CINEMA

Crítica: Documentário 'Luz acesa' traz discurso corajoso sobre drogas

Filme de Guilherme Coelho, 'Luz acesa' dá voz a viciados em recuperação que querem ajudar as pessoas com a própria experiência de vida

 Não é sempre que o diretor de cinema Guilherme Coelho contabiliza a vitória de assinar um filme como o documentário Luz acesa. Com discurso esclarecedor e corajoso, cinco pessoas se dispuseram a encarar o passado desagradável da convivência com o uso desmedido e problemático de substâncias como bebidas alcoólicas e drogas. “Ouvimos pessoas que querem mudar o mundo. Pretendem ajudar outras pessoas a mudarem suas vidas. Por isso, elas se expuseram, falando de maneira tão franca, ao lado de suas famílias revendo e revelando suas intimidades”, explica o diretor.

Ao lado da produtora do longa, Mariana Ferraz, Guilherme frequentou as salas de grupos de autoajuda, uma espécie de passe para que forem reconhecidos como aliados da história de “inspiradora” de superação comum a quem viveu com situações extremas. O filme traz enredos como os de Ricardo Panzer, já há 20 anos sem dependência; o aposentado José Henrique Albuquerque e o artista visual Rogério Costa. Esse, alias, exemplifica o avesso do excesso do passado: usa um dos lados das caixas de medicamentos que usou para ressignificá-las; para as obras artísticas que produz.

Luz acesa tem propostas de chegar aos meios de streaming, de forma paga e gratuita. “Queremos que o filme seja visto pelo maior número de pessoas que possam se ajudar. Serve a famílias que estão passando por estas questões”, explica. O teor do debate público, por meio da arte, traz emblemáticos otimismo e acolhimento. “O cinema talvez não transforme a realidade. Mas nós, sujeitos de nossas vidas, transformamos o mundo, ao transformarmos nossas vidas. Um dia de cada vez”, pontua Guilherme Coelho, conhecido, entre outras façanhas, como produtor de filmes de Eduardo Coutinho.

Passagens por clínica psiquiátrica, limitação financeira, sumiço, por dias, do convívio com familiares e o relato de internação à revelia estão registrados em Luz acesa. A aproximação com situações criminosas, na realidade carioca, também se apresentam entre as trajetórias. Sem lições de moral, o diretor demarca: “O uso problemático de substâncias nos leva para longe de nós. De sujeitos, donos de nossas vidas, nos tornamos objetos, títeres do álcool e das drogas”.

Por outro lado, para além das adversidades, Luz acesa imprime enredos de retomada de controle. Caso de Fernanda Bradão, que, atleta, se reinventou. Entre relatos de “fundo de poço”, o documentário avança para a questão do preconceito: mesmo convivendo, de modo parelho com a situação de excessos, muitas se preservam de maiores exposições dentro do tema, abafadas pelo machismo. Entre relatos do sofrimento com o uso de bebidas, Fernanda admite que “não se olhava no espelho”, algo que quase a acompanha até os dias de hoje. “Nunca olhei para mim de verdade”, resume a atleta. Com Luz acesa, Guilherme Coelho persegue firme o cinema da escuta, do encontro e da emoção de estar junto, como ele reforça.