Sofrer discriminação e galgar um espaço de igualdade numa sociedade blindada para avanços sociais faz parte do cotidiano do jovem Maurício (Juan Paiva), estudante de medicina e personagem central de M-8 — Quando a morte socorre a vida, filme assinado por Jeferson De (Bróder). O longa estreia no circuito de cinema no estarrecedor momento capaz de reforçar as evidências da descarada faceta do preconceito racial no Brasil.
Há um ponto nevrálgico em toda a trajetória do personagem que, entre outras disciplinas, estuda anatomia. Esquadrinhando o Brasil, Jeferson De expõe o dado desconcertante de que, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no país. Pior de tudo é o acobertar das mortes, muitas varridas para baixo do tapete e rotuladas como casos de jovens desaparecidos.
“M-8 trouxe um processo transformador para todos nós. A partir do roteiro escrito, cada departamento do filme fez seu mergulho na pesquisa”, conta Jeferson, em entrevista ao Correio. Com embasamento da frequência em aulas de anatomia e o apoio de uma professora no set para orientações, o processo de filmagem resultou “num momento de entrega e aprendizado do nosso elenco jovem”.
Por se tratar de obra de ficção, pesaram liberdades para que houvesse terreno fértil para a dramaturgia. Mas, tudo a serviço de um papo reto, em que a equipe — incluída a atriz brasiliense Mariana Nunes — desse o recado de freio às injustiças sociais.
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Entrevista // Jeferson De
Quem são suas inspirações no audiovisual?
Poderia falar sobre os realizadores em meu processo de formação, ainda estudante de cinema como Sembene, Spike Lee e Zózimo Bulbul. Mas tenho assistido a tantos filmes inspiradores e mantido contato com artistas tão provocadores que evidencio apenas alguns como: Moonlight (2016), de Barry Jenkins; as obras de Steve McQueen (de 12 anos de escravidão) e Antoine Fuqua (de Dia de treinamento). Eu me sinto dialogando com cada um e em filmes tão diversos. No Brasil, admiro muito as obras do Fábio Rodrigo, Sabrina Fidalgo e Viviane Ferreira. Essa ligação é tão forte que eu vejo M-8 como uma obra conectada fortemente ao documentário O caso do homem errado (2017), de Camila Moraes.
Quais são as grandes lacunas quando se fala em representatividade negra nas artes?
O racismo estrutural está presente no audiovisual brasileiro. O cinema brasileiro foi construído sobre esse modelo. O atraso em que ainda nos encontramos é vergonhoso e, infelizmente, embora haja muito barulho numa solidariedade virtual e nas hashtags, a realidade das produções é que nós, negras e negros, não estamos nos espaços de poder e de decisão do audiovisual brasileiro. Instituições raramente lidam com datas. Sabe-se de metas e objetivos mas não tenho visto cronograma, delimitando com precisão o tempo para desconstruir o racismo estabelecido.
A brasiliense Mariana Nunes brilha em cena. O que ela acrescentou à obra?
Acompanho o trabalho de Mariana desde Febre do rato (2011). Ela é uma atriz muito precisa e econômica. Sua composição da Cida e, principalmente, a interação com Juan Paiva (o protagonista, filho dela em cena) foi fundamental para o mergulho do espectador no cotidiano daquela família. Sabíamos que o filme teria muitos momentos de silêncio e, ao contrário do que se pode pensar, ela fez um ótimo uso desses tempos. É realmente fascinante ver como ela constrói com seus gestos, reações e intensidade.
Como você vê o trabalho na trilha sonora do filme?
O cinema brasileiro tem uma ligação muito íntima com a música popular; seja nas chanchadas; nos filmes da Vera Cruz; no cinema novo e nos filmes contemporâneos. Os acordes sempre estiveram muito presentes nas telas nacionais. Minha obra vem desse lugar, dessa tradição. Muitas vezes escrevo ouvindo música instrumental, canções, raps ou beats que me guiam na decupagem e, posteriormente, na edição do filme. Em M-8, por exemplo foi Ponta de lança, do Rincon Sapiência. Desde que ouvi esse rap, ele ficou reverberando na cabeça e, de certa forma, foi dando um ritmo na história.
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