Cinema

Estreias da semana vão de ficção científica aos filmes nacionais

Estreias cinematográficas da semana vão de ficção científica dirigida e estrelada por George Clooney aos filmes nacionais 'Todos os mortos' e 'Os 8 magníficos', este um documentário póstumo de Domingos Oliveira

Ricardo Daehn
postado em 11/12/2020 08:15 / atualizado em 11/12/2020 08:26
 (crédito: Netflix/ Divulgação)
(crédito: Netflix/ Divulgação)

Quase sessentão, o astro George Clooney é uma das mais emblemáticas figuras na diversificada lista de atrações que chegam ao circuito de cinema a partir desta semana. Atingindo a maioridade na direção de filmes, passados 18 anos desde Confissões de uma mente perigosa, o norte-americano está à frente de O céu da meia-noite, na qual também atua e volta ao gênero da ficção científica, a exemplo de outros filmes que estrelou, com Solaris e Gravidade.

Baseado em livro de Lily Brooks-Dalton, o novo longa traz certo distanciamento dos politizados filmes pelos quais Clooney ficou célebre, entre os quais Boa noite e boa sorte, Tudo pelo poder e Suburbicon. No enredo, um cientista que habita o Círculo Polar Ártico está imerso em catástrofe disseminada pelo mundo. Cabe a ele, portanto, a tarefa de alertar os colegas astronautas sobre os dissabores que enfrentarão ao voltar para a Terra. Um dos grandes charmes do filme está no elenco, que alinha Felicity Jones (Rogue one), David Oyelowo (Selma: uma luta pela igualdade), Damián Bichir (mexicano visto em Por uma vida melhor) e Kyle Chandler. O filme é um produto Netflix.

Astronautas e Hitler

Outros dois títulos fantasiosos que alcançam as telas do cinema são O tempo com você e Freaky – No corpo de um assassino. O primeiro foi criado em animação, pelo japonês Makoto Shinkai, e traça o encontro entre Hina e o desiludido Hodaka, que chega a Tóquio na busca por sobrevivência. Já Freaky, dirigido por Christopher Landon, é um terror nutrido por trama surreal, na qual Kathryn Newton interpreta Millie, uma jovem atordoada pela perseguição do serial killer Butcher (Vince Vaughn). No filme, como em passe de mágica, ela tem o corpo trocado com o dele. Terá, a partir daí, um dia para retomar sua forma real.

A lista de estreias da semana inclui, ainda, duas produções nacionais — Todos os mortos e Os 8 magníficos (leia entrevistas nesta página) — e os longas das diretoras Caroline Link e Cris Amato. Celebrada pelo Oscar em duas ocasiões, na categoria de melhor filme internacional, a alemã Link assina Quando Hitler roubou o coelho cor-de-rosa, filme debruçado no livro que conta a história parcialmente real da escritora Judith Kerr. O filme aborda a realidade de uma família judaica, no fatídico ano de 1933. Num plano infinitamente menos tenso, a diretora Cris D´Amato explora, em 10 horas para o Natal, as qualidades do comediante Luis Lobianco, à frente de trama de popularidade bem familiar.

 

 

 

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  • Clooney, em O céu da meia-noite: catástrofe mundial é pano de fundo na produção da Netflix
    Clooney, em O céu da meia-noite: catástrofe mundial é pano de fundo na produção da Netflix Foto: Netflix/Divulgação
  • Cena de Quando Hitler roubou o coelho cor-de-rosa, da diretora alemã Caroline Link
    Cena de Quando Hitler roubou o coelho cor-de-rosa, da diretora alemã Caroline Link Foto: Frédéric Batier/Sommerhaus/Warner

Duas perguntas / Marco Dutra, codiretor de 'Todos os mortos'

 (crédito: John Macdougall/AFP - 23/2/20)
crédito: John Macdougall/AFP - 23/2/20

Conclamando ao envolvimento emocional do espectador, o longa Todos os mortos, assinado por Caetano Gotardo e Marco Dutra, exibido no Festival de Berlim, traz personagens observados no cotidiano, em relações afetivas e nas interações com outros — tudo, como diz Dutra, a favor da revelação das complexas e contraditórias relações sociais (e raciais) no Brasil. Entre um passado em transformação e atentos a mudanças, os personagens impõem uma experiência sensorial. “Por meio das imagens, do som, da música, buscamos uma maneira na qual discussões propostas não passassem apenas pelo caminho racional”, diz o diretor. De um lado, fica a família Soares; do outro, a Nascimento. Haveria convergência possível?


A atualidade do filme está concentrada em que circunstâncias?
Desde que começamos a pensar no filme, o que nos interessava era entender relações entre o período histórico em que ele se passa (fim do século 19, início do século 20) e o tempo em que vivemos. Várias das interações entre as personagens nos remetem a comportamentos ainda perceptíveis na sociedade brasileira de hoje, até porque a estrutura social do país se alterou muito pouco. As relações raciais, as desigualdades sociais, o sistema de privilégios que estruturam nosso país hoje foram traçados a partir da proclamação da República e do fim da escravidão. Era um momento em que seriam possíveis mudanças estruturais significativas no caminho de um país mais igualitário e livre, mas o que se desenhou foi uma manutenção e mesmo, em alguns casos, um aprofundamento das desigualdades. E é claro que isso se reflete nos comportamentos pessoais, nas vidas privadas, nas relações cotidianas — que são o foco do filme. Quisemos ler aquele momento histórico com uma sensibilidade contemporânea, pensar em como o passado e o presente se misturam na constituição de quem somos.


No incremento das desigualdades de hoje, veremos um filme contemporâneo?
O ano de 2020 revelou ainda mais fraturas na nossa sociedade, e também uma dificuldade grande de comunicação plena entre pessoas de classes diferentes. Nesses dias (8 de dezembro), vimos imagens de violência no centro de São Paulo, no mesmo bairro em que teria vivido a família Soares no ano de 1899. A cidade não parece ser capaz de lidar com suas fraturas de outra forma que não seja a violência, o apagamento, o esquecimento. E a cidade somos nós. Não sabemos dizer como e se o cinema de hoje e de amanhã vai se aproximar dessas questões, mas, filmadas ou não, elas existem.

Duas perguntas / Maria Ribeiro, atriz de 'Os 8 magníficos'

 (crédito: Victor Pollak/Globo - 23/10/19)
crédito: Victor Pollak/Globo - 23/10/19


Um grupo amplo de atores sem nenhuma homogeneidade habita o último filme de Domingos Oliveira (morto em 2019) a chegar aos cinemas: 'Os 8 magníficos'. “Somos de escolas muito diferentes e nos juntamos pelo amor comum ao Domingos Oliveira, pela vontade de trabalhar com ele e aproveitá-lo, enquanto ele ainda estava aqui”, explica Maria Ribeiro, atriz do documentário. Com ou sem intimidade, ela recebeu para um almoço personalidades como Wagner Moura, Fernanda Torres e Carolina Dieckmann. Mesmo com liberdade dada aos atores, Maria Ribeiro confirma que Domingos “tinha sempre uma coisa para acrescentar, sempre aberto”. Na escalação do filme, que traz ainda Sophie Charlotte e Mateus Solano, ela percebe a interferência do eterno mestre.


Houve liberdade para os atores no set?
Olha, o Domingos Oliveira dava muito liberdade para a gente; ao mesmo tempo, ele era bem autoral. Acho que, quando ele escalava os atores para dizer seus textos, ele já sabia mais ou menos como o ator faria. Ele dizia sempre: “Tem algo do ator que depende muito de quem ele é”. Acho que ele gostava das personalidades dos atores e gostava que a gente emprestasse as nossas personalidades ao tipo de texto dele: naturalista, bem do dia a dia. Algo como Woody Allen e as comédias românticas de comportamento; com pequenos dramas do cotidiano. Coisas que, vistas de fora, parecem bobagem, mas que são coisas que habitam todos: sofrer de amor, ter saudade de filho e coisas como as questões no trabalho.


O documentário é absolutamente real?
É um recorte, né? Todo o documentário traz um ponto de vista. Quando você tem cineastas autores, se você pega a mesma cena, ela é filmada por 10 pessoas, com 10 diferentes versões. Tem verdade, em algumas. No caso do filme, estamos ali e não tem ninguém atuando, tendo um texto decorado. Mas não era uma realidade na minha vida servir aquele almoço. Ter oito pessoas na minha casa vestidas de preto, então você não tem nada de verdade. Há alguns truques: há manipulações, quando você coloca uma trilha; quando você tem um off... Pesa a verdade do Domingos no filme. Tem inverdades, claro. João Moreira Salles é quem diz: “Todo bom documentário deve parecer um filme de ficção e toda boa ficção deve parecer um documentário” (risos).