CINEMA

'Cracolândia' questiona a dependência e os centros urbanos das grandes cidades

Com perspectivas contrastantes mas complementares, o longa rememora a temática por meio de especialistas e personagens

Lisa Veit*
postado em 07/11/2020 07:00 / atualizado em 07/11/2020 18:08
 (crédito: Cracolândia/Divulgação)
(crédito: Cracolândia/Divulgação)

“Será que o problema é realmente a Cracolândia? Ou o problema é a sociedade, que não consegue ver que isso é um foco de doença, de desespero e solidão? Falta de humanidade e de respeito?”, questiona Cleiton “Dentinho” Conceição, dependente químico ouvido em Cracolândia. A partir do estudo de um grande caso, feito pelo cientista político Heni Ozi Cukier, o documentário de Edu Felistoque amplia o questionamento sobre o problema do crack, e dos emergentes centros urbanos de consumo. Com perspectivas contrastantes mas complementares, o longa rememora a temática por meio de especialistas e personagens, oferecendo um espaço de visibilidade com maior reflexão do que os discursos políticos e os noticiários criminais.

Questionado sobre o que o motivou a realizar um filme com complexas discussões da realidade insalubre de mais de 3 mil usuários (que moram ou passam pela Cracolândia diariamente), o diretor resgata memórias da cidade natal: uma São Paulo que lembrou ser a “Terra da Garoa”.“Foi pela tristeza recorrente. Eu tenho uma certa nostalgia da minha cidade. Da nossa cidade, pois ela pertence ao Brasil. Mas o que realmente me moveu é muito mais forte do que uma emoção individual. Foi a tristeza de ver o discurso (milagroso) de várias entidades e pessoas muito distante da própria ação”, conta o diretor.

A partir dessa consciência, o enfoque passou a ser compilar os diferentes discursos, na intenção de que as reflexões, e ações, não continuassem ocorrendo a partir das perspectivas isoladas. Entretanto, Felistoque relata que recebeu críticas por não ter defendido um direcionamento único no trabalho. “Como seria eu fazer um filme tendencioso? Claro, todo mundo sabe no que eu acredito. Mas, eu não posso. Sou um documentarista, então tenho que buscar ouvir diversos lados, ainda que discorde de algumas opiniões”, explica, apontando que o estado de polarização tem dificultado a integração de políticas públicas.

Apesar de pontuada a crítica, o filme tem sido aclamado em festivais. Cracolândia foi selecionado para o 13º Los Angeles Brazilian Film Festival, sendo exibido dentro da programação do evento. Além disso, recentemente, foi premiado no 18º Festival Internacional Signs of The Night, edição Berlim 2020. O longa também estreou na Mostra Brasil, da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Considerando-se realista, Edu não enxerga o fim do problema. Quanto à melhora, vislumbra um horizonte distante para uma realidade recorrente. “Eu acredito em um controle. Acredito no exercício de estar sempre procurando melhorar. Mas não vai melhorar. A droga é um negócio. Como a seca do nordeste, entre outros exemplos, existe a chamada ‘indústria do problema’: há problemas que os políticos sempre prometem, mas não solucionam”, aponta o cineasta.

O longa conclui que uma estabilidade só será possível com a política integrada entre medidas culturais, de prevenção, tratamento e redução de danos, que depende de diálogo e consistência. “O único lado que as pessoas não ouvem é o lado dos usuários. Esses estão na mão dos traficantes, de partidos ideológicos, da polícia, de juízes e nada se resolve”, completa Felistoque.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

 

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