Premiado pelo júri popular, no Brooklyn Film Festival, e adiado na estreia, dada a pandemia, o longa Macabro, de Marcos Prado, finalmente chega ao circuito. Autor do documentário Estamira e um dos produtores de Tropa de elite, Prado retoma o discurso radical e imersivo, ao cercar trama inspirada pelo caso que estarreceu o Brasil, em meados dos anos de 1990: a saga dos irmãos necrófilos Ibrahim e Henrique de Oliveira. No filme, a fotogenia da região serrana do Rio de Janeiro contrasta com o desleixo e as mazelas sociais apregoadas numa terra com prosperidade econômica. O senso comum de julgamento e linchamento de um "pobre, preto e sujo", como é definido Matias (Eduardo Tomaz), encontra amplitude na galeria de personagens do roteiro de Lucas Paraizo (colaborador do ambivalente conteúdo de Aos teus olhos) e Rita Gloria Curvo.
Toda a ação parte de 1995, com a invasão a uma favela, em que a violência policial ecoa, no cenário tenso de armas entrecruzadas em cena (numa pegada à la Tropa de elite). Quem encabeça uma missão desastrosa é o protagonista do longa, o Sargento Teo (que passa a ser desacreditado), personagem do eficiente Renato Góes. Sob inoperante escudo dos direitos humanos, os irmãos sobrevivem na Serra dos Órgãos (Nova Friburgo), acuados pelos descendentes de imigrantes, a reboque do rastro de violência explícita: entre os crimes está o da decapitação de uma menina de 11 anos e corpos largados com dezenas de facadas; isso
além dos vestígios de necrofilia. Inácio (Diego Francisco), o outro dos irmãos enquadrados por perversão sexual e por fatores exibicionistas, é a outra ponta, no cabo de guerra com enorme desequilíbrio e vantagem para forças sociais poderosas.
Se a "justiça (é dada por) incompetente", como imprime um dos personagens, há gana de justiceiros que animalizam os supostos criminosos. "Inácio virou um bicho", detecta uma das vítimas; e, sim, em parte é
verdade: foragidos, comem animais crus, ferem sensibilidades, pelo protagonismo bestial e são designados por populares como "cachorros do dêmo". Tudo num cenário que quase não abriga personagens negros. Existências imperdoáveis para o vilarejo.
Ainda que movido por clichês (o agente do Bope, atormentado, que busca redenção), e por imagens de fundo apelativo (há o menino que arrasta um ursinho, até topar com a mãe suicida), Macabro dá um recado de preconceitos (há rebaixamento de macumba e racismo envergonhador), mas com superficialidade, no caso do desenho das personagens femininas, ainda que discursos não sejam nada suaves. Marcos Prado se vale das tradições dos filmes de serial killer e ainda explora signos de faroeste, num registro com resultado curioso.
Direção de arte (a cargo de Ula Schliemann, com potencial, numa fase, afastada das costumeiras comédias bestas) e fotografia (de Azul Serra, presente em filmes como O Juízo e Por trás do céu) são arrebatadoras, em termos de qualidade. Exaltado no tom (e nas imagens), Marcos Prado parece ganhar no grito alguma ressaca reflexiva, com Macabro. ###