileira. “A ideia de festejar, de marcar os 70 anos da tevê brasileira, era de 2019. A gente tinha planejado tudo quando veio a peste e o estúdio se tornou inviável. Mas a gente continuou achando mais pertinente ainda falar dos 70 anos da tevê brasileira nessas condições, porque havia essa ironia de só conseguir fazer tevê graças aos recursos da internet, que é a descendente digital da tevê”, conta Bial. “Acho que, assim como, quando o cinema veio, anunciou-se o fim do teatro, e, quando a tevê chegou, anunciou-se o fim do cinema, quando a internet apareceu, temeu-se pelo fim da tevê. Há um processo cumulativo, tudo vai enriquecendo, os novos veículos, os novos formatos enriquecem os velhos e se inspiram nos antigos.”
Bial continuou a fazer o programa com os recursos da internet, entrevistas pela ferramenta Zoom, equipes isoladas em suas casas e tropeços inevitáveis diante dos eventuais problemas técnicos. Teve entrevista remarcada para o dia seguinte porque a internet não funcionava, gravações antecipadas para substituir os encontros virtuais que não rolavam, improviso com telefone para não perder a entrevista, mas também teve muita novidade para o formato.
“Olha, a gente teve todo tipo de problema que você pode imaginar e que não pode imaginar. Acho que a sorte nos acenou um pouquinho porque, quando ocorria, a gente tinha uma frente mínima para, se não gravasse naquele dia, não ficava sem ter nada para colocar no ar”, conta. “Teve que ter muita paciência. A equipe era tremendamente empenhada e paciente e eu e os convidados exercitamos muita tolerância e colaboração. Todas as conversas só se realizaram porque os convidados foram muito colaborativos.”
Isolado em casa desde 13 de março, Bial acredita no isolamento e prefere cumprir a recomendação sanitária, mas está assustado com a postura do brasileiro diante da pandemia. “Estou falando, há mais meses que as pessoas estão em estado de negação, decretou-se que não tem pandemia, e não preciso nem falar do desgoverno, dos desmandatários da nação, prefiro nem falar. Eu estou fazendo o meu, agora tem a grande carência da empatia. É verdade que temos um demente na presidência, mas isso não nos exime da responsabilidade da nossa participação para o bem ou para o mal”, acredita. “Eu continuo absolutamente isolado, desde 13 de março não saio de casa, às vezes no fim de semana vou a uma casa de campo que alugo, mas não encontro ninguém, não vejo ninguém.”
Entrevista // Pedro Bial
Na entrevista com Lima Duarte, ele lembrou do tempo em que diziam que o cinema acabaria com a tevê. E a internet, vai acabar com tevê?
O progresso é sempre um diálogo inteligente entre a tradição e a invenção. Não há invenção se não houver reconhecimento da tradição. A tradição viva dialoga com o presente e se faz necessária. A tevê aberta tem uma função no Brasil, em especial, que é uma função social e econômica que não se torna obsoleta e não se pode abrir mão dela no Brasil. O jornalismo, que talvez seja o grande serviço da televisão, é muito caro para a internet fazer. Quando há um grande fato jornalístico, a internet bebe das grandes empresas de mídia. O jornalismo, a novela, sem falar nos esportes, dão à tevê aberta uma larga expectativa de vida. Claro que televisão e internet dialogam cada vez mais. O grande assunto da internet é a televisão. Falei na questão econômica, tem aí uma lógica de mercado publicitário e de economia que se impõem. A base de arrecadação de receita do streaming e plataformas como Netflix e Amazon Prime é à base de assinantes. Essa é uma base finita. Já a base de receitas da tevê aberta, que são os anúncios é infinita, as empresas estão sempre criando novos produtos e querem anunciá-los. A Netflix está se preparando para ir para canais de tevê aberta.
Você diz que fazer o programa de modo virtual trouxe também a possibilidade de explorar uma nova linguagem. Como é essa nova linguagem?
Não sei se vou conseguir ser claro, mas os novos recursos impuseram novas linguagens. Um recurso que a gente usava pouquíssimo é a teleconferência, esse de poder falar da sua casa com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Antes da pandemia, era um jeito que a gente dava quando precisava muito entrar com alguém falando, mas não se pensava um programa inteiro com esse formato. E isso se provou possível. O formato foi evoluindo, ganhando novas janelas que transcendiam o tempo de live. Então algumas marcas da linguagem do programa, como arquivo e pesquisa, se mantiveram, mas com um rigor maior e aumento da intensidade dessa intervenção. Outra coisa que tem que se lembrar quanto a esse recurso é que, para que eu fizesse entrevistas internacionais, havia uma tremenda produção. Agora a coisa, logisticamente, ficou muito simples. Acho que esse é um recurso que não será abandonado. Quando a gente puder voltar aos estúdios, não vamos abandonar o recurso do não presencial. É um recurso que veio para ficar e aí vamos ver mais claramente a transformação da linguagem, quando as duas coisas se conjugarem.
O que você acha que esse formato trouxe de novidade? Ele deu mais espaço para a intimidade dos entrevistados? Na do Paulo Gustavo, por exemplo, a mãe dele aparece. Como foram essas participações especiais?
É aquilo: o sujeito, quando vai ao programa de tevê, vai ser buscado em casa por um motorista, pega um avião, vai ter um camarim, maquiagem, vai para o estúdio, vai ser recebido por uma plateia, música e vai se sentar e começar uma conversa. Todo esse processo é abreviado e tendo a acreditar que isso contribui para que a intimidade venha mais naturalmente. O sujeito está dentro do seu universo pessoal, cultural, e eu também. E tem certos artifícios que a gente deixa de ter que estimulam o improviso. E acontecem coisas na casa das pessoas, passa um gato, a mãe aparece lá atrás, o namorado dá uma gargalhada — a vida não para durante a conversa. E aí a conversa ganha mais vida, é um processo muito enriquecedor para todo mundo. Conversa já é uma coisa enriquecedora, faz bem, nos acalenta, inspira, combate nossa solidão, que cada um carrega. E quando você vê que isso acontece mesmo você estando isolado em casa, é mágico. É muito bonito o que a consciência humana pode gerar.
No caso do livro, as entrevistas foram editadas? Como foi esse trabalho de edição?
Como você escolheu as entrevistas que entraram no livro?
Fiz como faço no dia a dia do programa. Não participo da edição, embora às vezes tenha uma coisa ou outra na qual interfiro. Prefiro terceirizar a edição, é mais um olhar sobre o que foi feito, acho que enriquece o processo. No caso do livro, também terceirizei para a editora. Depois, claro, olhei, dei uma estudada, investiguei, dei meus pitacos e opiniões. Algumas entrevistas não precisava nem escolher, eu sabia que estariam lá.
Conversa com Bial
De Pedro Bial. Editora Cobogó, 209 páginas. R$ 44,80
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