Cinema

Filme 'Tenet', de Christopher Nolan, chega aos cinemas; confira crítica

Arena de pretensão e pomposidade, 'Tenet' perde o foco ao pouco investir nas cenas de experiência presente

Num filme do cineasta Christopher Nolan, não há meio-termo: é pegar ou largar. Tenet dispõe no palco de encenação a habilidade do diretor de complicar o trivial, de constituir cenas grandiosas, e de, subitamente, desalinhar tudo, perdendo o foco e o interesse. Tenet é daqueles filmes em que o espectador se debaterá, dada a supressão de lógica: um homem chamado Protagonista (John David Washington) se vê largado numa conjuntura que pode desencadear a Terceira Guerra e, tendo por artefato a intuição, vai se defendendo, e tentando salvar o mundo de explosão nuclear. Quem pode engatilhar a explosão é o russo Andrei Sator (Kenneth Branagh, que parece repetir o personagem de Operação Sombra: Jack Ryan).

As operações de espionagem em que Protagonista se vê ilhado são sabotadas por mentiras e pela imersão num conceito de inversão, que tensiona encadeamentos do passado e do futuro. Nolan deposita fichas no que o cinema tem de mágico: a manipulação do tempo; mas reveste a trama com teoria que reverbera tese hamletiana à la "o ovo ou a galinha". Ouvisse ele conselho do Chacrinha, não viria a se estrumbicar. Na moldura sonora, do espetaculoso Tenet está a trilha estilosa do sueco Ludwig Göransson, um estridente pupilo do compositor Hans Zimmer (colaborador habitual de Nolan).

 

Warner Bros. Pictures/Divulgação - Cena do filme 'Tenet', com John David Washington

 

Dono de respeitável filmografia, que inclui Interestellar e A origem, o britânico Christopher Nolan traz consigo a capacidade de impressionar, mesmo em fitas de escolhas duvidosas como Dunkirk (2017). Civilidade e agressão se contrapõem em Tenet. Na fricção, resultam grandiosas sequências, como a do bungee jumping (quando é firmada a parceria do herói com o personagem de Robert Pattinson) ou ainda a do rastro de barras de ouro deixado por um inesperado ataque a avião.

Arena de pretensão e pomposidade, Tenet perde o foco ao pouco investir nas cenas de experiência presente. O pesquisador da bomba atômica Robert Openhheimer pode até ser citado, junto a conceitos de entropia, mas a base do filme parece residir na falta de linearidade da trama (à la videoclipe, mancomunada à linguagem dos jogos virtuais da atualidade). Junto com o mix, ainda se observam obsessões do diretor com a franquia Batman que ele conduziu. Há muito envolvimento com máscaras, pesa o descontrole advindo da atmosfera fascista e a "vida na escuridão" (espécie de senha entre os atores dos campos de batalha encenados em Tenet). Há, tem até citação de lockdown.

Finalmente, vale ressaltar a trajetória de mulheres fortes na trama, entre as quais a outrora fragilizada Kat (Elizabeth Debicki, deslumbrante) e Priya (Dimple Kapadia), uma indiana de pulso. Entre muitas circunstâncias tateadas pelo espectador há a oportuna cena do terrorismo (num teatro que parece plasmar eventos reais ocorridos em Moscou, em 2002) em que, num concerto, metralhadoras vencem instrumentos musicais. Não é casual que a arte seja quase invalidada pela tirania; sob prisma brazuca.