Jorge Helder acabara de sair da adolescência quando, no início da década de 1980, deixou Fortaleza e veio morar na capital para estudar na Escola de Música de Brasília. Naquela instituição de ensino, obteve aperfeiçoamento em contrabaixo e conquistou novos amigos entre alunos e professores. Deu início à carreira profissional tocando nos grupos Quarteto Instrumental e Artimanha, e com as cantoras Cássia Eller, Zélia Duncan e Rosa Passos.
Numa vinda de Sandra de Sá a Brasília, o produtor dela, ao vê-lo tocar, o convidou para fazer parte da banda da cantora e, consequentemente, morar no Rio de Janeiro. Lá, depois de dificuldades iniciais, fez alguns contatos no meio artístico. Um deles foi com o violonista Luiz Cláudio Ramos, diretor musical de Chico Buarque que o levou para tocar na banda de um dos maiores ícones da MPB, com quem trabalha há mais de três décadas. Muito requisitado, é presença cativa em projetos de Maria Bethânia e em trabalhos de outros grandes artistas como Nana Caymmi, Roberto Carlos, Caetano Veloso e João Bosco.
Durante os últimos sete anos, o baixista se dedicou também à gravação do seu primeiro disco solo, Samba doce, lançado pela gravadora do Sesc. Nesse álbum, há a participação de 40 companheiros de ofício, entre eles os brasilienses Lula Galvão (violão), Nelson Faria (guitarra) e Erivelton Silva (bateria). Outros destaques entre os instrumentistas que tomaram parte são Mário Adnet, Jessé Sadoc, Paulo Aragão e Luiz Cláudio Ramos, responsáveis pelos arranjos, além do Boca Livre e da Orquestra de Cordas de São Petersburgo. “Eu quis convidar músicos pensando no estilo musical de cada um, abarcando diferentes sensibilidades”, explica Jorge.
O diversificado repertório, espalha sofisticação por 10 faixas, todas compostas por Jorge Helder, sendo cinco totalmente autorais: Sozinho, Passo o ponto, Vagaroso, Outubro 86, Terra nova e Samba doce. Das outras cinco, Casualmente, Rubato e Boleros blues, ele tem Chico Buarque como parceiro, enquanto as demais melodias receberam letras de Rosa Passos (Inocente blues) e Aldir Blanc (Dorivá). No CD, Chico interpreta Boleros blues; Rosa Passos, Inocente blues; e Dori Caymmi, Dorivá. A capa tem assinatura do letrista, designer e arquiteto cearense Fausto Nilo.
Como e quando a música entrou em sua vida?
Por influência do meu pai que tocava bandolim, ali por volta de 1970. À época, adolescente, morando em Fortaleza, tocava baixo elétrico num conjunto do colégio.
O baixo sempre foi o seu instrumento?
Não, comecei com bandolim, depois segui para o violão — estudando com a minha tia, irmã do meu pai — e em seguida, aos 15 anos, comecei com o baixo elétrico.
Foi fácil a ambientação na Escola de Música de Brasília?
Sim, foi maravilhosa. Tive a oportunidade de conhecer grandes amigos e professores, como Paulo André Tavares, Manoel Carvalho, Jaime Ernest Dias, Beth Ernest Dias e a matriarca Odette Ernest Dias, de quem também me aproximei.
Qual foi importância da EMB para sua formação musical?
Lá, tive a oportunidade de tocar na Brasília Popular Orquestra dirigida pelo Manoel Carvalho, também toquei na orquestra de cordas da Escola de Música de Brasília, além de ter feito parte do coral da escola e de ter aula prática de violão. Isso tudo me deu uma experiência que trago comigo, até hoje, nas big bands e nas pequenas formações de orquestra nas gravações que participo.
Que visão tinha da cena musical brasiliense na época?
Brasília era uma cidade muito eclética. Tive espaço para tocar diversos estilos diferentes: tocava com a Rosa Passos e também com a Cássia Eller, com o Quarteto Instrumental e a banda instrumental Artimanha, além de música clássica na orquestra da Escola de Música. Trabalhava nos bares da cidade à noite e fazia shows em teatros com diferentes artistas como Zélia Duncan, Marco Pereira e Renato Vasconcelos.
A ida para o Rio de Janeiro se deu por algum convite específico?
Sim. Na época, estava tocando na banda Artimanha num show na Sala Funarte (Cássia Eller) e nesse dia o produtor de Sandra de Sá foi nos assistir. Ao término da apresentação ele me convidou para ingressar na banda da cantora. Já aqui no Rio, por indicação de Adriano Giffoni, fui trabalhar com Marcos Valle, simultaneamente.
Quem o levou para formar na banda de Chico Buarque, com quem toca há três décadas?
Meu querido amigo Luiz Cláudio Ramos, diretor musical do Chico Buarque.
Como tem sido o convívio artístico e pessoal com um dos maiores ícones da cultura brasileira?
É uma explosão de amizade e companheirismo. Pena que, geralmente, é só de quatro em quatro anos.
Por que demorou tanto a lançar o seu primeiro disco solo?
Porque foi um projeto audacioso para mim. Tive que juntar todos os trabalhos logísticos e também a questão do compositor. Por isso, só fui concluir a criação das 10 músicas em 2017, quando compus Samba doce.
Quanto tempo levou para sentir que o trabalho estava pronto?
Durante a mixagem o técnico italiano Roberto Lioli me dizia ‘Jorge a mixagem só acaba quando você diz chega, parei, porque é uma busca da perfeição, que parece não ter fim’. E foi assim durante todos os sete anos de feitura do disco.
Ter a participação de 40 convidados no Samba doce é reflexo do prestígio que você tem na MPB?
Acho que o mais importante nesse ponto é a amizade que tenho com meus queridos amigos músicos, instrumentistas e cantores que participaram. Em toda a minha vida profissional valorizei a amizade e o respeito.
As parcerias com Chico Buarque, Aldir Blanc e Rosa Passos podem ser vistas como “cereja do bolo”?
Todas as parcerias e todos os participantes são as cerejas do bolo.
Lançar o CD agora, quando o país a vive sob a pandemia, não foi algo temerário?
Agora, nesse momento, uma das coisas com que se pode dar afago é a arte.
Que análise faz da situação da cultura do país atualmente?
Com certeza, nos meus 40 anos de carreira esse é um dos piores momentos, em relação ao fomento, patrocínio, espaço e incentivos gerais.