Internet

Formato das lives se reinventa com a chegada dos shows virtuais pagos

O formato, ainda híbrido, faz sucesso e foi testado por bandas como a brasiliense Ellefante e a sul-coreana BTS

Com as determinações de isolamento social por causa da pandemia de covid-19, o setor de entretenimento teve que se adaptar. Sem a possibilidade de apresentações ao vivo, a saída foi migrar para o formato digital. O que começou de forma despretensiosa e até improvisada se transformou em pouco tempo num formato grandioso. O marco foi o show de Gusttavo Lima em março que teve uma superestrutura de filmagem, cenário e captação de áudio, além de patrocinadores.

Levantamento realizado pelo Google, responsável pelo YouTube (principal plataforma de lives), revelou que as lives musicais foram assistidas por mais de 85 milhões de usuários no território brasileiro. Das 10 mais vistas do gênero musical no serviço, oito são de artistas do país. O topo é da sertaneja Marília Mendonça, que atingiu 3,3 milhões de visualizações simultâneas, em uma das apresentações.

Por um período, as lives tinham objetivo de entreter o público de casa (que ainda estava cumprindo a quarentena), ao mesmo tempo em que tinham um cunho social, de arrecadação de doações. Com o passar do tempo, o lado solidário foi diminuindo e os produtores e artistas viram no formato um modo de voltar a fazer apresentações remuneradas. Em muitos dos casos, o valor arrecadado tem sido utilizado para pagar as equipes dos músicos.

"Depois de um momento de lives com um viés mais social e mais improvisadas, com menos compromisso com a produção, sendo feitas em casa, na cozinha, de pijamas, elas ficaram mais bem produzidas. Via-se ali uma iluminação especial, um palco, um teatro, patrocinadores. Passou a evoluir para um modelo de negócio. Agora acredito que o Brasil já está na fase das lives pagas. Alguns artistas já começam a fazer esse movimento”, avalia Maurício Aires, presidente de ABREVIN (Associação Brasileira das Empresas de Venda de Ingressos) e cofundador da LivePass.

No Brasil, a primeira live paga anunciada foi do duo Anavitória. Na época, as artistas chegaram a ser criticadas. Agora, sete meses depois, a resistência do público e do setor é menor, impulsionada pelo sucesso de grandes nomes no formato. “Particularmente acredito muito no live streaming. Temos cases globais. É impressionante o potencial que o formato tem. Mas o que vai determinar o sucesso, claro, é o conteúdo”, completa Aires.

O maior show streaming pago é do grupo de k-pop BTS, que faturou US$ 20 milhões, cerca de R$ 103 milhões, numa live assistida por 756 mil pessoas — o equivalente a 15 estádios — que pagaram, cada uma US$ 35, para assistir ao show comemorativo de sete anos de carreira, Bang bang con: The live, que durou duas horas. Outra apresentação que deve aparecer no topo, mesmo após críticas aos preços, é a volta do grupo mexicano RBD marcada para 26 de dezembro, com ingressos que variam entre R$ 112 e R$ 197. Em 27 de novembro será a vez de Dua Lipa se testar no formato, em show com tíquetes a 8,99 euros.

Iniciativas brasileiras

No Brasil, existe uma plataforma feita na pandemia especificamente para shows virtuais com vendas de ingresso. É o ShowIn, idealizado pelo cantor e compositor Orlando Morais em parceria com o empresário e investidor Dio Trotta. A plataforma abriga diferentes formatos de live, desde shows musicais até aulas de gastronomia e ioga. Um dos destaques foi a apresentação do sertanejo Zé Felipe em 18 outubro, com apresentação da influenciadora Virgínia Fonseca.

“O projeto surgiu na Páscoa. Estávamos vendo alguns negócios discutindo sobre lives. Vimos algumas ideias em sites norte-americanos e percebemos que esse era um bom negócio para além da pandemia. Porque acreditamos que as lives vão continuar. Tivemos a ideia na Páscoa e em agosto já estava no ar”, conta Dio Trotta. Para ele, a situação do duo Anavitória serviu de aprendizado para as outras iniciativas pagas, que se estendem para sites de venda de ingressos e aplicativos de videoconferência. “Foi uma grande experiência. Mas acho que teve um problema de comunicação. Temos um pensamento de que cultura tem valor e o público começa a entender isso também”, completa.

Na plataforma, além da apresentação, a aposta é nas interações com o público. Nos shows, os presentes de forma virtual podem participar do chat e conversar com os artistas. “Essa interação que se tem no on-line, você não consegue ter no formato presencial”, acrescenta Trotta.

Esse maior diálogo com os fãs proporcionado pela internet é o que a banda brasiliense Ellefante, formada por Fernando Vaz (vocalista e guitarrista), Adriano Pasqua (baixista) e João Dito (baterista), destaca. Desde o começo da pandemia sem poder fazer shows presenciais, eles apostam no elemento digital. “Pra gente tem sido fantástica essa interação. Apesar de não estarmos fazendo shows, nosso engajamento com o público aumentou muito. Estamos aprendendo a lidar com isso”, define Adriano Pasqua.

Em outubro, a banda participou do projeto candango Acontece Cultura Itinerante, que promove apresentações no Teatro do Brasília Shopping transmitidas via streaming, em que o público precisa garantir ingressos a preços populares antes. O show do Ellefante custou R$ 20. “É interessante. A remuneração não vai ajudar só a banda, mas todo o meio de produção que está a nossa volta, como roadies, a galera da produção. É uma luz que mostra outras maneiras, também um aprendizado”, revela o baixista.

Modelo híbrido

De olho no futuro, a expectativa é que as lives sejam ressignificadas novamente, se tornando opção nos modelos híbridos, formato que deve ser a alternativa em meio às incertezas de uma vacina. “Acho que é um formato que veio pra ficar, mas vai começar a ficar mais híbrido. Algumas pessoas vão querer sair, enquanto outras ainda vão preferir ficar em casa. Acho que, cada vez mais, as distâncias serão encurtadas. Podendo ter um espetáculo no Rio de Janeiro, com público presente, e uma pessoa em Goiânia, por exemplo, assistindo”, comenta Trotta, do ShowIn.

É como também enxerga a situação Maurício Aires. “Os eventos daqui por diante, pelo menos por um tempo, serão híbridos. O live streaming deve conviver com o evento presencial, como algumas cidades têm feito na retomada”, explica. Em Brasília, por exemplo, em 30 de outubro, a primeira edição do Festival Cerrado Reggae ocorreu no Drive Show para um público limitado e com uma transmissão on-line nas redes sociais das apresentações dos grupos Tribo de Jah, Alínea 11, A voz da mente, Brasil Riddim, Banda Rupestre e Reggae a Semente.

Saiba Mais

Saiba Mais

Nina Quintana/Divulgação - A banda brasiliense Ellefante
Luringa/Divulgação - O sertanejo Zé Felipe
EMI/Divulgação - Parte dos integrantes da banda mexicana RBD
Mark Ralston/AFP - Dua Lipa