Novelas

Reprises de novelas enfatizam mudanças na sociedade

As reprises de novelas se destacam em meio à pandemia, mas também mostram mudanças nos hábitos dos telespectadores

As reprises de novelas se popularizaram durante a pandemia do novo coronavírus. Com os estúdios parados para evitar a propagação da doença, a exibição de sucessos antigos foi a forma de continuar gerando entretenimento por meio da teledramaturgia. No entanto, essas produções que foram bem-sucedidas nos anos de lançamento, agora geram controvérsias entre o público, ao mesmo tempo que enfatizam mudanças na sociedade.

"Essa novela deveria ser proibida de reprisar, porque são tantas barbaridades. É uma loucura passar uma novela dessas", disse Marco Pigossi sobre Fina estampa (2011) em uma live com João Vicente de Castro no Instagram do canal GNT. Na trama, o ator interpretava Rafael. No entanto, não é só Pigossi que concorda com a afirmação. Durante a exibição da reprise da novela no mês passado, muitos internautas criticaram o enredo, a começar pelo núcleo de Crô (Marcelo Serrado), Celeste (Dira Paes) e Baltazar (Alexandre Nero).

“A questão de críticas a novelas reprisadas mostram o quanto a sociedade, de forma geral, se altera ao longo dos tempos, e é uma alteração muito rápida, as novelas reprisadas são dessas duas últimas décadas. São produções muito recentes na memória coletiva, não é algo muito afastado do nosso tempo. Então, quando a gente sente essa rejeição de crítica, é porque percebemos que determinados assuntos evoluíram. A gente já não pode tratar certos assuntos como eram tratados há 5, 10, 15 anos”, pontua Valmir Moratelli, pesquisador de teledramaturgia pela PUC-Rio.

O personagem de Marcelo Serrado é representado de forma afeminada e subalterna, na qual a única função é agradar a patroa Tereza Cristina (Christiane Torloni), a quem ele idolatra em tom de alívio cômico. Em 2011, quando a produção foi ao ar pela primeira vez, Crô foi um sucesso e resultou em dois filmes acerca dele, Crô e Crô em família. No entanto, hoje em dia a figura não cabe mais, visto que não acrescenta nas discussões e lutas da comunidade LGBTQIA+.

Fina estampa também traz Baltazar como um homem homofóbico com o colega de trabalho, e abusivo e agressivo com a esposa e a filha. E não teve o desfecho das violências resolvido na trama. A música do casal era Amor covarde de Jorge & Mateus que é embalada pelo refrão: “Quando a gente fica junto, tem briga. Quando a gente se separa, saudade”.

No entanto, a protagonista Griselda (Lília Cabral) quebra paradigmas na história. Ela trabalha como “marida de aluguel”, profissão na época majoritariamente masculina e que impulsionou o enredo e causou estranheza nos outros personagem.

Globo/ Reprodução - A personagem Ivana de A força do querer

Para substituir Fina estampa, está no ar A força do querer (2017), novela considerada necessária em decorrência da personagem Ivana/Ivan (Carol Duarte), jovem que passa por transição conforme a trama avança e levanta dilemas acerca da identidade de gênero e sexualidade. “Uma novela recente que trouxe todo o drama do transgênero, da questão da mudança de gênero, em horário nobre. As pessoas torceram pela personagem, isso mostra toda uma força que existe, apesar de todo esse jogo político atual, de que as pessoas defendem as causas de acordo com o movimento e a evolução da sociedade”, conta o pesquisador e escritor do livro O que as telenovelas exibem enquanto o mundo se transforma.

 

Viva/ Reprodução - A novela Mulheres apaixonadas

Mulheres apaixonadas (2003) está sendo reprisada no canal Viva. A novela visionária debate questões sobre relacionamentos, vivências lésbicas, violência doméstica e urbana e é consideravelmente uma novela a frente do tempo. A dramaturgia extrapolou o entretenimento e ganhou reflexos na vida real graças a narrativa da personagem Dóris (Regiane Alves) que maltratava os avós. Um projeto foi criado pelo deputado Paulo Paim (PT/RS) e aprovado pelo Senado na época que o enredo estava no ar e parte do elenco se movimentou e fez pressão para que políticos aprovassem o Estatuto do Idoso, que garante direitos às pessoas da terceira idade.

No entanto, Mulheres apaixonadas ainda reproduz estereótipos e preconceitos, como os diálogos machistas e, os únicos negros da trama são os empregados, com exceção de Camila Pitanga. “Nós tivemos um avanço muito grande na discussão do papel do negro, da diversidade sexual, do próprio papel da mulher dentro da sociedade e tudo isso é colocado em jogo quando há um produto cultural de grande alcance, como é a telenovela, para que as pessoas possam se ver retratadas de alguma forma”, pontua Moratelli.

Novelas querendo ou não imprimem a realidade. Algumas tramas abordavam o racismo, a homofobia e o machismo de forma naturalizada, sem intenção de provocar um debate ou uma reflexão sobre os temas. Hoje em dia, o cenário parece mudar. “Há um cuidado maior para que as produções que vão ao ar atualmente para que elas estejam dentro de uma lógica que respeite as discussões que estão em voga. As tramas atuais buscam essas reflexões, mas ainda há muito em que avançar”, pontua o pesquisador.

*Estagiária sob supervisão de Adriana Izel

Globo/ Reprodução - A personagem Ivana de A força do querer
Viva/ Reprodução - A novela Mulheres apaixonadas