Galerias reinventadas

Espaços, centros culturais e museus tiveram que se readaptar para retomar as atividades em tempos de protocolos sanitários

A pandemia fez o mundo das artes visuais se reinventar. Quando uma sucessão de decretos do GDF fechou estabelecimentos comerciais e instituições culturais, em março, boa parte dos artistas, curadores e galeristas se perguntaram como e o que fazer sem a possibilidade de montar e abrir exposições. Oito meses depois, a resposta vem com um misto de surpresa e descobertas. Enfrentar a crise do fechamento total fez todo mundo pensar em modos de manter viva e ativa a cena das artes visuais do DF. Agora, com portas abertas, o desafio continua. Aglomerações ainda estão proibidas, mas as exposições, não, e, para manter a atividade, foi preciso reinventar também os modos de acesso às galerias e museus.
Na Karla Osório Galeria, o espaço contribui para manter a rigidez do distanciamento. São seis pavilhões e as visitas são feitas com agendamento. Como o espaço é amplo, é possível manter a distância. Mas, para a proprietária da galeria, Karla Osório, a maior reinvenção foi a presença na internet. Ela conta que nunca foi muito atuante nas redes, mas descobriu o potencial desse canal durante a pandemia. “Depois do primeiro mês, exatamente quando começou a quarentena, me reinventei completamente. No Instagram, a galeria multiplicou por cinco o número de seguidores e fiz venda que nunca tinha sido feita”, conta.
A galerista também começou a fazer lives diárias com artistas e curadores. Foram 112 conversas desde abril. “Foi uma completa reciclagem, uma mudança”, garante Karla, que pretende incorporar as práticas ao cotidiano da galeria. “Foi um momento muito difícil, no início a gente ficou apavorado, mas os programas que a gente criou fizeram a diferença.” As feiras on-line também ajudaram, graças às plataformas interativas. Eventos como a SP Arte e a Arte Rio permitiam que os clientes interagissem com os galeristas e artistas, o que facilitou as vendas. “Foram feiras excelentes, vendi mais na SP Arte on-line do que na presencial do ano passado, é muito inesperado”, conta a galerista, que também organizou a not cancelled, uma feira internacional inteiramente realizada on-line. Em novembro, ela inaugura uma individual de Daniel Escobar, a segunda exposição desde a reabertura.
Para a psicanalista Lúcia Passarinho, poder visitar uma exposição foi um alívio depois de tantos meses sem sair de casa. Ela esteve na Karla Osório para conferir a mostra Flecha, de Renato Rios. “Me senti bem segura. Estava sentindo falta de ir a uma galeria, olhar obras e arte de perto. Acho que todo tipo de arte, tanto a visual quanto a música e o teatro, que a gente está conseguindo assistir on-line, faz parte de um bem-estar, promove satisfação. Podendo fazer isso com segurança num momento como esse, é um deleite, um refrigério no meio dessa tristeza toda, tanta coisa ruim acontecendo em volta da gente”, diz a psicanalista.
A Referência Galeria de Arte também retomou boa parte das atividades, mas a galerista Onice Moraes ainda não se sente segura para aberturas de exposições. Por enquanto, ela toca o espaço com o acervo e investe na divulgação on-line. As lives semanais foram a principal atividade do local durante a pandemia. O projeto Conversa, que já fazia parte da programação da galeria, deixou de ser presencial para pular para o Instagram e o público passou a acompanhar os encontros entre artistas da cidade e curadores, o que ajudou a manter a visibilidade do espaço. Foram 13 lives durante os sete meses de quarentena.
Onice garante que não deixou de vender e manter contato com os clientes, mas que foi além. “Paralelo a essa ação mais comercial, criamos as Quintas no ateliê, com os artistas fazendo vídeo ou produzindo uma obra. Foi um sucesso, os artistas acharam interessante porque também estavam precisando de alguma visibilidade”, diz. Os dois projetos, Quintas no Ateliê e Conversas, foram incorporados definitivamente ao calendário da Referência.
No início de setembro, a galeria voltou a atender presencialmente em sistema de agendamento, mas o público não gostou muito e Onice desistiu de agendar horários. Hoje, a galeria recebe quem chegar, mas tem lotação máxima de seis pessoas e dois atendentes. As feiras também ajudaram e, em novembro, Onice leva os artistas da galeria para a SP Foto, também on-line. O investimento em dinheiro é bem menor do que transportar tudo para um estande físico e a plataforma interativa permite um diálogo nem sempre possível no presencial, com vídeos e entrevistas com artistas e curadores.

Surpresa

Para Mateus Lucena, da Pilastra, a pandemia trouxe uma grande surpresa: um projeto educativo há muito sonhado e nunca implementado ganhou vida e fez sucesso. “Dois meses depois de fechar as portas para visitação, reativamos a movimentação com atividades educacionais e formativas on-line”, conta o artista. “Foi uma proposta liderada pela Gisele Lima, que sempre esteve nos planos, mas só com ela isso foi pra frente. Conseguimos mais de 150 inscrições de todas as regiões do país, e até algumas de fora, só nesses meses de isolamento, coisa que beira o impossível com atividades presenciais.” Grupos de acompanhamento crítico para artistas e quase uma dezena de cursos teóricos voltados para as artes entraram para o programa da Pilastra a preços de R$ 20. Agora, Lucena se prepara para uma nova empreitada com ateliês individuais. Exposição mesmo, ele avisa, só depois da vacina. Mas as atividades on-line não saem mais do cardápio.
Dalton Camargos, da Alfinete, preferiu ficar apenas com os recursos on-line. Ele ainda tem receio de realizar abertura e provocar aglomerações, por isso disponibilizou o acervo da galeria no site e investiu no projeto Circuladô, uma parceria com a loja Hill House, no Casa Park. Parte das obras da coleção da Alfinete estão expostas na loja de móveis. “Para abrir a galeria, vai depender de como as coisas estarão. A situação sanitária não me parece clara e eu não gostaria de ser um agente que estimula as pessoas a saírem de casa e correr risco”, diz o galerista. Ele conta que as vendas caíram drasticamente e, mesmo com as redes sociais, houve pouca movimentação financeira.
Na Celma Albuquerque, o Instagram chegou para ficar, mas o diretor da galeria, Lucio Albuquerque, não quer fazer da rede uma central de vendas. Ele aposta na divulgação das imagens das exposições apenas como um aperitivo. A negociação mesmo, só na galeria, que voltou a funcionar há três meses e está na segunda exposição do ano. “Essa questão do Instagram é irreversível, mas para fazer divulgação, não para fornecer toda a informação. O trabalho virtual salvou a galeria nesse período, foi muito importante, mas a gente tem que enfatizar a presença da pessoa, a emoção que o espectador sente diante da obra. A gente não quer muito ir pro lado virtual não”, avisa Albuquerque.
Na Oto Galeria, o atendimento é feito, preferencialmente, com hora marcada e para um visitante de cada vez. Oto Reifschneider colocou até cadeiras na área externa para que não haja aglomeração, caso mais de um visitante apareça. Durante os meses de fechamento, ele decidiu produzir catálogos que foram disponibilizados nas redes sociais. “Nos últimos dois meses, vendi mais em relação ao ano passado”, revela. “Mas minha galeria não lida com multimilionários, é uma coisa mais classe média, e esse público acabou acumulando um certo dinheiro nesse período e ficando em casa. Eu tenho uma inserção orgânica nas redes sociais, não faço propaganda paga, mas posto sempre, contando história e tal, e, nos últimos meses, mandei muito mais obras para fora (de Brasília) do que em anos anteriores.”
Reifschneider acredita que o isolamento também fez as pessoas pouparem e olharem mais para as próprias residências. “As pessoas com salário mantidos, que se mantiveram no trabalho, sem opções de lazer, tiveram quase que um período de introspecção, de contemplação, e algumas viram que a arte faz diferença, tem um impacto positivo. Muita gente passou meses sem férias, sem festas, sem viagens e acabou juntando dinheiro” acredita. A pandemia, no entanto, atrapalhou alguns planos do galerista, que pretendia abrir uma livraria mas precisou adiar o projeto.

Nova rotina

No CCBB e no Museu Nacional da República, o público vai se deparar com novas rotinas. O Museu voltou a abrir em 18 de setembro e, desde então, funciona em horário reduzido. Além do álcool em gel, os visitantes ganham sapatilhas descartáveis para não contaminar o carpete da instituição e a lotação é limitada a 30 pessoas por vez. Para manter o contato com o público de maneira on-line, a direção da casa criou a hashtag #MUSEUemCasa, com a publicação de conteúdos das exposições em cartaz e das obras do acervo. A rotina de exposições também está sendo retomada com a mostra Brasília em acervo, uma coleção de mobiliário moderno restaurado por alunos do Insitituto Federal de Brasília, programada para este mês.
O CCBB conseguiu adiar para 6 de dezembro o fim da mostra Linhas da vida, de Chiharu Shiota, que ficou em cartaz apenas 10 dias antes do espaço fechar as portas, em março. Entre as medidas de segurança está a redução da quantidade de pessoas, que só podem entrar nas galerias após agendar um dos oito horários disponíveis diariamente no site Eventim. São, no máximo 30 pessoas por hora nas galerias, sendo 10 em cada sala expositiva. “Como estamos limitando a quantidade de visitantes por hora, fato que não ocorria no período pré pandemia, a taxa de visitantes é bem menor em comparação ao mesmo período no ano passado. Entretanto, estamos percebendo que, dentro deste limite de vagas, o público está comparecendo, principalmente nos finais de semana”, repara Fabio Cunha, diretor do CCBB/Brasília.