A elegância no cinema tinha nome e se chamava Sean Connery, morto, ontem, ao 90 anos completados em agosto. Filho de um operário e de uma faxineira, Sean era uma unanimidade como ator. Diretor dos premiados Carcereiros e Alemão, José Eduardo Belmonte destaca a versatilidade de Sean. “Foi completo na diversidade de papéis que representou”. Surpreso pela notícia da morte, José Belmonte buscou na infância um filme que o impressionou. “Em O homem que queria ser rei, dirigido por John Huston, ele tem uma atuação brilhante ao lado de Michael Caine. Foi um ator completo”, afirma ao Correio.
O cineasta Vladimir Carvalho, nome por trás de Conterrâneos velho de guerra e Rock Brasília – Era de ouro, lembra que Sean sempre ocupará o imaginário dos fãs de cinema como James Bond. “Ninguém foi tão 007 como ele”, ressalta. Era um dublê de herói e de ser humano, que ocupava a telona e as mentes de várias gerações. Pelas redes sociais, Kleber Mendonça Filho, de Aquarius e Bacurau, também se revelou um fã. “Revi nove Bonds durante essa pandemia. E todos com ele. Obrigado”.
Nascido em 25 de agosto de 1930, na região de Fountainbridge, Edimburgo, antes de ser ator, o jovem Sean serviu na Marinha britânica e trabalhou em diversas profissões, de leiteiro a caminhoneiro. Foi ainda fisiculturista e jogador de futebol. Mas, em 1951, começou a trabalhar nos bastidores de um teatro, o que despertou seu interesse pelas artes cênicas.
Foi como o agente 007 que esse escocês de beleza marcante entrou para a história do cinema. Sean Connery apareceu como James Bond em seis desses thrillers de espionagem baseados nas obras do escritor Ian Fleming ambientando na Guerra Fria dos anos 1960/70. Intrépido, sedutor e defensor dos poderes da rainha, o primeiro da saga foi 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), época em que Sean tinha 30 anos. Mulheres bonitas e escapadas espetaculares não podiam faltar. Tanto que as Bond girls eram um capítulo à parte. Certa vez, indagado sobre o personagem Bond, ele foi direto. “Eu me importo com Bond e o que acontece com ele. Você não pode estar conectado com um personagem por tanto tempo e não ter interesse. Todos os filmes de James Bond tiveram seus pontos bons.”
A carreira de ator durou décadas e rendeu muitos prêmios, como dois prêmios Bafta e três troféus Globo de Ouro. Em 2000, foi nomeado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II, no Palácio de Holyrood, em Edimburgo, capital escocesa — vale lembrar que Sean era um militante da causa pela independência da Escócia. “Eu não sou inglês, eu nunca fui um inglês, e eu não quero ser um. Eu sou um escocês! Eu era um escocês e sempre vou ser um”, gostava de repetir.
Mosteiro
O Oscar veio em 1988, depois do sucesso de crítica como ator coadjuvante no filme Os intocáveis, dirigido por Brian De Palma e com trilha sonora de Ennio Morricone. Outros filmes que merecem destaque pela presença de Sean são: A caçada ao Outubro Vermelho, Indiana Jones e a última cruzada e A rocha. Mas um, em especial, marcou esse repórter. Foi Em nome da rosa (1986), dirigido por Jean-Jacques Annaud, em que se percebe toda a dramaturgia de Sean Connery. É a história (de Umberto Eco) de um monge franciscano que investiga uma série de assassinatos num mosteiro nas montanhas italiano. Isso provoca uma guerra ideológica dentro da igreja, enquanto o monge, aos pucos, vai puxando a linha investigativa que solucionará os misteriosos assassinatos. Um filme para se assistir 10 vezes.
Galã inveterado, Sean foi casado duas vezes, com a atriz australiana Diane Cilento, com quem teve o filho Jason Connery, e com a artista plástica francesa Micheline Roquebrune. “Eu conheci minha esposa através de jogo de golfe. Ela é francesa e não podia falar inglês e eu não conseguia falar francês, por isso havia pouca chance de nos envolver em qualquer conversa chata, é por isso que nos casamos muito rápido”, disse certa vez. Morreu em casa, nas Bahamas, enquanto dormia, anunciou a família.
A saga
Sena Connery protagonizou seis filmes da franquia: 007 contra o Satânico Dr. No (1962), Moscou contra 007 (1963), 007 contra Goldfinger (1964), 007 contra a chantagem atômica (1965), Com 007 só se vive duas vezes (1967) e 007 – Os diamantes são eternos (1971). Além disso, protagonizou 007 – Nunca mais outra vez (1983).
» Filmografia selecionada
por Ricardo Daehn
» O mais longo dos dias (1962)
» 007 contra Goldfinger (1964)
Ponto de afirmação da franquia 007, o terceiro longa estrelado por Connery como James Bond ostenta uma aventura ancorada em nítidos interesses econômicos. Auric Goldfinger (Gert Fröbe) quer implantar radioatividade num plano de contaminação de reservas de ouro alheias. O glamouroso carro Aston Martin DB5, um humor recorrente e o despontar de aparatos tecnológicos estampam o eterno corre-corre e os flancos de espionagem de Bond.
» Marnie, confissões de uma ladra (1964)
Ao lado de Tippi Hedren (Os pássaros), Connery estrelou este romance psicológico, que desmistifica relacionamentos amorosos saudáveis, por meio da acuidade do olhar de Alfred Hitchcock. Uma habilidosa gatuna (Hedren) é descoberta, em meio a um golpe, por um magnata que, aparentemente, idolatra a astúcia dela. Surge daí uma proposta de casamento. O empresário Mark Rutland é o personagem encarnado pelo notável escocês.
» Zardoz (1974)
» Assassinato no Expresso Oriente (1974)
» O homem que queria ser rei (1975)
Num roteiro adaptado da literatura, o veterano cineasta John Huston (Uma aventura na África) conduz uma paródia do poderio da colonização britânica. Ao lado de Michael Caine, Connery dá vida a Danny Dravout que, no longínquo Cafiristão, constrói um reino, impondo uma desumana superioridade de araque. Concorreu a quatro prêmios Oscar.
» Robin e Marian (1976)
Richard Lester, o mesmo diretor do clássico Os três mosqueteiros e parceiro na cinematografia dos Beatles, centra o foco no ocaso do romance entre Lady Marian (Audrey Hepburn) que, integrada a convento, reencontra o herói da Floresta de Sherwood Robin (Connery). Ele está desobrigado das missões de reinado de Ricardo Coração de Leão. Seria possível recobrar o tempo? Passados 15 anos desta produção, Connery ainda seria visto em Robin Hood: O príncipe dos ladrões (1991), com Kevin Costner. Foi uma das figurações mais bem pagas da história do cinema.
» Highlander (1986)
» O nome da rosa (1986)
Assassinatos encadeados num mosteiro dão liga para o filme de Jean-Jacques Annaud, ambientado em cenário medieval com pegada detetivesca. Connery é William of Baskerville, uma espécie de fio condutor na adaptação da obra de Umberto Eco. Por meio de investigações, ele se aproxima da trama que examina fissuras nas ordens franciscana e beneditina. O ator F. Murray Abraham personifica a vilania astuta.
» Os intocáveis (1987)
O embate deveria ser entre Elliot Ness e Al Capone, neste filme de gângster transcorrido nos anos de 1930, numa Chicago em que Al Capone nada de braçada na contravenção de não pagar impostos. Mas é o policial incansável Malone (Connery), que deixa a aposentadoria, quem rouba a cena, com atitudes ríspidas. Oscar de melhor ator coadjuvante para Connery.
» Indiana Jones e a última cruzada (1989)
Doze anos de idade separavam pai e filho da ficção, na vida real vividos por Connery e Harrison Ford. Mas, os atores deram o sangue nas telas, por este filme de Steven Spielberg que encerrou uma trilogia coroada pelo luxo da presença do ator River Phoenix. Na trama, Connery vive doutor Jones, perito em estudos medievais que busca embasamento para descobrir o paradeiro do Santo Graal.
» Negócios de família (1989)
» Caçada ao Outubro Vermelho (1989)
Um submarino deixa a KGB e a CIA em estado de alerta, diante de um possível caso de terrorismo. Baseado em obra de Tom Clancy, tendo por pano de fundo a Guerra Fria e a ação incontida de um misterioso capitão soviético. Alec Baldwin e James Earl Jones completam o elenco.
» Sol nascente (1993)
Nesta trama adaptada de Michael Crichton (nome por trás de Jurassic Park), Connery dá vida ao policial que domina costumes nipônicos e vive parceria com o colega interpretado por Wesley Snipes. Eles adentram um verdadeiro império de empresários japoneses.
» A Liga Extraordinária (2003)
Resultou no anúncio da aposentadoria do astro.