Foi numa viagem entre sertões, de Bodocó (PE) até Crato (CE), que a pernambucana Cida Pedrosa escreveu as primeiras páginas de Solo para vialejo, considerado o livro do ano, segundo o Prêmio Jabuti 2020. Na serra, escreveu dez páginas. Depois, em Petrolina (PE), encontrou a foto que é a capa da publicação, quatro personagens negros no que seria uma jazz band, e que deu origem ao conceito que permeia a obra de poesia. “Começou da ideia de uma diáspora dos negros e negras que viviam no sertão de Bodocó (cidade natal da autora), também desse rastro de musicalidade e as memórias coletivas”, explica.
A autora reacendeu as próprias memórias e também de lembranças de outras pessoas para contar uma história de Bodocó, mas que se relaciona com o mundo: os caminhos feitos por negros, negras e índios no sertão e essa relação com a música, principalmente, o blues. “Vou falando dessa musicalidade da negritude, que é ao mesmo tempo tão próxima e distante. O blues nasceu nos Estados Unidos na terra gelada dos campos de algodão, enquanto também está aqui nos campos de algodão numa terra árida”, comenta.
Chegar a essa temática tão atual não foi intencional, mas acabou acontecendo pelo fato da escritora ter buscado uma literatura afetiva, de forma a conseguir falar da “própria aldeia, de modo universal”. “O que acontece é que os fatos da minha aldeia são universais. Porque em qualquer outro lugar do mundo as pessoas podem estar vivendo algo parecido. Fiz um mergulho dentro de mim, numa busca muito pessoal, mas, ao mesmo tempo, coletiva”, define. Ela conta que percebeu a força do livro ainda quando lia trechos para os filhos, ambos poetas, o companheiro e amigos. “Fiz algumas leituras e as pessoas se emocionavam, isso foi deixando claro que eu estava no caminho certo”, lembra.
Cida Pedrosa é a primeira mulher pernambucana a vencer o prêmio. Com 57 anos, ela começou a escrever aos 14. O primeiro livro foi publicado aos 19, uma obra que ela diz “nem gostar mais”. “Com o tempo a gente vai se aprimorando, aprendendo, acredito muito no exercício amoroso da palavra”, revela. A premiação, para ela, traz um reconhecimento de uma trajetória de 10 publicações, entre elas, Claranã (2016), que chegou a ser finalista do Prêmio Oceanos de Literatura, e de um livro que a traz orgulho.
Neste ano, a escritora também escreveu um livro inspirado na pandemia de covid-19. Intitulado Estesia, a obra traz percepções em texto e imagens dos sentimentos de ver Recife modificada na quarentena. O livro foi escrito em formato de haicai e está disponível apenas em formato digital, à venda na Amazon. “É um livro em que eu escrevia e fotograva. Ando todo dia com o meu cachorro observando a cidade vazia. Ao mesmo tempo via coisas belas, mas também tinha o medo”, explica.
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